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Bolsonaro precisa moderar o tom e gerar empregos, diz Mark Mobius

Referência global em investimentos em mercados emergentes, Mobius é otimista com Brasil e potencial de reformas, mas teme por conflitos

 (Eduardo Frazão/Exame)

(Eduardo Frazão/Exame)

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Juliana Elias

Publicado em 18 de fevereiro de 2020 às 17h13.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2020 às 15h25.

São Paulo - O Brasil é o terceiro país que mais recebe recursos dos fundos geridos pelo megainvestidor Mark Mobius – fica atrás apenas da China e da Índia. Norte-americano radicado no Reino Unido, Mobius foi um dos pioneiros em criar estratégias de investimento dedicadas essencialmente para países emergentes, para estrangeiros, ainda nos anos 80.

Mobius é um grande otimista sobre a economia do Brasil e a agenda econômica do governo Jair Bolsonaro. Viu com entusiasmo a aprovação da reforma da Previdência, no ano passado, e deposita grandes expectativas sobre os efeitos dos projetos em discussão neste ano, como as reformas tributária, administrativa e a agenda de privatizações.

Ressalta, entretanto, que Bolsonaro está cometendo, hoje, os mesmos erros que Donald Trump cometeu nos primeiros anos de seu mandato: subir o tom contra setores da oposição, criar animosidades e, com isso, alimentar bolsões de descontentamento grandes o suficiente para atrasar as políticas que deseja. "O ponto, agora, é que Bolsonaro controle seus excessos", disse, em entrevista a EXAME. "Ele talvez seja muito duro, poderia ser mais amigável. Precisamos que ele seja popular, para que as reformas possam continuar."

Para Mobius, há duas coisas que são essenciais para que o caminho das reformas seja razoavelmente fluido: a primeira é que o governo modere os ataques, para não alimentar impopularidade, e, a segunda, crescer e gerar empregos. “Empregos, empregos e empregos”, diz. "Empregos abrem caminhos. Aumentam a aprovação do governo."

Depois de passar quase três décadas comandando as estratégias de investimentos em emergentes da gestora americana Franklin Templeton, Mobius abriu, no ano passado, a sua própria casa de investimentos, a Mobius Capital, também especializada nos países em desenvolvimento. Atualmente tem 180 milhões de dólares investidos em ações de países como China, Índia, Brasil, Polônia, Turquia e Quênia. Entre os clientes, estão grandes investidores institucionais e famílias de alta renda dos Estados Unidos e Europa.

Mobius conversou com EXAME nesta terça-feira (18), durante passagem por São Paulo. Veja a seguir os principais trechos:

Como o senhor avalia o Brasil atualmente, como destino de investimentos, visto de fora?

Nosso fundo começou os primeiros investimentos em março do ano passado, e o Brasil é uma das nossas maiores posições. China e Índia são as maiores, com 30% da carteira cada, e o Brasil vem logo na sequência, com 16%. O Brasil é importante basicamente por conta da agenda de reformas. É um mercado que caiu muito e que tem muitas oportunidades. Meu único arrependimento é não ter investido mais. A nossa impressão, hoje, é que a Bolsa já pode ter ido um pouco longe demais, e deve ter um ajuste. Nós tivemos bons lucros e devemos resgatar um pouco desse dinheiro, mas não significa que vamos sair. É só um rebalanceamento, porque nossos investimentos são de longo prazo.

O que sustenta essa aposta de longo prazo para investir no Brasil?

A grande mudança foram as taxas de juros. Claro que se trata de um fenômeno global, mas no Brasil o jogo mudou completamente. Ter juros abaixo de 5% é inacreditável. Outro fator que está mudando o jogo é o câmbio; estão deixando o real enfraquecer e o dólar subir, o que é bom, porque fica uma situação muito mais realista. São duas coisas positivas para o país. O ponto, agora, é que Bolsonaro controle seus excessos e nos traga novas reformas. A reforma da Previdência foi muito boa e terá um impacto fiscal muito importante, mas esse processo tem que continuar.

Como o senhor avalia a velocidade dessas reformas? A tributária e a administrativa andam de forma lenta no Congresso e as privatizações, apesar dos vários anúncios, ainda tiveram pouca coisa concreta.

Para conseguir andar com as privatizações é necessário gerar empregos. O programa de [Donald] Trump, de fortalecer a indústria local, só deu tão certo porque o desemprego caiu, o emprego cresceu, isso abre caminhos. Aumenta a aprovação do governo. Funcionários públicos não querem perder seus empregos – a não ser que haja alternativas. Se há empresas procurando por pessoas para empregar, há uma chance maior para as privatizações e as reformas.

