Staking será proibido? Descubra o que é este modelo de investimento cripto na mira das autoridades
Imbróglio entre SEC e Kraken gera confusão sobre o conceito de staking entre os investidores. Entenda o caso, saiba como funciona e para que serve o staking e como as incertezas podem afetar o mercado cripto no curto prazo
Redação Exame
Publicado em 25 de fevereiro de 2023 às 10h00.
Por Felippe Percigo*
@felippepercigo
O ano começou agitado para o mercado de criptomoedas e não apenas porque os ativos digitais começaram a subir em meio a um ciclo de baixa. Com os episódios recentes de falências como a da FTX e da Celsius, 2022 deixou um rastro de incerteza como herança para 2023, acompanhado de perto pelos reguladores mundiais, em especial pela SEC, a CVM norte-americana.
O episódio deste mês envolvendo a Kraken e a sua oferta de staking as a service levanta indícios de que teremos uma nova temporada de dores na criptoesfera. É importante que os investidores entendam o caso e observem as movimentações do mercado, para evitar serem arrastados pela avalanche de complicações gerada pela falta de regulamentação do setor.
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SEC x Kraken
A SEC alegou que o staking da Kraken envolvia a criação de "contratos de investimento" e, por isso, ao oferecer o programa aos investidores estaria fazendo uma oferta ilegal de valores mobiliários não registrados, violando leis de valores mobiliários dos EUA.
No último dia 9, a SEC chegou a um acordo de US$ 30 milhões com a Kraken, que foi forçada a encerrar o programa de staking.
Antes de entendermos os pontos levantados pela SEC na acusação de ilegalidade da oferta da Kraken, vamos entender como funciona o staking.
Staking
O staking é um mecanismo essencial para o funcionamento dos blockchains de Proof of Stake (PoS), ou Prova de Participação, como o Ethereum. O método exige que os validadores bloqueiem uma quantidade mínima de 32 ETH para terem a chance de ser selecionados para validar e processar transações. Os contemplados são recompensados por exercer o papel.
Existem diversas formas de se envolver com o staking.
Hoje, a rede Ethereum é a maior do universo PoS, com mais de 517 mil validadores espalhados pelo mundo inteiro. Eles estão divididos entre indivíduos que rodam os softwares necessários de suas casas e fazendas de servidores (infraestrutura) para empresas de staking.
Há ainda companhias que ajudam o usuário a se tornar um validador caso ele não queira encarar toda essa complexidade técnica - mesmo tendo a quantidade mínima exibida de Ether - ou não possua os 32 ETH requeridos para atuar como validador.
Os pools de staking são alternativas populares ofertadas por plataformas DeFi como a Lido para quem não tem recursos suficientes. Neste caso, com frações de Ether, é possível participar do processo, recebendo recompensas proporcionais.
Os participantes do grupo, normalmente, concordam em bloquear seus ativos e não podem usá-los até o vencimento do prazo de staking.
Outra modalidade é o staking líquido. Nela, o usuário trava o seu ether e recebe em troca um token representativo, que pode ser negociado e usado em vários protocolos DeFi.
Por fim, há a via centralizada de fazer staking, que é através de corretoras como a Kraken, a Coinbase e a Binance, por exemplo. Os investidores podem participar de pools em suas plataformas com interfaces bastante amigáveis, facilmente administradas por investidores de varejo mesmo sem muito conhecimento técnico.
Mas por que isso é importante?
Quanto mais trilhas de staking e empresas ofertando o serviço, mais descentralizado será o staking e, consequentemente, a execução da rede. Além disso, facilitar a acessibilidade de mais usuários ao processo, a partir da redução de barreiras de entrada, gera mais valor para a rede.
SEC sobre o serviço de staking da Kraken
A SEC fez uma série de observações sobre as características da oferta de staking da Kraken para respaldar suas acusações de que ela estaria oferecendo valores mobiliários.
Segundo a legislação vigente nos EUA, qualquer produto financeiro que garanta uma expectativa futura de rentabilidade precisa ser regulado. Na visão da SEC, esse seria o caso da corretora.
Em comunicado no site, a SEC divulgou: “Acusamos a Kraken de não registrar a oferta e a venda de seu programa de staking de criptoativos como serviço, por meio do qual os investidores transferem criptoativos para a Kraken para staking em troca de retornos de investimentos anuais anunciados de até 21%”.
