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Economia deve ter retomada forte só em 2022, diz Cassiana, do J.P Morgan

Para a economista-chefe do banco americano de investimento, recuperação efetiva da atividade depende de ajuste fiscal forte

Taxa de juros mais baixas e crescimento tanto do consumo como dos investimentos no setor privado também são necessários para recuperação (Germano Lüders/Exame)

Taxa de juros mais baixas e crescimento tanto do consumo como dos investimentos no setor privado também são necessários para recuperação (Germano Lüders/Exame)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 05h00.

Última atualização em 3 de dezembro de 2020 às 18h51.

Após o choque do início da pandemia, a projeção para a economia brasileira melhorou ao longo do ano. Para a economista-chefe no país do banco americano de investimentos J.P Morgan, Cassiana Fernandez, a estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) passou de uma queda de 7% para um PIB recuando 4,8%, graças em boa parte a um dos maiores programas de estímulo fiscal do mundo: o auxílio emergencial.

Por outro lado, um choque de oferta provocou o repique da inflação: a projeção era que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) encerrasse o ano com aumento de 3,8%, mas, após o anúncio da Aneel sobre reajuste de tarifas de energia elétrica, Fernandez espera que termine 2020 a 4,2%, acima do centro da meta.

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Mas e como fica a economia em 2021, no momento em que uma segunda onda da pandemia começa a se confirmar no país? Pairam incertezas e sobra cautela. Em um cenário intermediário, Fernandez acredita que haja uma recuperação efetiva da economia brasileira apenas em 2022.

Para a economista, a questão fiscal sempre foi e continua sendo o calcanhar de aquiles da economia brasileira, e é o ajuste necessário para manter o teto dos gastos que vai ditar o crescimento do PIB em 2021. Mas, para estabilizar a dívida pública, que atingiu 94% do PIB, será necessário mais do que isso.

Veja abaixo a entrevista completa da EXAME Invest com a economista:

Na sua visão, a segunda onda da covid-19 vai influenciar o crescimento apenas no primeiro trimestre de 2021. Para o ano que vem, espera que a economia nacional cresça 2,6%. Qual o peso da pandemia?

Já vimos a segunda onda batendo de forma mais forte no quarto trimestre. Revisamos nossa projeção de crescimento da zona do euro para o quarto trimestre para uma queda de 9% anualizada. Já o Brasil sofre o efeito do contágio provocado pela desaceleração forte das economias globais.

É fato que os números da pandemia se aceleraram nas últimas semanas, mas acho cedo falar que estamos entrando em uma segunda onda de restrições de fato. Houve o problema de divulgação dos dados em atraso pelo Ministério da Saúde. Também estávamos em uma primeira onda mais duradoura do que a que vimos na Europa.

Nesse cenário a aceleração de casos deve acontecer como aconteceu em todos os países, mas o que mais afetaria a nossa atividade econômica no primeiro trimestre seria o efeito defasado de uma economia global mais fraca e o fim do auxílio emergencial.

Portanto, nossa projeção de crescimento para 2021 fica abaixo do consenso do mercado: é de 2,6%, muito pela nossa visão da economia global e também cautela em relação à política fiscal no curto prazo. Depois de uma queda estimada de 4,7% do PIB em 2020, parece uma recuperação modesta, mas é o crescimento ao longo do ano que importa.

Esse crescimento será menor no primeiro semestre. Mas se mantivermos a credibilidade da política econômica, a aceleração será concentrada na segunda metade do ano, favorecida por uma vacina. Portanto, a recuperação do país acabará sendo mais efetiva no final do ano que vem, quando o coronavírus deixará de ser uma restrição.

(BTG Pactual Digital/Divulgação)

Vale ressaltar que esse crescimento mais forte em 2022 depende de um ajuste fiscal forte no primeiro semestre de 2021, taxa de juros mais baixas e crescimento tanto do consumo como dos investimentos no setor privado.

Qual será a diferença do impacto econômico de uma segunda onda em relação à primeira?

No nosso cenário, o impacto econômico da segunda onda deve ser muito menor sobre o PIB por uma série de razões. A queda do PIB no segundo trimestre do ano foi algo que nunca tínhamos visto acontecer na história do Brasil. Então nem de longe esperamos um impacto tão negativo sobre a economia desta vez.

Para isso nos baseamos em países que sofrem mais forte com a segunda onda, caso da Europa. O aprendizado da sociedade e do governo permitem agora uma convivência mais amena e um choque menor sobre a atividade econômica.

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Portanto, a mortalidade tende a ser menor agora. Hospitais de campanhas podem ter sido fechados, mas já há conhecimento para reconstruí-los, se for o caso. Por isso não acreditamos que deve haver medidas restritivas muito grandes como no primeiro trimestre, em média. Apenas uma ou outra cidade pode sofrer um maior impacto.

Navegar com sucesso pela pandemia depende de credibilidade política. Como está a do Brasil? O banco cita que o auxílio foi uma das maiores iniciativas do mundo para combater a pandemia. A resposta foi adequada?

