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Guia rápido para entender um fundo long bias

Analisar fundos não é tão trivial quanto parece. Além do cuidado com benchmarks e cobranças, devemos nos preocupar com aspectos qualitativos como a experiência do time de gestão

Análise de fundos de investimento tem mais nuances do que se imagina | Foto: Thinkstock (foto/Thinkstock)

Juliana Machado*

Publicado em 20 de fevereiro de 2022 às 09h00.

A maioria dos investidores que chega ao mercado não imagina que a nomenclatura que o mercado financeiro utiliza para diversos fundos de investimento não está em absolutamente nenhum documento regulatório. Por esse motivo, embora sejam mais intuitivas, essas nomenclaturas acabam confundindo as pessoas quando o assunto é comparar produtos e, principalmente, avaliar qual tipo de tributação e taxas faz sentido para o cotista. É o que acontece em um dos produtos mais comuns e com gestão mais flexível do mercado, os fundos long bias.

O nome pode fazer algumas pessoas torcerem o nariz, mas a verdade é que toda carteira deveria ter esse tipo de produto. Quando bem construído e gerido, ele é descorrelacionado das demais classes de ativos e tem potencial para atravessar todos os cenários com ganho ou, no mínimo, preservação de capital.

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Além de delegar o investimento no mercado para um profissional, o investidor também contará com uma gestão bastante livre para atuar de várias formas e com instrumentos e estratégias que, no limite, o pequeno investidor não consegue acessar. É o melhor dos mundos, só exige conhecer algumas premissas.

Long no mercado financeiro faz alusão a comprar. Bias, por sua vez, quer dizer viés em inglês. Logo, um fundo long bias nada mais é do que o fundo com viés comprado em ações, mas que é livre para operar short (ou seja, vendido) e ganhar com a baixa de um papel, um setor ou um índice de mercado, como o Ibovespa.

É uma gestão menos amarrada do que os fundos long and short tradicionais, que estão sempre atuando nas duas pontas e perdem agilidade, e do que os fundos long only, que se concentram na ponta comprada.

O problema dessa conversa começa quando vamos analisar qual é a nomenclatura que a Anbima, entidade autorreguladora do mercado de capitais, e a CVM dão a esses fundos. Pela CVM, eles são produtos da classe multimercado. Ponto. Já pela Anbima, esses produtos podem estar em algumas caixas entre uma dezena de opções: long and short direcional, ações livre, multimercado livre, multimercado estratégia específica.

Vai depender, no fim do dia, como o produto foi estruturado pela gestora e pelo administrador, mas a verdade é que, do ponto de vista regulatório, long bias não existe.

“Tá, e daí?”, é o que você deve estar se perguntando.

E daí que, a depender da classificação do fundo e do modo como ele é estruturado, a tributação pode mudar. Se um long bias for classificado como um fundo de ações, a tributação é melhor para o cotista. Afinal, estamos falando de uma alíquota única de 15% cobrada somente quando o dinheiro é resgatado.

No entanto, se o long bias for classificado e tributado como um multimercado, o cotista vai pagar uma antecipação do Imposto de Renda antes mesmo de resgatar o produto – é o chamado come-cotas. No longo prazo, esse recolhimento da Receita sobre o lucro do fundo acaba prejudicando o investimento, já que esse montante poderia estar rendendo ao longo dos anos, mas é compulsoriamente retido a cada semestre.

Esse é, sem dúvida, o maior calcanhar de Aquiles da indústria multimercado. Não chega a inviabilizar o investimento no fundo, mas força um acompanhamento minucioso de outras métricas, justamente para que possamos atestar se faz sentido alocar nele.

Quando falamos das métricas a observar nesses produtos, estamos falando sobretudo da taxa de performance, o prêmio que o gestor recebe por fazer um bom trabalho. Um fundo long bias tem, antes de tudo, um risco de ações; logo, pode soar estranho que ele cobre a performance sobre aquilo que o fundo superar o CDI.

Mas pense comigo: se o fundo pode ganhar, no limite, apostando na queda de um mercado ou uma ação, também não é correto remunerar o gestor por superar o Ibovespa ou outro indicador de renda variável. Qual a saída?

Alguns fundos acabam combinando alternativas para, de um lado, serem justos com o formato de remuneração do gestor e, de outro lado, também serem justos com as cobranças e benefícios para o cotista.

Um long bias que recolha a taxa de performance sobre o excedente em relação ao CDI, por exemplo, pode ser tributado como fundo de ações para que o produto seja minimamente alinhado e atraente ao cotista.

Ou, então, o fundo até tem tributação e classificação de multimercados em geral, com come-cotas, mas cobra performance sobre algum indicador associado à variação de preços da economia – o mais comum na indústria de fundos é o IPCA acrescido do excesso de lucro sobre a inflação gerado pelo IMA-B, um indicador da Anbima que mede o retorno médio das NTN-Bs, os títulos atrelados justamente à inflação.

Analisar fundos não é tão trivial quanto parece. Além de todo esse cuidado com benchmarks e cobranças, devemos nos preocupar com vários aspectos qualitativos, como a experiência do time de gestão e a capacidade da gestora de reter talentos.

Mas o importante é que, a cada evolução da indústria, passa-se a oferecer mais produtos para mais pessoas e com mais acessibilidade. Só não dá para esquecer que mais produtos demandam também mais criticismo – e talvez uma peneira maior.

Esse debate continua no último relatório que divulgamos aqui no BTG Pactual a respeito do assunto. Acesse a análise completa no nosso site por meio deste link.

*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na EXAME e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a EXAME Invest quinzenalmente.

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