Postura do Flamengo mostra como futebol brasileiro está atrasado
Especialista afirma que os clubes estão desalinhados com o que há de mais moderno na gestão corporativa
Lucas Amorim
Publicado em 26 de setembro de 2020 às 09h23.
Última atualização em 28 de setembro de 2020 às 09h17.
Campeão brasileiro e da Libertadores e dono da maior torcida do Brasil, o Flamengo domina o noticiário nos últimos dias por episódios menos abonadores. O clube que mais pressionou pela volta do futebol nas primeiras semanas da pandemia do novo coronavírus se vê agora às voltas com um surto em seu elenco -- e com uma crise de imagem .
Mais de vinte jogadores e funcionários voltaram de uma viagem ao Equador contaminados, o que colocou em dúvida a realização de um jogo com o Palmeiras afinal realizado neste domingo pelo Campeonato Brasileiro. A partida, que terminou empatada, recebeu uma enxurrada de críticas nas redes sociais.
Antes disso, durante o voo de volta do Equador, uma foto do elenco, sem máscaras, gerou críticas nas redes sociais. O presidente do clube, Rodolfo Landim, primeiro afirmou que ele mesmo tira a máscara para tirar foto enquanto "prende a respiração". Depois, demitiu o funcionário que tirou a foto.
Landim é ex-executivo da indústria do petróleo e faz parte do grupo de dirigentes que tirou o Flamengo da lona financeira. Com práticas de boa gestão corporativa, derrubaram a dívida do clube e transformaram o Flamengo no primeiro time com receitas bilionárias no futebol brasileiro. De quebra, ganharam todos os títulos possíveis dentro de campo.
O problema, segundo Amir Somoggi, sócio da consultoria esportiva SportsValue, é que os episódios recentes mostram que o clube com a gestão mais azeitada do Brasil está desconectado do mundo. "O futebol brasileiro está desalinhado com o que de mais moderno acontece no mundo corporativo. Um clube europeu ou uma franquia americana já perceberam que não dá mais para apenas ter equilíbrio financeiro. É preciso ter responsabilidade corporativa, olhar para os objetivos sustentáveis da ONU. Ajudar o próximo, ser respeitoso com o adversário. E não pressionar a sociedade para o lado errado", afirma.
Amir defende que os clubes adotem o que um grupo crescente de empresas vêm abrançando, as práticas ESG (ambiental, social e governança, em inglês). É uma forma de ver o negócio para além do lucro, mirando o impacto na sociedade.
"O que acontece hoje é que os clubes brasileiros estão orientados para o que há de mais arcaico. Nos últimos seis, sete meses não fizeram transformação digital, nem produziram novos conteúdos na mídia. Só o que queriam era a volta do futebol, e agora querem a volta do público aos estádios", diz.
"Como vamos retomar a volta do público aos estádios com essa taxa de mortos pela pandemia que o Brasil ainda tem? Na Alemanha e na Polônia, onde o público começou a voltar, a taxa de mortes é muito menor do que no Brasil. O futebol brasileiro não liga para as boas práticas".
A postura do Flamengo, segundo o consultor, denota ainda um outro grande problema do futebol nacional. Falta aos clubes uma organização coletiva para valorizar o campeonato, como nas grandes ligas americanas. Por aqui, clubes de maior torcida pressionam por contratos melhores na televisão e deixam os outros à deriva, enfraquecendo a competição.
"O futebol não merece nenhuma benesse, achar que pode fazer o que bem entende, com respaldo dos torcedores, que têm para o futebol uma régua diferente da que muitas vezes usam para outras frentes", diz. "O jovem hoje está afastado dos clubes, assim como os patrocinadores. O consumidor é cada vez mais exigente e não vai mais aceitar esse tipo de postura dos clubes, a falta de visão social e ambiental".