Trump começou seu mandato com altos níveis de rejeição, bem como Bolsonaro. Essa rejeição, mesmo ao lado de aprovação forte em outras alas da sociedade, é um percalço no andamento da agenda política?

Sem dúvidas, para ambos. Os dois não têm boa relação com a imprensa, fazem declarações polêmicas nas redes sociais. No caso de Trump, isso já começa a melhorar. No começo, ele tinha rejeição até entre os republicanos. Com o tempo, ele conquistou os republicanos e, agora, começa a conquistar também uma parte dos democratas.

E o que ele fez para reverter isso?

A economia. Empregos, empregos, empregos. Ao restringir as importações chinesas, ele atraiu investimentos para o país. Ele foi também eliminando regras e regulações. Tem que tornar o caminho mais fácil para fazer negócios, e é isso o que tem que ser feito aqui também. No Brasil, reduzir impostos e a burocracia são essenciais para que os pequenos negócios, principalmente, possam prosperar e gerar empregos.

O governo Bolsonaro critica muito e recebe muita crítica de determinadas alas da sociedade, ligadas a meio ambiente, cultura ou movimentos sociais, por exemplo. Por outro lado, há quem defenda que o importante é que os conflitos não atinjam a agenda econômica e a recuperação da atividade. Qual o senhor considera ser a maneira correta de olhar para essa divisão?

O fato é que nós gostamos das reformas dele, mas sabemos, também, que caso sua popularidade caia, as reformas ficam ameaçadas. Esse é o perigo, e por isso observamos Bolsonaro com atenção. Ele talvez seja muito duro, poderia ser mais amigável. Precisamos que ele seja popular, para que as reformas possam continuar.

O dólar se valorizou muito frente ao real e segue instável. O senhor acredita que o dólar ainda sobe mais, e como isso afeta suas decisões de investir no Brasil?

Acredito que o dólar ainda deve subir um pouco mais, mas depois deve estabilizar. Nós investimos em dólar, antes de converter para reais, então, claro, se o real perde valor, é ruim para nós. A boa notícia é que, se o dólar está subindo, as empresas que exportam se beneficiam muito disso. Para o país como um todo, sabemos que o real está mais fraco, mas os juros, do outro lado, estão muito baixos. Isso faz com que as pessoas tenham mais dinheiro para gastar, e fortalece o consumo, que é o grande setor em que investimos. Uma coisa, então, compensa a outra.

A bolsa de valores brasileira perdeu cerca de 40 bilhões de reais no ano passado retirados por investidores estrangeiros. Este ano também começou com fuga de capitais. O que falta para esse dinheiro voltar?

Os juros caíram muito nos Estados Unidos no ano passado. Na Europa, já são negativos. Um retorno de 4% ou 5%, como os juros do Brasil, ainda é muito bom para essas pessoas. Esse é um fato que deve ser muito favorável para o Brasil e para os países emergentes. A renda fixa deles deve ainda crescer muito. São investidores que não têm mais opção, e estão sedentos por países que paguem retornos maiores, mesmo que com mais riscos. Porque há sempre o medo de um calote; basta olhar para a Argentina.

Um dos pilares da Mobius Capital é ajudar as empresas em que investe na ampliação da chamada agenda ESG, que promove políticas sociais, de sustentabilidade e de boa governança. É uma cobrança que já está mais madura nos mercados europeus. E nos emergentes, como está? O que as empresas desses países ganham ao passar a olhar para esses tipos de políticas?

Muitas das empresas que abordamos já estão bastante atentas para isso. É o caso das Lojas Americanas e Fleury, por exemplo, que estão no nosso portfólio no Brasil. Elas podem perder clientes, podem perder exportações e podem, também, perder investidores, o que faz com que percam valor no mercado. As ações de uma empresa que implemente uma agenda ESG crescem dramaticamente, na ordem de 20% a 30%. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Turkish Airlines, depois de um forte trabalho de governança que fizemos com eles. Colocamos diretores independentes no conselho, melhoramos os serviços nos voos, e isso apareceu ao fim no preço das ações. É uma coisa para que o mundo inteiro está olhando. Com a internet, a difusão da informação é muito rápida; as gerações mais jovens estão muito antenadas a isso e querem mais democracia e mais transparência.

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