Renda Fixa: Sorge acredita que títulos de longo prazo ainda podem ser lucrativos, apesar dos juros baixos (BrianAJackson/Thinkstock)
Estadão Conteúdo
Publicado em 28 de outubro de 2019 às 08h35.
Última atualização em 28 de outubro de 2019 às 10h16.
São Paulo — Ao renovar seu patamar máximo histórico por três vezes, a Bolsa retomou o protagonismo dos investimentos na semana passada, que também ficou marcada pela aprovação final da reforma da Previdência - um dos motivos do otimismo dos gestores. Mas, para o presidente do braço de investimentos do BNP Paribas, Luiz Sorge, o momento ainda é de cautela. Apesar de dizer que o Brasil está no caminho de um "círculo virtuoso na economia", o executivo do banco enxerga riscos internos e externos no horizonte da renda variável e, por isso, evita projeções de curto prazo. "O investidor estrangeiro está em compasso de espera", diz ele, que tem R$ 60 bilhões sob gestão. Como outra prova de moderação, destaca a prudência dos fundos de pensão, que ainda não viraram a chave da renda fixa. "Os institucionais estão com 10% a 20% na Bolsa", destaca. "A renda fixa continuará sendo o porto seguro do investidor."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O Ibovespa renovou níveis recordes. A aprovação da reforma da Previdência abriu alguma porta nova para os investidores?
Sem dúvida, e a tendência é de alta. Mas temos aí dois vetores: o do investidor local e o do global. No ano, a gente teve R$ 31 bilhões de saídas no mercado secundário e R$ 26 bilhões de entradas nos lançamentos, dois IPOs (sigla em inglês para oferta inicial de ações), o que dá um déficit líquido de R$ 5 bilhões. Isso significa que o investidor global está em compasso de espera. Sim, há uma redução na aversão a risco por parte do investidor local. Mas não dá para pensar que, somente com a animação do investidor local, a gente vá puxar de maneira mais consistente a Bolsa.
E como atrair esse investidor estrangeiro?
O Brasil precisa mostrar crescimento sustentável com controle de gastos (públicos). Além das reformas da Previdência e trabalhista, tem de ter um complemento com reformas micro, que já se iniciaram, com a Lei de Liberdade Econômica. Mas mesmo essa lei depende de regulamentações para ser implementada. Estava conversando sobre o Brasil com o pessoal das agências de risco. Para rebaixar ou promover a nota de um país, eles olham se o crescimento é sustentável, se a tendência de gastos do país versus o Produto Interno Bruto (PIB) está favorável. Isso tudo faz entrar em um círculo virtuoso e gera confiança nos investidores. O Brasil está tomando medidas para criar esse círculo virtuoso, mas ainda não começou a rodar, seja por inércia do crescimento, seja pela falta de confiança, seja por aspectos técnicos efetivos. Só o fato de dizer que o Brasil vai economizar R$ 800 bilhões com a reforma da Previdência não significa que vai mesmo economizar ou que o País entrou em uma tendência de queda da relação dívida/PIB.
Quando voltaremos a ver mais fluxo externo na Bolsa?
Infelizmente, o investidor deve voltar com a mesma velocidade do crescimento do Brasil, com uma inércia ainda pesada e olhando no detalhe o que está acontecendo no País. Espero uma volta para o médio prazo. Uma consistência maior em dois a três anos, mas com algum fluxo em 2020. Há dez anos, os fundos internacionais de países emergentes alocavam 16% do capital no Brasil. Hoje essa alocação é de 8%. China era 15%, hoje é 27%. O Brasil também foi ultrapassados pela Coreia do Sul, que hoje recebe 9% dos fundos, e por Taiwan, que tem 10%.
Nesta quarta, o Copom vai definir a taxa básica de juros, a Selic. O mercado espera um corte de 0,5 ponto porcentual. Qual a chance de o BC surpreender o mercado?
Chance sempre tem, mas não acredito. Todos os indicadores sugerem essa queda dos juros. O nível de atividade econômica está baixo, a inflação está baixa, tudo demanda ainda queda de juros, em linha com o que está acontecendo no mundo. Há espaço para queda e nossa visão é que (a Selic) chegue, até o fim do ano, a 4,5%.
Uma Selic a 5% ao ano coloca a caderneta de poupança e boa parte dos investimentos de renda fixa no zero a zero, quando descontada a inflação. O que vai acontecer com a renda fixa?
A renda fixa continuará sendo o porto seguro do investidor, mas talvez com a visão sofisticada, quer seja na poupança ou nos fundos, de um local para os recursos de curto prazo. Para o investidor ter uma rentabilidade destacada, vai ter de pensar em fundos de investimentos e outros elementos em um prazo um pouco mais alargado. Quanto mais novo o investidor e quanto mais de longo prazo for o seu objetivo, maior é o risco que ele vai ter de tomar.
E como ganhar mais na renda fixa?
Na renda fixa, há formas de gerar algum prêmio para o investidor com juros base baixos. As duas mais conhecidas são alongar a carteira (comprar títulos de longo prazo) e ficar mais suscetível a uma oscilação maior do valor dos títulos. Outra é alocar em fundos que investem em crédito corporativo, como as debêntures de empresas, ou as letras, emitidas pelos bancos. Mas é preciso que o investidor saiba no que está investindo, porque crédito tem risco de a empresa não pagar e tem marcação a mercado, o que pode fazer com que o investimento tenha, em um dia ou em um mês, um retorno negativo.
O sr. espera uma forte migração da renda fixa, que hoje é 86,5% dos investimentos locais, para a variável?
Isso vai depender do investidor institucional. Hoje, os fundos de pensão estão alocados em 10% a 20% em renda variável. No mundo, essa média é de 40% a 50% em aplicação em ações. Mas vamos supor que eles cheguem entre 30% e 40%, um aumento de 20 pontos porcentuais. Daí a gente está falando em um fluxo de R$ 200 bilhões só de fundos de pensão. Ou seja, acho que temos dois atores no mercado de ações que ainda não atuaram, o institucional e o internacional.