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Desenvolve SP quer criar uma TJLP paulista e evitar desindustrialização

Para o presidente da Desenvolve SP, a Agência de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Sérgio Gusmão Suchodolski, é necessário "levar adiante uma política industrial no estado mais rico do Brasil"

Sergio Gusmão Suchodolski (EXAME/Exame)
CC

Carlo Cauti

Publicado em 9 de junho de 2022 às 12h14.

Última atualização em 9 de junho de 2022 às 19h45.

O presidente da Desenvolve SP, a Agência de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Sérgio Gusmão Suchodolski, é muito claro quando fala em "levar adiante uma política industrial no estado mais rico do Brasil". Em entrevista exclusiva ao EXAME Invest , Suchodolski explicou que o governo do estado de São Paulo tem a capacidade de criar uma taxa de referência própria, a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) de São Paulo. E a Desenvolve SP terá um papel importantíssimo nessa estratégia.

Economista formado pela Science Po, em Paris, com especialização em Harvard e na Universidade de São Paulo (USP), Suchodolski está à frente da Desenvolve SP há quatro meses, após ter liderado o banco de investimento de Minas Gerais.

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O executivo explicou que quer levar adiante uma atuação mais incisiva do Desenvolve SP, tentando reverter o "processo de desindustrialização de São Paulo" e fomentando uma mudança nas indústrias do estado, para que se tornem mais tecnológicas e prontas para enfrentar os desafios do século 21.

Suchodolski disse que olha com atenção "para os exemplos errados do passado", para evitar de repeti-los. Mas também não pode "se furtar" em atuar como banco de fomento em um contexto internacional complexo e em um país como o Brasil.

Confira a seguir os melhores trechos da entrevista com o presidente da Desenvolve SP:

Qual a carteira atual da Desenvolve SP?

Hoje temos cerca de R$ 5 bilhões em carteira, entre própria e fundos estaduais. O tamanho de um banco médio, caso fosse um banco comercial. Boa parte desses recursos é oriunda de nosso acionista majoritário, que é o governo do estado de São Paulo, que já aportou R$ 1 bilhão, e vai aportar outros R$ 2 bilhões em breve.

Como são utilizados esses recursos?

A enorme maioria, cerca de 95%, é utilizada para empréstimos na iniciativa privada. Também emprestamos para prefeituras, mas nosso foco é o setor privado.

A Desenvolve SP recebeu críticas por aumentar sua carteira no período eleitoral, o que explica essa expansão?

Na verdade, essa estratégia de expansão antecede muito o período eleitoral. O grande salto da carteira não aconteceu em 2022, mas em 2020. Durante a pandemia. Isso porque nosso acionista majoritário reconheceu nosso desempenho. Tivemos um elevado desembolso em 2020, um elevado desembolso em 2021 e o mesmo nível em 2022. Parte desses recursos serão aplicados neste ano, parte no ano que vem, e outra parte nos anos subsequentes. Somos uma instituição de capital paciente. Não há nenhuma corrida na alocação desses recursos. Inclusive, há uma grande atenção na originação desses projetos. Nosso objetivo é trazer uma tranquilidade aos nossos clientes e acionistas.

Quantas pessoas trabalham hoje na Desenvolve SP?

Cerca de 200 funcionários. Uma equipe bastante enxuta, considerando a dimensão da carteira, mas toda técnica.

Os recursos da Desenvolve SP são também internacionais. Quem está investindo em São Paulo?

Temos muitos investimentos de instituições internacionais, como Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento ( BID, na sigla em inglês ], também temos recursos do Corporação Financeira Internacional [ IFC, na sigla em inglês ], o braço privado do Banco Mundial. Há muito interesse lá fora em investir em São Paulo.

Como funcionam essas captações?

