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Champions League 23/24: grupo da morte é um tutorial sobre teses de investimento no futebol

Segundo Marco Sirangelo, head de projetos da consultoria esportiva OutField Strategies, não somente sob o aspecto técnico, os clubes deste grupo são ótimos representantes em investimento

Champions: entrarão em campo pelo grupo F da Champions, um clube inglês e outro francês cujos donos são fundos soberanos de países (Captura de tela/Reprodução)
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 19 de setembro de 2023 às 04h00.

Última atualização em 19 de setembro de 2023 às 12h47.

A temporada que está para iniciar na UEFA Champions League será a última com o formato clássico, por assim dizer, de 32 clubes divididos em 8 grupos de 4. A partir da próxima temporada (pelo menos enquanto a Uefa não muda de ideia), uma cara diferente tomará conta da Champions e em breve seremos impactados por muitos vídeos tutoriais sobre o novo “Modelo Suíço” e como ele funciona.

Não é muito difícil de entender, ainda mais para quem está acostumado com os campeonatos estaduais do Brasil, mas é uma forma encontrada para encaixar mais quatro times no torneio, além de colocar mais jogos grandes na primeira fase.

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Na despedida da fórmula clássica, o sorteio de grupos entregou, como sempre, um grupo da morte. Neste caso é o F, formado por PSG, Newcastle, Milan e Dortmund. Não somente sob o aspecto técnico, os clubes deste grupo são ótimos representantes de diferentes teses de investimento relacionadas à grande revolução que estamos presenciando no que diz respeito à injeção de investimentos no futebol mundial.

Fundos soberanos (sportswashing)

O PSG e o Newcastle são, juntos com o Manchester City, os principais casos de sportswashing no futebol mundial. Fundos soberanos de países do Oriente Médio, representados neste caso por Catar (PSG) e Arábia Saudita (Newcastle), compraram os dois clubes e despejam dinheiro para torná-los símbolos de sucesso no esporte e, assim, valorizar a imagem de seus donos. Mas é possível dizer que ao menos em termos de projeto de futebol, a estratégia adotada é distinta.

O PSG conseguiu ocupar o espaço dos antigos Galácticos do Real Madrid do início do século – muita pompa, muitos astros e muito insucesso esportivo até o momento. É um clube esportivamente complicado e que busca obsessivamente ganhar a Champions, sem entender que para isso é necessário tempo e um projeto esportivo organizado.

Tem em Mbappé seu principal nome, mas dependendo dos caprichos do craque que mais parece interessado em contar os dias para chegar de graça ao Real Madrid no ano que vem. Neymar e Messi saíram pela porta dos fundos e o clube passa uma imagem bem antipática, apesar de fora de campo ter construído uma marca globalmente relevante, apoiada em jogadores de awareness mundial que por lá passaram na última década, desde David Beckham e Ibrahimovic, até Buffon e Sergio Ramos.

Já o Newcastle surpreendeu ao ir contra a maré dos clubes ultra ricos e apostar, veja só, em um projeto esportivo mais coerente. Ao invés de despejar dinheiro em super craques, o clube mesclou atletas com experiência na Premier League com alguns jovens talentos, além de um treinador de pouca grife, mas que faz um trabalho correto. Bruno Guimarães, Tonali, Isak e Botman são nomes que fogem do óbvio e a conquista na vaga para a atual Champions, algo que o Liverpool, por exemplo, não conseguiu, dão indícios de que o projeto é promissor. O clube conta com uma das principais torcidas da Inglaterra e a relação com seus fãs hoje é bastante boa, muito por conta do trauma que o antigo dono Mike Ashley deixou ao demonstrar pouca ambição – justamente o contrário do que se vê hoje.

Saindo do fantástico mundo da conta bancária sem fim, o Milan é exemplo de como um clube precisa escolher bem seus investidores. Uma das mais pesadas camisas da história do futebol, se viu em apuros após a fortuna de Silvio Berlusconi secar por volta de 2010. Em 2016, Berlusconi pareceu não se importar muito para quem ele estava vendendo, e acertou com o grupo chinês Sino-Europe Sports Investment Management. Naquele momento, a China vivia seu breve auge futebolístico (parecido com o que vemos hoje na liga da Arábia Saudita), mas como algumas notícias da época cansaram de mostrar, a empresa praticamente não existia. O negócio só saiu por conta da garantia dada pelo fundo americano Elliot, que gosta de ativos estressados e operações de alto risco.

Em suma, os chineses sumiram, não tinham dinheiro, e o clube caiu nas mãos do Elliot em 2018. E enquanto tudo isso acontecia, o time de futebol era apenas um coadjuvante na Itália, muito longe do prestígio do clube. Sob a gestão do Elliot, o Milan começou a arrumar a casa, teve altos e baixos até normais para uma operação tão complexa, mas conseguiu se estruturar até voltar a ser um clube sustentável.

No entanto, com um projeto esportivo também competente, conseguiu bons desempenhos dentro de campo e voltou a ser campeão italiano em 2022, mesmo ano em que foi vendido para o também fundo americano RedBird, esse sim um investidor sério e com participação em diferentes organizações esportivas, como o Fenway Sports Group (dono de Liverpool e Boston Red Socks) e o Toulouse da França. Na temporada 2023 veio ainda a semifinal da Champions contra o arquirival para provar que Milão voltou, de fato, a ser protagonista no futebol.

Não importa quantos títulos ele já conquistou e quão grande é um clube. Se cair nas mãos erradas ele vai se dar muito mal. E é justamente por isso que o Dortmund representa a resistência total a qualquer movimento de compra majoritária. O futebol alemão como um todo se resguarda com a regra do 50% + 1, estando aberto apenas a investidores minoritários e com a associação sempre em controle dos clubes (salvo algumas exceções).

No caso específico do Dortmund, existe uma certa complexidade na organização do clube, sendo ele uma espécie de holding que seleciona outra empresa específica responsável pela gestão do time de futebol. Essa holding possui investimentos minoritários (não superiores a 9%) de empresas como a Puma, a Evonik e a Signal Iduna, além de outros dois empresários alemães (Bernd Geske e Ralph Dommermuth). Os sócios do clube controlam uma porcentagem (em torno de 5%) e os 67% restantes são listados em bolsa – e aqui vale dizer que muitos torcedores do clube são donos de ações e sem nenhum interesse em vendê-las.

Já a gestão do futebol é feita por uma empresa cujos únicos donos são os sócios do clube. Ou seja, a associação é dona integral da gestão do futebol e possui participação na holding, enquanto a maior parte das ações da holding estão nas mãos de torcedores, muitos deles organizados juntos à associação. É possível dizer que o clube está totalmente resguardado para o caso de algum investidor majoritário comprar o clube, e a resistência de seus torcedores é tamanha que me arrisco a dizer que isso nunca vai mudar.

Em resumo, entrarão em campo pelo grupo F da Champions, um clube inglês e outro francês cujos donos são fundos soberanos de países árabes com muito dinheiro, um gigante italiano que nos últimos 8 anos teve 4 donos diferentes, sendo um italiano, um chinês e dois norte-americanos, e um clube alemão que é controlado por seus associados e tem muitos torcedores como acionistas. Sinal dos tempos e de que no futebol, cada vez mais, tem muita coisa em jogo.

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