Como o pequeno investidor pode apostar no crescimento de startups
Mercado de equity crowdfunding pode ganhar impulso neste ano com o desenvolvimento de ‘bolsa’ que ofereça liquidez às participações nas startups
Guilherme Guilherme
Publicado em 8 de fevereiro de 2022 às 10h30.
Última atualização em 30 de janeiro de 2023 às 14h39.
O investimento em startups de alto crescimento tem sido historicamente restrito a um grupo seleto de investidores com volume elevado de capital ou acesso privilegiado para apostar em novos negócios. Mas esse paradigma começa a ser quebrado com o início da popularização de plataformas de equity crowdfunding, em que pequenos investidores se juntam para financiar o crescimento de uma companhia novata em troca de uma participação no negócio.
Os investimentos por meio de crowdfunding aumentaram 140% em 2021, para 204 milhões de reais. Foram 116 ofertas realizadas, segundo levantamento feito pela plataforma Efund com base em dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). A expectativa da casa é que o volume levantado chegue a 300 milhões de reais neste ano.
A modalidade está em expansão no principal mercado americano, o maior do mundo. O volume captado por plataformas americanas de crowdfunding saltou 40,9% no último ano e totalizou 442,6 milhões de dólares, segundo a Crowdfunding Capital Advisors.
Como funciona
Startups precisam de capital para financiar sua rápida expansão. Não à toa, seus maiores financiadores costumam ser fundos de venture capital com centenas de milhões de dólares em caixa, com recursos que, por sua vez, foram captados junto a grandes investidores.
Ao investidor comum, o de varejo, restava aguardar até que a empresa estivesse consolidada o suficiente para abrir capital na bolsa de valores e então emitir ações a um preço que coubesse no bolso.
O equity crowdfunding, no entanto, permite que pequenos investidores se juntem para acessar o mercado privado. Funciona assim: a startup faz uma oferta pública por meio de uma plataforma, na qual o investidor consegue adquirir uma participação societária do novo negócio unindo seu capital ao de diversos outros interessados.
“Um investidor entra com 2.000 reais, um segundo com 15.000 reais, um terceiro com 50.000 reais e assim por diante. A maior parte dos nossos investidores são pessoas físicas e o tíquete médio desse investimento fica entre 8.000 reais e 10.000 reais por oferta”, afirma Camila Nasser, CEO do Kria, primeira plataforma voltada para investimentos em startups no Brasil.
Retorno, riscos e falta de liquidez
A possibilidade de se tornar sócio de uma companhia ainda em seus estágios iniciais e obter retornos exponenciais com o desenvolvimento do negócio é o principal chamariz desse tipo de investimento. Os lucros podem girar em torno de cinco a dez vezes o valor do aporte no caso de empresas que conseguem se firmar.
O potencial de retorno, porém, é proporcional ao risco de investir em empresas que ainda não atingiram o estágio de maturidade que se vê na bolsa de valores. A recomendação de especialistas é que não se invista mais de 5% do patrimônio nesse tipo de operação. Para mitigar as perdas, as startups costumam passar pelo crivo de analistas e investidores experientes antes de serem disponibilizadas pelas plataformas de crowdfunding.
“Chegamos a conhecer mais de 450 startups e selecionamos apenas seis para lançar rodadas de investimento”, afirma Igor Romero, fundador da plataforma Efund. Modelo de negócios, experiência dos sócios, faturamento e tamanho do mercado estão entre os pontos analisados na hora de escolher as startups que serão abertas para captação.
Outro ponto fundamental é a liquidez, determinante para o resgate do valor investido. Para obter lucro com o investimento, é preciso esperar o que é conhecido no mercado como um “evento de liquidez”. Ou seja, o momento em que o investidor consegue vender sua participação na startup.
As formas mais comuns são quando a empresa é adquirida por outro negócio ou quando alcança o raro estágio de abrir o capital na bolsa. Entre o investimento e um possível retorno, a espera pode chegar a quatro anos.
O que vem pela frente?
O próximo passo para desenvolver o mercado de equity crowdfunding é diminuir o tempo de espera entre o investimento e o retorno. A mudança pode começar a acontecer ainda neste ano, com o desenvolvimento de um mercado secundário de negociação dessas participações societárias, como uma "bolsa de startups".
“Isso permite que o investidor venda a participação sem ter que carregar o investimento até uma fusão ou um IPO [oferta pública inicial de ações]. É algo que vai impulsionar muito o mercado, abrindo as portas para que qualquer um consiga investir em empresas desde sua fundação. É o passo que falta para democratizar o investimento em startups”, defende Nasser, do Kria.
O caminho, porém, será percorrido gradualmente. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estuda a possibilidade de negociações no mercado secundário, mas com viés mais conservador, permitindo que as plataformas possam intermediar transações entre investidores que tenham participado de uma ou mais ofertas do mesmo emissor. Ou seja, investidores que investiram na mesma empresa poderiam negociar suas participações por meio da plataforma.
O assunto foi debatido em audiência pública com o mercado e a divulgação da atualização da norma está programada para 2022.
Estudo de caso: crowdfunding na prática
Uma das seis startups selecionadas pela Efund foi a Otimiza Benefícios, dedicada a reduzir burocracias que envolvem o pagamento de benefícios a funcionários, como vale transporte e refeição.
Anderson Belem, fundador da Otimiza, conta que a ideia surgiu quando ainda trabalhava na RioCard -- o equivalente ao Bilhete Único em São Paulo -- e identificou a dificuldade que funcionários de RH tinham para realizar o pagamento de benefícios. Após anos de desenvolvimento, Belem fundou a Otimiza em 2019, agregando em um só lugar os débitos de diferentes benefícios.
A Otimiza captou 1,2 milhão de reais em sua primeira rodada de investimento, realizada no fim do ano passado por meio da Efund. Do montante total, 75% será destinado a ações de marketing e vendas. “A captação foi extremamente importante. Estamos mirando a expansão territorial e da nossa base de clientes para que nosso crescimento seja realmente exponencial”, afirma.
A possibilidade de a Otimiza ter participação adquirida não só por fundos de venture capital mas também por empresas que queiram internalizar seu modelo de operação foi um dos fatores que levaram à escolha da Efund.
“É difícil prever o tempo que pode levar para isso acontecer, mas a liquidez do ativo é alta. A Otimiza pode ser comprada tanto pela Sodexo quanto pelo Magazine Luiza (MGLU3), pelo Mercado Livre (MELI34) ou pela Coca-Cola, que têm milhares de funcionários. É diferente de uma empresa de biotecnologia, que teria poucos compradores potenciais”, diz Romero.
O objetivo da Efund é manter o investimento por um período limitado, de até três anos. Mas o resgate do investimento poderá ocorrer de forma antecipada mediante eventos predeterminados. Se não houver oferta pela companhia e a empresa elevar seu faturamento em 60%, por exemplo, todos os investidores passarão a ter direito sobre os lucros da Otimiza.