Os bancos internacionais fornecem recursos para a Desenvolve SP, que distribui o crédito para a ponta final, para o empresariado. Somos uma instituição financeira de desenvolvimento, que trabalha com a ponta final, com a "ultima milha". Pois esses grandes bancos internacionais não tem a possibilidade de chegar até a ponta final. Nós temos a capilaridade e conhecimento. Sob um perfil de crédito, a Desenvolve SP capta recursos em nível internacional, com empréstimos de longo prazo, com taxas de juros interessantes, converte em reais, faz um swap para se proteger do risco de câmbio e depois fornece para as empresas locais.

Qual o juro oferecido para as empresas paulistas?

O juro oferecido vai variar do risco da empresa. Temos um leque de juros, linhas muito diversificadas. Em algumas delas existe uma equalização dos juros. Temos Selic "careca", ou seja sem spread. Outros programas aumentam os juros entre 3% e 6% ao ano. Depende muito.

Quais as vertentes de investimentos da Desenvolve SP?

A principal vertente é financiar a digitalização das micro e pequenas industrias e das empresas prestadoras de serviço para a indústria inteira. Um trabalho que faremos em conjunto com a Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, onde essas empresas estão muito concentradas. O Brasil sofre um processo de desindustrialização já há algumas décadas. E isso é notável com a saída de algumas empresas icônicas. Queremos acabar com essa hemorragia. Vamos fomentar uma nova maneira de produzir, com micro e pequenas industrias, startups, com fornecedores que muitas vezes são o motivo de atração de empresas maiores que reconhecem nessa cadeia produtiva grandes qualidades. E que, por isso, querem se instalar no Brasil, um mercado de 200 milhões de habitantes.

Como vão evitar essa desindustrialização, que está atingindo principalmente o estado mais industrial do Brasil, São Paulo?

Já começamos a fazer um exercício, uma discussão interna, para criar uma mini-política industrial em São Paulo. Há vários anos a palavra "política industrial" não é mencionada no Brasil por causa de questões ideológicas. Na verdade o estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento, tem a capacidade de criar uma taxa de referência própria, uma Taxa de Juros de Longo Prazo que vamos chamar TJLP-SP. Durante muitos anos o BNDES teve sua taxa de referência, a TJLP, mais baixa, em um momento em que os juros eram muito altos. E agora o Brasil voltou a viver um momento em que os juros são muito altos.

Mas qual tipo de empresas seriam financiadas com a eventual TJLP-SP?

Precisamos fomentar a indústria, e os investimentos devem vir daquilo que a gente chama de "capital paciente". A Desenvolve SP é um investidor de longo prazo. Existem pares dentro desse nicho de longo prazo, como fundos de pensão internacionais, fundos soberanos, que tem no DNA a paciência de olhar para o longo prazo. E eu vou fazer o mesmo aqui em São Paulo. Preciso semear o futuro. Um futuro dentro da melhor técnica, nos acordos que o Brasil faz parte, se define como um futuro sustentável com infraestrutura esteja adaptada para as mudanças climáticas, então todo o tema de adaptação e mitigação dos efeitos de mudanças climáticas é importante. Esse é um tema de engenharia. Não é apenas um tema de empresas querendo ganhar visibilidade. É um tema de tecnologia, de efetivamente construirmos a nossas infraestruturas, as nossas casas. Um tema de viabilidade de negócios. Inclusive para nossos engenheiros.

Como vai funcionar essa TJLP- SP?

A TJ-SP será uma taxa de referência com juros bastante atraentes. Ainda não definimos detalhes, mas já estamos em fase de discussão interna. Já subimos o nível dessa conversa com o governador de São Paulo, com o nosso secretário da Fazenda. Vamos continuar dentro do espirito de nossa carteira, remunerando o capital de maneira adequada. Mas poderíamos ter algumas linhas com propósito específico, de maneira que a gente possa fomentar esse investimento de futuro sobretudo no nicho de micro e pequenas indústrias. Não se trata de reconstituir campeões nacionais, mas fomentar o setor da economia que é um grande empregador e que produz bens manufaturados de alto valor agregado. O Brasil não pode perder essa corrida.

