Ocupar espaços para fortalecer a identidade: a luta dos povos indígenas, segundo Samela Sateré Mawé
No Dia Internacional dos Povos Indígenas, a ativista e comunicadora Samela Sateré Mawé aborda as vivências, desafios e formas como os povos originários buscam espaços de poder, inclusão e construção das próprias narrativas
Marina Filippe
Publicado em 9 de agosto de 2022 às 07h00.
Última atualização em 9 de agosto de 2022 às 13h31.
Nesta terça-feira, 9, é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas, que busca dar foco na importância e diversidade das culturas dos povos originários. Em busca de visibilidade positiva, melhores políticas públicas e o domínio das narrativas sobre si mesmos, jovens indígenas passam a ocupar importantes espaços de decisão e as redes sociais. Um exemplo é a Samela Sateré Mawé, indígena do povo Sateré Mawé, ativista pelo meio-ambiente e membro da organização Fridays for Future.
Ela, que também é comunicadora no Canal Reload, aborda os desafios dos indígenas no Brasil atual para a população leiga. "Ter a nossa narrativa não permite que os outros neguem a nossa identidade", Samela Sateré Mawé à EXAME. Veja a entrevista completa:
Como você leva a causa ambiental para além dos territórios indígenas?
Sou ativista ambiental, estudante de biologia e indígena do povo Sateré Mawé. A causa ambiental e indígena não se dissocia porque os povos sempre estiveram na luta pelo nosso território, onde mais se tem a preservação da biodiversidade. Assim, quando a gente fala de protagonismo indígena é sobre estar no centro dos debates sobre justiça climática, justiça ambiental, território e a Amazônia, por exemplo.
Tenho ocupado espaços na COP26, Estolcomo +50 e, em novembro deste ano será na COP27. Isto é importante porque precisamos decolozinar o sistema e falar das mudanças climáticas junto a salvação dos povos.
Como os povos indígenas tem ocupado mais os espaços de decisão?
Somos preocupados com questões que ferem o nosso território. Então, na COP26, por exemplo, houve a presença de 40 lideranças indígenas, um grande número para uma primeira vez num lugar como este.
Não estávamos nos espaços de tomada de decisão das plenárias, mas estávamos conversando com embaixadores de países e grandes líderes globais. Trabalhamos para que nossas demandas sejam ouvidas e medidas efetivas criadas.
As pessoas acham que nós, povos indígenas, estamos nas aldeias sem saber o que está acontecendo. Mas vivemos diretamente as mudanças climáticas e outros problemas que as pessoas causam em nossos territórios, enquanto muitos dos líderes que estão nos espaços de decisão nunca pisaram na Amazônia ou em outros biomas ocupados por povos originários.
Como as mudanças climáticas afetam os povos originários?
As pessoas não sabem o que é depender do rio ou da floresta para comer. Elas vão ao supermercado e compram o alimento sem se preocupar. Mas, com as mudanças climáticas ficamos sem ter o que comer, os rios ficam infectados, os peixes morrem. Vamos ter que comer industrializados? Isto é também uma questão social.
Como as políticas públicas impactam os povos?
De modo geral, os povos indígenas não estão na agenda das políticas públicas. Nas eleições deste ano, contudo, na Bancada do Cocar são previstas 38 candidaturas de pessoas indígenas, sendo 22 mulheres. Precisamos aldear a política e promover conversas relevantes nos espaços de tomada de decisão.
Você participará em novembro de um evento* sobre felicidade e saúde. Como esses temas tem impactado os povos?
Quando penso em bem-estar e saúde posso falar tanto da questão física, visto que a pandemia da covid-19 é um desastre muito grande, além do massacre de parentes em lutas por território, assim como a questão da saúde mental, que fica abalada com as ameaças que sofremos todos os dias, com a negação da nossa cultura e outros desafios. Sinceramente, não sei como os povos vivem com tantas violações e massacres desde a invasão.
A juventude tem se mobilizado para mostrar essas questões. Qual a importância desse movimento?
A juventude tem um papel importante ao usar a internet para denunciar esses casos de assassinatos, fome, contaminação de água e mais. Somos uma rede de comunicação que está se formando por todo o Brasil também como uma forma de fazer denúncias.
Os nossos antepassados sempre lutaram com as ferramentas que tinham e nos estamos fazendo o mesmo com as mídias sociais em busca de um bem comum do nosso povo. Usar a internet como decolonizaçãoo e desmistificação é importante, pois agora é uma narrativa construída por nós. Somos 305 povos, cada um mostrando a sua realidade, vivência, lutas diferentes e também similaridades.
Qual a importância do domínio da narativa?
Ter a nossa narrativa não permite que os outros neguem a nossa identidade. Sabemos que temos uma luta grande contra uma série de violações, mas ao mesmo tempo precisamos focar em coisas que parecem mínimas, como o uso de termos corretos, a explicação do que a gente faz, como a gente come e mais.
Quando a pessoa nega a minha identidade, fetichiza o meu corpo e joga estereótipos ela está me colonizando. Quando a pessoa fala “você tem internet e faz faculdade então não é indígena”, ela ainda está me colonizando e desrespeitando o meu povo. Ao mesmo tempo que é um processo estrutural, as pessoas não são ingênuas e têm oportunidade de buscar por informações para serem inclusivas.
*O assunto será tema de debate do V Congresso Internacional da Felicidade, que acontecerá em novembro deste ano.