Patrocínio:
(Reprodução/Reprodução)
Redação Exame
Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 10h00.
Em 2025, a grande pergunta no mercado brasileiro de cripto era quase existencial: “As licenças de VASP vão sair de verdade ou tudo isso é só um experimento regulatório?”
Havia incerteza jurídica, receio regulatório, dúvidas sobre custo de capital e pouco consenso sobre o lugar das exchanges no sistema financeiro. Encerramos o ano, porém, com um cenário muito diferente. O Banco Central não só confirmou o regime de VASPs como elevou exchanges e infraestrutura de ativos digitais à categoria de infraestrutura crítica, com exigências de governança, capital, cibersegurança e controles de risco muito próximas das de instituições financeiras tradicionais.
Ao mesmo tempo, o mundo lá fora mandou outro recado: o ciclo de Venture Capital em cripto voltou a crescer, e o crescimento mais consistente não foi em meme coins, e sim em infraestrutura e stablecoins. É nesse cruzamento entre Brasil, stablecoins e VASPs que está, na prática, a fronteira do dinheiro em 2026.
2025: o ano em que a fronteira apareceu
Retrospectivamente, 2025 foi o ano em que a fronteira do dinheiro deixou de ser teoria e ficou visível. De um lado, vimos o amadurecimento dos regimes globais (MiCA na Europa, movimentos em Hong Kong, Singapura, Emirados Árabes), bancos tradicionais testando emissões próprias de tokens lastreados em moedas fortes, volumes recordes em stablecoins, rivalizando redes globais de cartão.
De outro, no Brasil, o Banco Central consolidou o enquadramento de VASPs, o mercado começou a precificar o custo real de operar infraestrutura cripto sob supervisão, investidores institucionais passaram a olhar para exchanges e provedores de infraestrutura com a mesma lente com que analisam fintechs reguladas.
Se 2024 ainda era o “pós-inverno” e 2025 foi o ano da dúvida, o período termina com a confirmação de que cripto e stablecoins não voltarão para a margem do sistema. Elas foram puxadas para o centro – com todas as responsabilidades que isso implica. Quando o dinheiro vira software, quem constrói e opera os trilhos de liquidação controla uma fatia relevante do futuro financeiro.
Olhando para 2026, a mudança de eixo fica nítida. Stablecoins saem da categoria de ferramenta de trader e passam a operar como layer 1 monetário da economia digital. Na prática, elas entregam três funções que o sistema financeiro tradicional nunca conseguiu combinar ao mesmo tempo:
1. Meio de pagamento global – transações 24/7, liquidação quase instantânea, custo marginal baixo.
2. Unidade de conta estável para a internet – contratos, serviços digitais, jogos, creators, freelancers e empresas globais precisam de previsibilidade nominal.
3. Infraestrutura programável – dinheiro com API, integrável a softwares, protocolos, agentes autônomos e novos arranjos cambiais.
Se o real, o dólar e o euro são moedas, stablecoins são a camada de transporte, a malha viária por onde esse valor circula cada vez mais. Isso explica por que o Venture Capital em Web3 vem se concentrando em emissores de stablecoins, bancos cripto-nativos, custodiante, camadas de compliance e infra de liquidez. O investidor sofisticado parou de apostar só no preço do ativo e passou a apostar na infraestrutura que torna esses ativos utilizáveis em escala.
Nesse cenário, o movimento do Banco Central brasileiro é mais estratégico do que parece à primeira vista. Ao exigir de uma VASP práticas de cibersegurança compatíveis com instituições financeiras, controles prudenciais e gestão de risco estruturada, políticas rígidas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e governança mínima para gestores e administradores, o regulador está fazendo algo além de “regular cripto”: está institucionalizando o ponto de contato entre a infraestrutura global de stablecoins e a economia doméstica em reais.
Na prática, uma VASP regulada passa a ser a porta de entrada e saída entre real, stablecoins e outros ativos digitais, o tradutor entre regras locais (BCB, Receita, COAF) e uma infraestrutura global sem fronteiras e o guardião da experiência do usuário final, que quer simplicidade, mas precisa de segurança.
VASPs deixam de ser vistas como “corretoras de cripto” para assumir o papel de bancos invisíveis da economia digital, operando na fronteira do dinheiro: nem totalmente dentro da arquitetura bancária tradicional, nem totalmente fora dela.
O Brasil tem três vantagens estruturais para navegar essa fronteira:
1. Um Banco Central tecnicamente sofisticado, com histórico de criar e operar infraestrutura de pagamentos em escala (SPB, Pix).
2. Um arcabouço que optou por integrar ativos digitais, em vez de empurrá-los para um vácuo regulatório.
3. Uma economia real que se beneficia desproporcionalmente de rails globais baratos – exportadores, freelancers, creators, empresas de tecnologia, turismo, remessas, economia de games.
Isso abre espaço para modelos muito concretos em 2026. Trabalhadores remotos recebendo parte da renda em stablecoins; conversão para real via VASPs reguladas, com trilha de compliance clara; pagamento de contas via Pix, sem fricção; empresas usando stablecoins para gerir caixa multi-moeda ou pagar fornecedores globais.
Para o usuário, a experiência pode continuar parecendo um simples “saldo em carteira”. Para quem olha a arquitetura, fica claro que o dinheiro já virou software, e que a linha entre “banco”, “fintech” e “VASP” vai ficando cada vez menos nítida.
Em termos de perspectiva para 2026, a tese central é direta: stablecoins se consolidam como camada monetária funcional da economia digital; VASPs reguladas se afirmam como infra crítica, conectando essa camada ao real; investidores e empreendedores que entenderem essa fronteira cedo vão disputar não só clientes, mas posição em uma nova camada do sistema financeiro.
A fronteira do dinheiro não é mais uma hipótese acadêmica. Ela é o espaço onde o Brasil está neste momento, definindo quais trilhos vão prevalecer, quem poderá operá-los, e como o valor vai circular entre economia tradicional, economia cripto e economia puramente digital.
Quando o dinheiro vira software, quem constrói e opera os trilhos de liquidação passa a controlar uma fatia relevante do futuro financeiro. Em 2025, vimos essa fronteira aparecer. Em 2026, começaremos a descobrir quem realmente está pronto para operar nela.
*Guilherme Bissoli é Managing Partner da coins.xyz Brasil
Siga o Future of Money nas redes sociais: Instagram | X | YouTube | Telegram | Tik Tok