Anaclaudia Zani: fundadora da EITA (Reprodução)
Redação Exame
Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 15h27.
Última atualização em 4 de dezembro de 2025 às 15h45.
O Brasil vive um paradoxo persistente: embora tenha 547 mil psicólogos registrados, segundo o Concelho Federal de Pscologia, milhões de brasileiros seguem sem qualquer acesso a cuidado emocional. Sessões que custam entre R$ 200 e R$ 2.000 tornam a terapia inviável para grande parte da população.
Ao mesmo tempo, 30% dos trabalhadores relatam sintomas de burnout, de acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho. É nesse vazio estrutural que a neurocientista e psicóloga Anaclaudia Zani, com três décadas de atuação clínica, tenta inserir inteligência artificial como ponte para o bem-estar mental.
Sua criação, a Mentora Virtual, é uma inteligência artificial desenhada para treinar o cérebro a racionalizar emoções por meio de perguntas estruturadas. Não diagnostica, não prescreve, não atua como terapeuta. Cumpre outra função: oferecer suporte emocional imediato, ajudando o usuário a organizar pensamentos e reduzir impulsos em situações cotidianas de ansiedade, conflitos ou sobrecarga.
Desde junho, a ferramenta já trocou 500 mil mensagens com 10 mil brasileiros das classes C e D, em conversas exclusivamente pelo WhatsApp. A gestora da ferramenta, a startup de saúde mental EITA, fundada por Anaclaudia, mostra que 51% das interações tratam de angústia, ansiedade ou sofrimento psicológico.
Questões de relacionamento respondem por 24,6%; carreira, 19,4%; bem-estar, apenas 4,5%. Nenhum caso foi classificado como crise grave, um dado que reforça o diagnóstico da criadora: a maior parte da demanda emocional do país está no campo da organização afetiva cotidiana, não no atendimento clínico especializado.
A experiência é deliberadamente simples. Por R$ 19,90 ao mês, o usuário conversa com a IA por texto ou áudio, inclusive usando a voz da própria Anaclaudia. Um exemplo recorrente citado pela neurocientista: diante de um conflito profissional, a IA evita conselhos diretos e pergunta "O que essa situação diz sobre seus valores?" ou "Que pequena ação você pode fazer amanhã para recuperar seu senso de controle?".
A EITA diz ter trabalhado também nos limites da tecnologia. Para evitar dependência, a plataforma implementou mecanismos que desestimulam o uso excessivo e até restringem o acesso quando há sinais de hiperfrequência. "O risco, no Brasil, seria criar uma muleta emocional involuntária", afirma Anaclaudia.
A startup acaba de captar R$ 1 milhão em rodada angel, que avaliou a empresa em R$ 14 milhões. O investimento será direcionado à expansão da base de usuários, ao desenvolvimento de novas rotinas emocionais e à entrada em escolas, empresas e programas sociais. A meta é alcançar 1 milhão de usuários B2C até o fim de 2026.
As próximas funcionalidades incluem acompanhamento de humor, rotinas de estabilização emocional e indicadores que sugerem quando é hora de procurar atendimento humano. A ambição declarada é ocupar o espaço intermediário entre o silêncio emocional e o consultório, precisamente onde, segundo os dados coletados pela EITA, está a maioria dos brasileiros que sofrem, mas não chegam a pedir ajuda.