Marco Legal das Criptomoedas entra em vigor em 20 de junho (Blackdovfx/Getty Images)
Repórter do Future of Money
Publicado em 14 de junho de 2023 às 15h21.
Última atualização em 20 de junho de 2023 às 10h24.
O governo federal publicou um decreto nesta quarta-feira, 14, que definiu o Banco Central como o órgão responsável por regulamentar as empresas de criptomoedas no Brasil. Na prática, isso significa que a autarquia vai supervisionar a atuação de prestadoras de serviços que trabalham com ativos digitais, criando regras para o seu funcionamento e orientada a partir do Marco Legal das Criptomoedas.
O marco entra em vigor no dia 20 de junho, especialistas afirmam à EXAME que ainda haverá um tempo maior até que a maior parte de suas determinações sejam efetivamente implementadas pelas empresas. Essa diferença ocorrerá porque é apenas com a publicação do decreto que começa a chamada etapa de regulamentação infralegal.
Nela, o Banco Central vai estabelecer uma série de normas e regras específicas a partir das determinações gerais do Marco Legal das Criptomoedas, cujo objetivo principal é combater crimes que usem esses ativos e também aumentar as obrigações que as empresas do segmento precisam cumprir no Brasil. Agora, caberá à autarquia definir especificamente esses elementos.
Mirella Andreola, advogada sócia das áreas de Societário, Contratos e Inovação do Machado Associados, destaca que a escolha do Banco Central como regulador já era esperada pelo mercado, já que a autarquia "possui vasta experiência e competência na fiscalização de empresas do setor financeiro e outras equiparadas a estas, e até mesmo indica o reconhecimento de semelhanças entre o mercado financeiro e o de ativos virtuais".
Agora, ela espera que o Banco Central prepare uma minuta da norma com as regras para as empresas de criptomoedas, submetendo-a a uma consulta pública, em um processo semelhante à regulamentação de outras áreas. "Assim, é importante que todos os interessados, especialmente as empresas que serão objeto da regulamentação, fiquem atentos às publicações do BC para que possam participar da consulta pública, se houver", destaca.
"Segundo o Marco Legal dos Criptoativos, a regulamentação do BC deverá conferir um prazo de, pelo menos, seis meses para adequação das prestadoras de serviços virtuais, mas pode ser que tal prazo seja majorado pelo órgão regulador, a depender da complexidade dos requisitos para obtenção da autorização de funcionamento", diz a advogada.
Outro ponto de atenção é se o Banco Central encontrará o respaldo jurídico para exigir a segregação patrimonial entre os fundos de clientes e os da empresa. A medida ficou de fora do Marco Legal das Criptomoedas e ainda não está claro se o BC pode publicar uma norma sobre o tema ou se será necessário a aprovação de um projeto de lei específico.
Na visão de Andreola, "para que o desenvolvimento do setor não seja desincentivado, é importante que a regulamentação do BC não seja demasiadamente difícil de ser cumprida, evitando-se seguir o exemplo do que ocorreu no estado de Nova York, onde até hoje poucas licenças foram expedidas. Talvez a possível colaboração através de audiência pública possa afastar esse risco".
Já Renata Cardoso, advogada sócia da prática de Bancário, Operações e Serviços Financeiros do Lefosse, também espera que o Banco Central realize uma consulta pública sobre as regras futuras para o setor, mesmo não havendo uma obrigatoriedade nesse sentido.
"As informações mais atualizadas indicam que o Banco Central já tem uma proposta de regulamentação, pronta para ser submetida à consulta pública. Essa proposta é resultado de um trabalho em equipe realizado nos últimos meses, com a participação do setor e de reguladores no mundo. Nesse cenário, será facultado ao público em geral encaminhar sugestões e manifestações, antes da tomada de decisões e da implementação de medidas regulatórias pelo Banco Central", explica.
Ela observa que alguns assuntos devem ser tema de discussão mais ampla nesse processo, em especial a segregação patrimonial: "Essa obrigação é importante especialmente num cenário de insolvência da corretora, uma vez que a manutenção dos ativos de forma apartada em nome do cliente possibilita que este saque seus investimentos mesmo diante da quebra desse intermediário. Esse é um princípio que já norteia as corretoras de ativos financeiros no Brasil e no resto do mundo, mas ainda não se vê aplicado no mercado de criptoativos".
"A proposta de regulamentação também deve abordar o processo de obtenção de autorização de funcionamento dos prestadores de serviços de ativos virtuais, o que provavelmente virá alinhado com os processos já existentes para as demais entidades reguladas e sob supervisão do Banco Central. Isso significa que haverá necessidade de evidenciar os controladores finais dessas entidades, sua capacidade econômica e expertise no setor e origem dos recursos aplicados no empreendimento", complementa Cardoso.
Sócio do VBSO Advogados, Henrique Lisboa destaca que o Banco Central "vai começar a estudar e ao longo dos próximos meses, deve editar regulamentações infralegais para dar mais corpo ao texto da lei do marco das prestadores de serviço de ativos digitais, tanto do ponto de vista de cadastramento, registro desse prestador de serviço perante o BC, de cumprimento de obrigações periódicas".
Um ponto destacado pelos especialistas é que o novo decreto deixa claro as diferentes áreas de regulamentação do Banco Central e da CVM. Enquanto o primeiro focará nas empresas de criptomoedas, a segunda criará as regras e supervisionará as ofertas de criptoativos quando eles forem considerados valores mobiliários. Após a publicação do decreto, a CVM informou que já trabalha na criação de uma regulação específica para o setor.
Tomás Amadeo, responsável pelas áreas de Direito Societário, Contratual e M&A do Chamon, Serrano e Amorim Advogados (CSA Advogados), avalia que "com a competência agora definida, espera-se maior segurança ao mercado de ativos digitais, coibindo atividades ilícitas e protegendo também o consumidor. É fundamental a manutenção das competências da CVM e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor trazida pelo decreto para proteção de ofertas públicas e contratos coletivos de criptoativos, para prevenção e repressão a crimes relacionados aos ativos virtuais”.
"Na prática, o Banco Central passará a ser informado sobre qualquer irregularidade no mercado de criptoativos, já que caberá ao órgão regular, autorizar e supervisionar o setor. Também será papel da autarquia disciplinar o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais, além de supervisioná-las", pontua.
Yuri Nabeshima, head de Inovação do VBD Advogados, avalia que o decreto "vem em boa hora", estabelecendo em definitivo as competências regulatórias de cada órgão e ajudando a acelerar a regulamentação do mercado de criptoativos e dando mais segurança jurídica tanto aos investidores quanto às empresas do segmento, "a fim de permitir um desenvolvimento sustentável e seguro da criptoeconomia".
Nicole Dyskant, advogada especialista em regulação e compliance para ativos digitais, afirma que o momento da publicação do decreto é "bastante oportuno": "primeiro porque não atrasa o cronograma da lei, segundo porque é compatível com um cenário internacional de que outras jurisdições estão afugentando empresas, enquanto aqui estamos caminhando pra frente com uma postura pró-ativa dos reguladores. O Brasil é uma jurisdição atrativa para o ecodesenvolvimento de negócios com criptoativos".
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