Mas o Brasil já fez isso no passado e, certo ou errado, esse modelo foi alvo de críticas severas.  Isso é possível dentro das regras monetárias da União e nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)? Não seria um subsídio?

Não se trata de um subsídio na ascensão clássica do termo. Então não teremos problemas na OMC. E somos uma instituição regulada pelo Banco Central, que está atento às calibragens que efetuamos nas taxas de juros. Isso é um tema que o nosso regulador analisa com atenção. Mas eu não posso jogar o bebê fora com a água suja. Temos no Brasil experiências de atuação de fomento industrial importantes. O BNDES é um banco que atua há 70 anos, e está por trás de todo o processo de industrialização e diversificação econômica do Brasil. Temos um processo análogo, inclusive em outros lugares do mundo. Na Itália a CDP, na Alemanha o KFW, na Califórnia no IMEC, Na frança o PPI, na Coreia do Sul o Korean Development Bank, na China o China Development Bank, na Colômbia o banco ODEX, o México, o NAFIN, no Peru o COFID, entre outros.

Instituições que trabalham com boa técnica, é isso que quer dizer?

Não posso me furtar de olhar exemplos que deram certo em uma atuação que eu considero que deve ser restritas a exemplos internacionais relevantes. Mas não podemos deixar de lado nossa imaginação e o nosso conhecimento técnico para produzir um programa que pode produzir resultados relevantes, dentro de um contexto de disciplina, responsabilidade e boa técnica.

O senhor tem certeza que a carteira não vai sofrer, em termos de remuneração? Ou onerando muitos para beneficiar poucos?

Não se trata de onerar uma parte da carteira para poder ter uma linha de crédito especial. Teremos um equilíbrio geral de carteira. A calibragem dos juros pode permanecer sendo uma calibragem onde o acionista permanece sendo remunerado de maneira adequada. Não significa que uma parte da carteira não vai ser remunerada. Existe uma mensuração fina em termos de custo de capital de aportes que nos recebemos e a própria expectativa do acionista em ser remunerado. E não vamos alterar isso. Existe técnica para se fazer isso, dessa forma que eu diria que pode ser chamada de mini política industrial.  Estou falando sobretudo de fomentar micro e pequenas empresas que estão aqui no Brasil e que de fato podem produzir um valor agregado.

De quantas empresas estamos falando?

Segundo nossos estudos conjuntos com a FIESP, temos 40 mil micro e pequenas empresas que potencialmente poderiam ser atendidas com extensionismo gerencial do Sebrae, com extensionismo industrial do Senai, e com um crédito que o Desenvolve SP poderia fornecer.

As PMEs apresentam os maiores riscos em termos de crédito. Por isso os empréstimos para elas são mais caros, com juros mais altos. Como vocês estão pensando em resolver isso?

Vamos utilizar todos os instrumentos adequados, principalmente os fundos garantidores. Atuamos com mais de 4 fundos garantidores. O Estado de São Paulo tem seu fundo garantidor o FDA, e o Desenvolve SP é cotista de uma série de outros. A própria linha de crédito do BID tem um garantidor embutido. Temos recursos que podem ser utilizados como garantia. Então essa é a ferramenta adequada para poder reduzir o risco das empresas, levar adiante uma política industrial. O que justifica a existência de uma instituição financeira de desenvolvimento público é atuar nas falhas de mercado, na agenda de futuro,  nas economias mais sustentáveis.

Aqui no Brasil, dar crédito para PMEs não tem o risco de alimentar ainda mais a "velha economia" industrial e não permitir que o mercado faça o seu trabalho e elimine do mercado as empresas mais "atrasadas"?

Não tenho dúvidas que o governo vai fazer o seu trabalho e esse governo tem uma visão de alinhamento com o mercado. É um governo que tem um caráter liberal dentro de sua visão econômica.

O senhor acha que se o Desenvolve SP tivesse atuado mais cedo a CAOA e a Ford teriam continuado a produção em São Paulo ou eram casos que não cabiam à instituição salvar?