Uma das observações feitas pela agência reguladora afirma que a oferta da Kraken prometia recompensas instantâneas e maior liquidez aos usuários de seu serviço, diferentemente do que acontece no processo “normal”, no qual os usuários geralmente são privados do uso de seus ativos enquanto estão em staking.
Segundo a SEC, a empresa também não teria colocado em staking todos os ativos de seus usuários, mantendo uma parcela dos ativos como reservas de liquidez, cuja quantia teria sido determinada exclusivamente pela Kraken.
A SEC também alegou que a Kraken teria divulgado seu programa de staking como mais vantajoso que o staking individual, levando “investidores razoáveis a esperar que a (Kraken) empreenda esforços técnicos, gerenciais e empreendedores significativos e essenciais" para gerar retornos.
Pela regra, quando um programa de staking envolver uma oferta de valores mobiliários, ele deve ser registrado na SEC .
Deixo registrado aqui que, atualmente, nenhuma oferta de programa de staking as a service está registrada na SEC e muitas outras companhias, não apenas a Kraken, oferecem o serviço.
A Kraken
Também precisamos falar da Kraken. Ela é uma das corretoras mais antigas do mercado cripto, foi fundada em 2011 pelo Jesse Powell, um dos pioneiros, respeitado pela comunidade e conhecido defensor do bitcoin.
A Kraken não costuma frequentar o lado ruim do noticiário como está acontecendo agora. Pelo contrário. Powell inclusive foi uma das peças-chave nos esforços de esclarecer o famoso caso da MTGox ocorrido em 2014, quando o roubo de 470 milhões de dólares obrigou a exchange a declarar falência.
Eu acompanho a história da corretora, tive a oportunidade de ser um de seus maiores parceiros no Brasil no passado e também detenho uma participação acionária na empresa. A Kraken sempre se orientou a escolher com muito critério os ativos que oferece aos clientes.
No atual caso do staking, a justificativa da SEC é compreensível, mas precisamos deixar claro que a acusação é direcionada ao programa de staking da Kraken e não ao staking em si. A diferença é gigantesca. A agência americana identificou a oferta da Kraken como valor imobiliário e, como não está registrada, não poderia ser oferecida.
Se o foco fosse o staking em si, sob acusação de ser um valor imobiliário, uma série de criptomoedas deixariam de existir nos Estados Unidos, como o Ethereum. Elas têm o staking nativo, o que é diferente do staking as a service oferecido pela Kraken e outras corretoras.
Sou a favor quando as medidas e leis têm o objetivo de proteger o investidor, para que ele não fique à mercê de agentes mal intencionados do mercado, em especial pessoas que conhecem pouco de seu mecanismo e são atraídas mais facilmente pelas narrativas criadas para vender produtos.
Agora, quando as regras são voltadas a coibir o funcionamento do mercado e, assim, criar barreiras à inovação tecnológica e à melhora dos processos, precisamos ficar de olho. Isso não é bom.
Desdobramentos
Com a retirada da oferta de staking da Kraken, vai-se uma participação de quase 7% do bolo no pool total da Ethereum. Se corretoras como Binance e Coinbase forem obrigadas a fazer o mesmo, serão extraídos mais cerca de 17%.
Em meio a tudo isso, a SEC não levou em consideração algumas limitações técnicas, pois os usuários não podem remover o ether do staking até a atualização de Shanghai, prevista agora para março.
Quando as retiradas forem liberadas, os usuários têm a opção de alocar seus recursos em serviços de staking descentralizados como os da Lido e da Rocket Pool.
Não sabemos ainda se as outras corretoras serão atingidas, mas pode acontecer. Precisamos agora observar o mercado e evitar fazer grandes movimentações neste momento.
Podemos ver impactos no mercado cripto no curto prazo por conta do temor dos investidores frente às incertezas, levando-os a se desfazer de suas criptomoedas. E isso não tem nada a ver com a segurança das criptomoedas em si, que não foi impactada.
O fato é que o mercado cripto está em franca expansão e a entrada cada vez maior de pessoas no setor acende o alerta dos reguladores. Para que as incertezas diminuam e situações como a da Kraken sejam evitadas, as regulamentações são necessárias e urgentes. Caso contrário, o trem pode ficar desgovernado e limitar o progresso da inovação.
*Felippe Percigo é um investidor especializado na área de criptoativos, professor de MBA em Finanças Digitais e educa diariamente, por meio da sua plataforma e redes sociais, mais de 100.000 pessoas a investirem no universo cripto com segurança.
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