Caso Kim Kardashian: as regras no Brasil e nos EUA para influenciadores que divulgam criptomoedas
Especialistas destacam que, mesmo sem regulação específica, instituições têm aplicado punições para declarações ilegais
João Pedro Malar
Publicado em 5 de outubro de 2022 às 18h15.
Última atualização em 6 de outubro de 2022 às 09h21.
A influenciadora e empresária Kim Kardashian firmou na segunda-feira, 3, um acordo com a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) para pagar uma multa de US$ 1,26 milhão (R$ 6,53 milhões, na cotação atual) após ser investigada por promover um criptoativo em suas redes sociais.
O caso representou mais um exemplo de ações das agências reguladoras em torno dos ativos digitais, em um trabalho limitado pela ausência de regulações específicas para o setor na maioria dos países.
Jonathan Mazon, sócio do escritório brasileiro Junqueira Ie Advogados, observa que a CVM incluiu a atuação de influenciadores digitais na divulgação de ativos como um todo na sua agenda regulatória de 2022. De acordo com o especialista, isso significa que, ao longo do ano, o regulador interage com o mercado para “encontrar a melhor forma de regular essa atividade”.
Enquanto essa regulação ainda não existe, a agência já possui um convênio com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais ( Anbima ) para monitorar atividades de influenciadores voltados exclusivamente ao mercado financeiro.
“A CVM sempre regula atividade de recomendação de investimento porque é privativa para analistas de investimentos e pessoas autorizadas e qualificadas perante a CVM para atuar”, explicou Mazon.
Atualmente, não há um delimitador do que um influenciador pode ou não fazer ou falar em relação às criptomoedas, segundo Tiago Feitosa, professor consultor de valores mobiliários da T2 Educação.
O que o regulador brasileiro busca fazer por enquanto é criar “diretrizes para enquadrar criptomoedas em um cenário parecido com o que faz com valores mobiliários”. As diretrizes, porém, têm valor de recomendação, não regra.
“Para que pudesse criar regulação, precisaria de amparo legal”, ressalta Feitosa. O mais provável, avalia, é que esse respaldo venha por meio do projeto de lei de regulação de criptomoedas que aguarda análise na Câmara dos Deputados.
Ao mesmo tempo, a CVM “tenta enquadrar profissionais que são regulados para que, ao falar de cripto, sigam as mesmas regras que precisam seguir ao falar de valores mobiliários. Por serem cadastrados na CVM, dá para acompanhar melhor”.
Já na ausência desse vínculo, em um caso como o de Kardashian, a CVM não tem amparo legal para agir, optando por divulgar para o público que uma empresa ou profissional “está fazendo oferta de criptomoeda, mas sim processos de pirâmide financeira, é um alerta”.
No caso dos Estados Unidos, a SEC declarou em 2017 que enquadrava ofertas de criptoativos nos mesmos moldes das ofertas de valores mobiliários. A medida deu margem para ações como da multa para a influenciadora.
“Segundo a SEC, ela fez uma oferta de criptomoedas sem seguir diretrizes para quando faz oferta de valores mobiliários. Então enquadrou a oferta de cripto igual a de valores, porque a SEC também não tem arcabouço legal também para regular criptoativos” explica.
Assim como no Brasil, Feitosa espera que a SEC trabalhe com o Congresso norte-americano para aprovar um projeto de lei que forneça o arcabouço necessário para regular e punir as práticas de influenciadores.
Lições do caso Kardashian
Mazon ressalta que o problema do caso envolvendo Kim Kardashian não foi a promoção do investimento no criptoativo, mas sim que isso foi feito sem informar os seus mais de 330 milhões de seguidores que ela estava sendo paga pela empresa responsável pelo ativo.
“A partir do momento em que a pessoa é paga para divulgar qualquer investimento, inclusive uma criptomoeda, isso não necessariamente corresponde a um endosso dessa pessoa com relação à qualidade do investimento, mas sim o potencial que ela tem de comunicar esse investimento para seus seguidores”, afirma o advogado.
O caso, avalia, mostra a seriedade com que o tema vem sendo tratado tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo, e mostra também que regulações envolvendo influenciadores precisam ser “abrangentes o suficiente” para incluir influenciadores que não falem apenas do mercado financeiro.
O ideal é que o influenciador informe o público sobre “o incentivo que está recebendo para divulgar, para que todos possam ver se há eventual conflito de interesse”.
Na visão de Feitosa, o caso mostra a necessidade da CVM e outros reguladores atuarem mais próximos aos influenciadores e aos educadores financeiros para “de alguma forma filtrar recomendações dadas por influenciadores, em especial os que não são do mercado financeiro”.
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“Essa multa imposta à Kardashian pela SEC vai ao encontro do momento em que os órgãos reguladores do mundo estão se esforçando para diminuir o risco de informação propagada através das redes sociais por grandes influenciadores”, observa.
Ele pontua que muitas vezes os influenciadores de fora do mercado financeiro possuem uma audiência muito diversa, com pessoas sem conhecimento suficiente sobre a área para tomar uma decisão ou com uma situação financeira adequada com investimentos como criptomoedas.
Para ele, o caso da influenciadora, e a multa aplicada, pode “servir inclusive de exemplo para que órgãos reguladores do Brasil atuem com mais afinco com esse tipo de divulgação”.
“Não é que ninguém mais deveria dar essas recomendações, mas sim que os bons profissionais, bons influenciadores, precisam ser mais criteriosos na divulgação com esse tipo de informação e deixar muito claro para a audiência do que se trata”, defende.
Essa necessidade “não deve limitá-lo a fazer publicidade, falar de produtos, mas deve trazer responsabilidade e transparência”.
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