A questão fiscal era e continua a ser o calcanhar de aquiles da economia brasileira. O governo já começou a crise com o lado fiscal debilitado, algo que vem desde 2014 e começa a ser equacionado com o teto dos gastos. Se comparar a resposta à crise do governo brasileiro com a de outros países, tivemos um dos maiores programas de estímulo fiscal, além de estímulos monetários e de crédito bastante significativos.

Falamos desde o começo da crise que haveria a capacidade de as economias navegarem em um ambiente totalmente desconhecido com menor perda humanitária e econômica possível se sobrevivessem ao período mais crítico da pandemia.

O auxílio emergencial foi uma política muito forte, mas também adequada, pois permitiu que os mais vulneráveis ficassem sem trabalhar respeitando as medidas restritivas. Há quem diga que o mesmo volume de recursos poderia ter durado mais tempo, com maior foco nos mais beneficiados. Mas o fato é que em maio tínhamos uma projeção de queda de 9,5% do PIB.

Acreditamos que toda a excepcionalidade para suavizar os efeitos do coronavírus estaria limitada ao ano de 2020. Mas a partir de agosto o mercado começa a questionar se existiria vontade política e capacidade para voltar à política anterior e respeitar o teto dos gastos em 2021.

Qual a sua previsão para o comportamento da Selic daqui para a frente? Diante de um eventual descontrole fiscal, um repique da inflação pode levar as taxas para cima?

Há uma incerteza grande na virada do ano. No curto prazo, os números mais fortes do coronavírus criam um desafio adicional. Mas acreditamos que governo vai seguir com a política do fim do auxílio emergencial e será possível realizar um ajuste fiscal.

Vemos o Banco Central mais confortável para manter os juros baixos por mais tempo, uma política fiscal mais expansionista e uma política monetária acomodativa. Houve um choque que exigia respostas extraordinárias, mas em 2021 as políticas no mundo todo começam a normalizar e o Brasil não é exceção. Mas por ter escolhido uma política fiscal mais expansionista agora o ajuste terá de ser maior. A dívida pública deu um salto significativo: foram mais de 20 pontos percentuais no ano.

Quais são suas projeções para as contas públicas?

Se até 2019 o desafio era manter o teto dos gastos até 2026 e que a trajetória da dívida pública começasse a cair em 2023, agora o nível de dívida atual, mesmo mantendo o teto dos gastos, não é suficiente para estabilizar a dinâmica da dívida. Então é preciso fazer mais do que o teto dos gastos. Mas não sabemos nem se vai conseguir manter o teto.

Nosso cenário extremamente positivo é que o governo pode conseguir manter o teto dos gastos, estabilizar a dívida em relação ao PIB e emplacar reformas estruturais, como a PEC emergencial e a reforma administrativa, até a segunda metade do ano que vem.

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Já no nosso cenário intermediário o governo mantém o teto dos gastos e não opta por políticas populistas, mas há ceticismo na capacidade de o governo conseguir aprovar grandes reformas no ano que vem.

Ainda não temos um desenho das reformas, e as eleições do presidente da Câmara e do Senado devem coordenar a agenda. Depois disso há incerteza sobre a capacidade do governo de convencer a sociedade e o Congresso. A partir do final do ano, entramos no ciclo eleitoral para 2022, o que reduz esse espaço. Temos de reconhecer que grandes reformas acontecem no Brasil no primeiro e no segundo ano de mandato. Depois disso, fica mais difícil.

Além disso ainda não vejo consenso necessário tanto do lado do governo quanto do Congresso e da sociedade para que reformas importantes aconteçam e garantam a consolidação fiscal. Tivemos um amadurecimento grande na reforma da Previdência, mas não vejo isso no caso de outras reformas

Nesse cenário, a recuperação não vai vir pela credibilidade política, mas pelo impulso monetário e os juros baixos, que incentivam mais as empresas que o lado fiscal.

Qual a sua visão sobre a inflação? Quais os principais efeitos do prolongamento da pandemia sobre os preços?

Tivemos um grande choque de oferta ao longo de 2020, principalmente na segunda metade do ano, e acabamos subestimando o impacto da evolução do câmbio na inflação.

Em junho, nossa projeção para o núcleo da inflação no final do ano era de 2%. Hoje o número é bem mais forte: esperamos um crescimento de 4,2% para a inflação cheia. Contudo, o núcleo subiu apenas 10 pontos-base, de 2,4% para 2,5%. Isso acontece por conta da natureza do choque, muito concentrado em alimentação.

Acreditamos que seja um choque temporário. No primeiro semestre do ano que vem a inflação segue pressionada e deve atingir em torno de 5,8% em maio, mas depois desacelera de forma bem mais forte e deve terminar o ano em 3,3%, abaixo da meta de 3,75% definida pelo Banco Central.

Para isso assumimos que o governo consiga manter a credibilidade fiscal no primeiro trimestre. Uma demanda muito fraca, um desemprego ainda muito alto e a recuperação incompleta economia brasileira vão fazer com que acabe sendo registrada uma desaceleração mais forte da inflação.

Qual é o risco? Se não há credibilidade fiscal e o governo decide manter uma política de estímulo à renda, isso fará com que o consumo privado continue artificialmente mais elevado e exista um choque persistente, que perderá a ancoragem.

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