Acho que eram casos que não cabiam à instituição salvar. Não somos um hospital de empresas. Somos fomentadores de sonhos de uma agenda de futuro. Estou mais interessado em atuar com um grupo de engenheiros jovens que montaram um novo negócio e uma solução tecnológica, e não acho que temos o papel de salvar uma grande empresa que tem fontes de financiamento e de acesso ao crédito.

Se Steve Jobs nascesse no Brasil, ele conseguiria obter crédito barato para criar uma nova Apple?

Esse é o nosso desafio: criar as condições para que esse Steve Jobs brasileiro. Espero que não seja um só, mas um grupo maior, que possam olhar para o Desenvolve SP e saber que é uma casa do desenvolvimento que vai apoiá-los sobretudo nesse caminho inicial.

Vocês apoiaram alguns unicórnios brasileiros no passado? Estão apoiando algum agora?

No passado apoiamos sim, por meio de rodadas de investimentos onde participamos com capital semente. Somos cotistas de alguns fundos que realizaram esses aportes. Estamos financiando com nossas linhas de inovação alguns fundos. Somos o segundo maior repassador das linhas da Finep no Brasil como agente subnacional. De maneira que várias histórias de sucesso de unicórnios brasileiros passaram por aqui. Uma da startup apoiada pelo Desenvolve SP é a Kangu Transportes, plataforma tecnológica que conecta uma rede colaborativa de vendedores, transportadoras e pontos de coleta que viabilizam entregas para todos os perfis de e-commerce. Em 2020 a empresa obteve linhas de crédito para inovação. Logo depois foi adquirida pelo Mercado Livre. Outro exemplo é a Bem.Care Tecnologia, empresa de gestão de saúde. Hoje, a Bem.Care tem o laboratório Fleury como acionista.

Qual a estratégia? Fazem equity diretamente nessas empresas?

Não. É uma estratégia mais restrita. Não é a nossa atuação. Participamos de chamadas de fundos de terceiros, com critério. Às vezes entrando com outros bancos de desenvolvimento, como o BNDES, e acompanhamos rotineiramente o desempenho desses fundos. E todos que acompanhamos têm retornos muito interessantes e histórias muito legais.

O Sr. trabalhou no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o chamado "Banco dos BRICS". Por também ser um país emergente, o Brasil pode ser penalizado, em função dos problemas geopolíticos internacionais?

Não acredito que isso possa ocorrer. Hoje o NDB tem quatro novos países membros: Uruguai, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito. Só por isso, acho difícil que o Banco interrompa suas atividades. Mas existe um desafio e uma responsabilidade para o Brasil. Hoje, o páis é uma grande economia, membro do G20, e tem a grande responsabilidade de presidir o Banco dos BRICS e poder conduzir, de acordo com as regras internacionais a alocação dos recursos. Existe, inclusive, uma oportunidade para o Brasil, pois o banco dos BRICS está capitalizado. Isso significa que há um capital adicional que antes era alocado na Rússia e que agora poderia ser alocado em outros membros. E a ideia, imagino, dos gestores do Banco, sobretudo o Marcos Troyjo, como presidente, é de alocar em outros membros. E isso significa que haverá mais capital disponível para o Brasil.

Estão atuando no segmento ESG?

Nossa meta é ter 50% de projetos sustentáveis financiados na carteira. Dentro de uma logica de mandato de um banco de desenvolvimento moderno nos precisamos estabelecer metas de onde queremos chegar. De ter efetivamente esse impacto. Hoje temos uma carteira de praticamente 30% de projetos sustentáveis. Temos um framework que faz essa mensuração junto com um parceiro internacional. Estamos refinando esses dados. Estamos também alinhados à Agenda 2030, que apresenta os 17 ODSs das Nações Unidas. Os bancos de desenvolvimento internacionais estão, de maneira geral, se alinhando nesse sentido. E nós estamos na ponta, atuando nessa discussão.

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