Setor de criptomoedas enfrentou dificuldades internas e externas em 2022 (Chris Ratcliffe/Bloomberg)
É consenso no mercado de criptomoedas que o ano de 2022 não foi positivo, ainda mais após o forte crescimento e valorização de ativos registrado no ano anterior. O setor precisou lidar com uma série de problemas, desde fragilidades internas até um quadro macroeconômico pior que o antecipado que afetou em cheio o segmento.
Com isso, o ano criou a tempestade perfeita para o setor, abrindo margem para uma série de surpresas negativas. Da falência de alguns dos principais projetos do mercado - do blockchain Terra à exchange FTX - até um quadro econômico ruim e problemas atrelados a falhas humanas, os agentes do segmento precisaram lidar com vários percalços.
Mesmo assim, os "sobreviventes" saem fortalecidos, e o próximo ano pode dar início ao processo de recuperação do setor de criptomoedas. Relembre as maiores surpresas negativas em 2022!
Celso Pereira, diretor de Investimentos da Nomad, acredita que uma das maiores surpresas negativas para o setor em 2022 foi a quebra do blockchain Terra em maio, que levou consigo a criptomoeda Luna, a stablecoin UST e os investimentos de milhares de interessados na iniciativa, criada por Do Kwon.
Ele credita a quebra a uma combinação de fatores macroeconômicos com "o fraco nível de controles internos em grandes empresas da indústria de criptomoedas, o que resultou em diversas 'surpresas' que afetaram a confiança dos usuários mundialmente".
Tudo começou quando a forte desvalorização de criptoativos atingiu a Luna. Como a paridade com o dólar da UST estava ligada ao ativo, ela acabou sendo perdida, dando início a uma pressão vendedora fata para o projeto. "O mercado estima que US$60 bilhões desapareceram do mercado de criptomoedas em decorrência desse evento. O colapso da Luna alastrou-se pelo mercado cripto e levou à derrocada de grandes empresas", lembra Pereira.
Uma das empresas mais afetadas pela quebra do Terra foi a Celsius, uma plataforma de investimentos em criptoativos. Para Lucas Josa, analista do BTG Pactual, a falência da empresa ocorreu não só devido à Terra, mas também por uma "má gestão financeira": "antes mesmo do crash da LUNA/UST, a Celsius já demonstrava um possível problema de insolvência ao limitar a entrada de novos investimentos em sua parte de 'renda passiva' em cripto, chamada de Earn".
"A Celsius oferecia recompensas altas demais para o staking de stablecoins, com taxas completamente fora da realidade, que só poderiam ser factíveis caso houvesse algo acontecendo nos bastidores e, infelizmente, realmente estava. A Celsius usou de forma irresponsável o dinheiro dos clientes para se alavancar em DeFi, tomando empréstimos em plataformas descentralizadas para impulsionar o rendimento das operações e maximizar seus ganhos", explica o analista.
Os sinais até o momento são de que a empresa trocava fundos dos clientes por UST, mas, a partir do momento em que a stablecoin do Terra perdeu a paridade com o dólar, "tudo isso foi pro espaço". "Além disso, a quebra do protocolo Terra também impulsionou uma queda enorme nos preços de todo o mercado cripto, o que fez com que o valor das garantias dos empréstimos feitos pela Celsius em DeFi diminuíssem, pressionando ainda mais a situação da companhia, que não teve outra alternativa a não ser declarar falência", lembra Josa.
Poucos meses depois, em novembro, o mercado de criptomoedas foi pego novamente de surpresas com outra falência, a da FTX. Até então a segunda maior corretora de criptoativos do mundo, a empresa enfrentou uma crise de liquidez após perder a confiança dos seus clientes em meio a revelações de mal uso de fundos depositados por eles.
"A derrocada de um grande player é sempre ruim para qualquer setor da economia, mas em um mercado em construção, como o mercado cripto, no qual o conceito é de comunidade, este tipo de abalo ganha uma dimensão sistêmica", ressalta Henrique Teixeira, head global de Novos Negócios da Ripio.
"O abalo foi muito além do financeiro, já que prejudica a confiança do consumidor nesta nova classe de ativos, que é algo que grandes players vêm construindo há quase uma década", observa Teixeira. Ele destaca ainda que "a crise da FTX mostrou que não basta defender regulação da boca para fora, é preciso ter mecanismos sérios de compliance".
Por outro lado, talvez essas surpresas negativas não tivessem ocorrido, ou teriam sido postergadas, se não fosse o quadro econômico internacional com o qual o setor teve que lidar em 2022. Marcado pelos ciclos de altas de juros nas grandes economias do Ocidente, em especial nos Estados Unidos, deu-se início a um fluxo de retirada de investimentos em ativos considerados arriscados, o que incluiu as criptomoedas.
João Marco Cunha, gestor da Hashdex, afirma que "a principal surpresa negativa de 2022 foi a severidade da crise pela qual o mercado de criptoativos está passando. Essa crise resultou da sobreposição de choque negativos do lado macroeconômico, causados, principalmente, pela aceleração da inflação nos países desenvolvidos".
Houve, então, uma onda de "eventos adversos internos ao ecossistema cripto, que revelaram o quão graves eram os problemas de gestão de empresas do setor que, por vezes, iam além dos limites da lei".
Já Patrick Duarte Silveira, gerente de estratégia e operações da Bybit Brasil, avalia que todas as crises no setor de criptomoedas mostraram que "o ecossistema cripto, apesar de promissor, ainda é muito novo, e novas tecnologias ainda precisam grandes testes para crescerem com segurança. Precisam ser estressadas e levadas ao limite".
"Nesse processo de evolução, algumas poucas ideias irão sobreviver e isso tende a fortalecer o ecossistema. Infelizmente esse é um processo doloroso e é importante a gente aprender a testar essas ideias sem colocar em risco os investimentos de milhares de pessoas", observa.
Há, ainda, o que ele acredita ser um "fator humano" que foi evidenciado com as quebras de grandes projetos, e que "ainda é um dos maiores riscos para a indústria": "Empresas como a 3AC, FTX e Alameda tiveram uma gestão irresponsável dos fundos dos clientes e com os seus ativos financeiros, gerando um efeito em cadeia que impactou o preço das criptomoedas e com um efeito devastador para milhares de investidores".
"O aprendizado aqui é que o ethos cripto de descentralização e de gestão descentralizada das suas moedas é importante, tanto que muitos protocolos descentralizados sobreviveram bem ao ano conturbado", diz o gerente, ressaltando que essa área deve crescer em 2023.
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