Daniel Ades é sócio-diretor da Kawa, gestora alternativa de investimentos fundada por brasileiros nos Estados Unidos (Kawa/Divulgação)
Beatriz Quesada
Publicado em 1 de maio de 2021 às 08h00.
Última atualização em 2 de maio de 2021 às 12h21.
Não faz muito tempo, o brasileiro que deixasse seu dinheiro parado na renda fixa veria o capital crescer a uma taxa de dois dígitos, com risco baixo e liquidez diária. Os juros eram tão altos no Brasil que pagavam rendimentos polpudos em aplicações que pouco movimentavam a economia. Com esse cenário, era difícil que surgissem alternativas mais arriscadas que superassem o combo de rentabilidade e segurança oferecido pelos ativos de renda fixa.
Hoje, o contexto é outro. Já se passaram quatro anos desde que o país iniciou sua trajetória de despedida das altas taxas de juros. De lá para cá, o dinheiro que ficava estagnado na renda fixa e até na poupança foi obrigado a se movimentar, e quase três milhões de novos investidores chegaram à bolsa.
A gama de produtos disponíveis para investir, no entanto, ainda está longe de suprir as necessidades do brasileiro. Essa é a opinião de Daniel Ades, sócio-diretor da Kawa, gestora alternativa de investimentos fundada por brasileiros nos Estados Unidos.
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“O mercado de capitais no Brasil é muito pequeno e o de dívida ainda está em estado nascente. É um país muito líquido, com muitas riquezas, mas que não tem produtos diversificados para investir esse dinheiro. O mercado financeiro local ainda não tem estrutura para oferecer o menu de investimentos de que o brasileiro precisa”, afirma.
A Kawa pretende atender esse mercado oferecendo investimentos alternativos no exterior por meio de sociedade com o banco BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME). Em março, o banco e a gestora anunciaram que haviam se tornado sócios após o BTG comprar uma participação minoritária na Kawa.
“O objetivo é aumentar a distribuição dos nossos produtos no Brasil. É trazer para o investidor de varejo aqueles produtos estrangeiros de altíssima qualidade que hoje estão restritos aos institucionais”, diz Ades.
Fundada um ano antes da crise financeira de 2008, a Kawa precisou se adaptar para entregar retorno em um mundo de juros baixos. “O universo de investimentos alternativas cresceu muito nos últimos dez anos pela falta de opções em um cenário mais regulado, que traz mais segurança mas também diminui os rendimentos. A nossa principal meta é oferecer produtos rentáveis que o investidor não consegue acessar sozinho”, explica.
Com 10 bilhões de reais (1,8 bilhões de dólares) sob gestão, a Kawa oferece investimentos principalmente nos segmentos de multimercado, crédito privado e real estate, o mercado imobiliário americano. A maioria dos investimentos é nos Estados Unidos, mas Ades destaca que a abrangência da Kawa é global.
Em entrevista à EXAME Invest, o sócio da gestora falou sobre como enxerga o mercado de investimentos no exterior e detalhou planos de como pretende deixar a diversificação ainda mais acessível para o brasileiro que quer investir fora do país.
Por que o brasileiro deve investir no exterior?
Por muito tempo, o investimento no Brasil pagou juros reais de 5% a 8% ao ano, os maiores juros reais do mundo. Muito dinheiro ficava parado no CDI e, embora isso esteja mudando, ainda deve demorar anos para que todo esse capital migre para outras aplicações. Mas, quando acontecer, o dinheiro precisa ir para algum lugar.
O problema é que o mercado de capitais no Brasil é muito pequeno e o de dívida ainda está em estado nascente. É um país muito líquido, com muitas riquezas, mas que não tem produtos diversificados para investir esse dinheiro. O mercado financeiro local ainda não tem estrutura para oferecer o menu de investimentos DE que o brasileiro precisa. É natural então que parte desse capital seja alocado fora do país.
É uma tendência que deve continuar mesmo com a Selic retomando a trajetória de alta?
O mercado está prevendo que a taxa de juros deve chegar a 6% ao ano até o final de 2021 [atualmente a Selic está em 2,75% ao ano]. Ainda assim, investir no exterior vale a pena porque o retorno acima da taxa base é muito mais alto nos Estados Unidos do que no Brasil.
A proliferação de produtos estrangeiros dentro do Brasil só vai aumentar, porque o que falta no Brasil não é apenas uma questão de retorno, é um menu de investimentos para um perfil de cliente muito líquido, com muito dinheiro para investir.
Quais cuidados o investidor deve ter ao procurar produtos no exterior?
A primeira recomendação é procurar gestores que já atuem no mercado externo, e não aqueles que decidiram montar um produto fora do Brasil. Outro ponto é entender que para todo retorno existe um risco. Percebo às vezes um erro ao pensar que, por ser nos Estados Unidos, o investimento é menos arriscado. Não é assim que funciona, pode ter mais ou menos risco do que um produto no Brasil. É preciso entender no que se está investindo.
Um ponto que é muito diferente aqui nos EUA, por exemplo, é a alavancagem [técnica de multiplicação de rentabilidade através de endividamento]. Os investimentos fora do Brasil possuem, na média, mais alavancagem que os produtos locais, tanto que o mercado de dívida é muito mais desenvolvido. É preciso ter cuidado ao avaliar o investimento, mas é um movimento inevitável: o brasileiro vai buscar cada vez mais opções fora do mercado nacional.
Como a Kawa se encaixa nesse movimento?
O objetivo é aumentar a distribuição dos nossos produtos no Brasil. É trazer para o investidor de varejo aqueles produtos estrangeiros de altíssima qualidade que hoje estão restritos aos institucionais.
Pode dar um exemplo?
Um exemplo são os fundos imobiliários no Brasil, que são investimentos caros e com poucas opções. Queremos trazer a abrangência do mercado americano só que de forma correta. É trazer um produto, mas é difícil fazer isso com qualidade e a um preço acessível para todos os investidores. Estamos estudando criar um BDR de fundos imobiliários e já devemos ter uma solução para apresentar ao mercado nos próximos seis meses.
Quais são as dificuldades em trazer esses produtos para o Brasil?
É preciso que algumas coisas mudem em termos regulatórios. Uma das dificuldades é que o Brasil é um dos poucos grandes países do mundo que não possui um acordo de reciprocidade fiscal com os Estados Unidos. É algo que dificulta a eficiência do processo, porque precisa envolver um terceiro país.
Outra questão é a divisão entre as categorias de investidor profissional [que tem mais de 10 milhões de reais em aplicações] e qualificado [que possui ao menos 1 milhão de reais investido ou que tenha uma certificação atestando a condição]. Muitos bons produtos no exterior são considerados muito arriscados e só podem ser oferecidos para essas duas categorias.
O que complica é taxar um investimento como arriscado simplesmente pelo fato de ser fora do Brasil -- ele pode, inclusive, ser muito mais seguro do que ser um produto brasileiro.
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