Economia

Venezuela: Um default em gestação

As reservas do país estão se esgotando e suas obrigações de dívida tornarão o país tecnicamente insolvente antes do final do ano

Venezuela: o país deve pagar quase US$ 13 bilhões em vencimentos e juros da dívida (Guadalupe Pardo/Reuters)

Venezuela: o país deve pagar quase US$ 13 bilhões em vencimentos e juros da dívida (Guadalupe Pardo/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2017 às 10h09.

A Venezuela está perto de um default soberano. As reservas do país estão sendo esgotadas e suas obrigações de dívida tornarão o país tecnicamente insolvente antes do final do ano – a Venezuela deve pagar quase US$ 13 bilhões em vencimentos e juros da dívida.

Mesmo se conseguir cumprir suas obrigações de curto prazo, prevê-se que, até 2020, o país entre em default porque deverá enfrentar quitações de débito ainda maiores. Talvez seja melhor para a recuperação econômica do país que isso aconteça mais cedo e não mais tarde.

Nos rankings mundiais de competitividade do IMD, a Venezuela ocupa o último lugar. Seu setor público é o menos efetivo e seu sistema regulatório está paralisado há anos. O setor privado praticamente deixou de existir, com sua produtividade nos níveis mais baixos. O único elemento que mantém o país acima da superfície é a sua enorme reserva de petróleo.

No final de 2017, no entanto, alguns observadores preveem que a produção de petróleo do país cairá em 20%. Analistas afirmam que o declínio da produção e a paralisação paralela dos investimentos são o resultado da extensa fuga de cérebros vista na indústria nos últimos anos, combinada com a nacionalização de empresas e operadores de serviços relacionados.

Para uma discussão efetiva da reestruturação da dívida, é importante enfatizar a dependência da Venezuela em relação ao petróleo. As receitas de petróleo representam cerca de 95% dos ganhos de exportação e o setor de petróleo e gás contribui com cerca de 25% do PIB do país. Essa dependência traz um alto nível de complexidade a qualquer negociação de reestruturação.

Atualmente, o maior comprador de petróleo da Venezuela são os Estados Unidos. Cerca de 75% das receitas petrolíferas da Venezuela são originárias da venda de petróleo e subprodutos para os EUA. O país refina o petróleo bruto nos EUA através de sua subsidiária CITGO.

As operações de refinaria da Citgo têm uma capacidade de processamento de cerca de 750 mil barris por dia. A empresa produz mais de 600 tipos de lubrificantes e, em 2015, vendeu 15,5 bilhões de galões de produtos refinados nos EUA. A Companhia Nacional de Petróleo da Venezuela (Petróleos de Venezuela, PDVSA) está tão endividada quanto o próprio país.

A reestruturação da dívida da PDVSA pode ser menos prejudicial para a economia. Em teoria, de modo diferente, o padrão da PDVSA pode ser mais fácil de negociar e menos traumático para a economia do que o padrão soberano do país. Há, no entanto, uma série de complicações.

A experiência argentina pode fornecer lições relevantes. Em 2001, a Argentina passou por um default de US$ 82 bilhões e, em 2005, propôs a seus credores uma oferta de reestruturação de cerca de 60 centavos no dólar. Mesmo que o processo tenha envolvido várias complicações, acabou com uma recusa de credores que controlavam cerca de 7% das reivindicações nos tribunais dos EUA.

Se um plano de reorganização não for aprovado por todos os credores, as partes dissidentes podem apresentar o caso em tribunal. A lei de falências dos EUA é extraterritorial e aplica-se a qualquer empresa se os títulos de dívida tiverem sido emitidos nos EUA.

A dissidência dos credores é um problema para os processos de default. Os emissores então adotam cláusulas de ação coletiva (CACs) que prevêem que, caso uma certa maioria dos credores (digamos 75%) aceite um plano de reorganização, o acordo pode ser estendido a todos os credores. No caso argentino, os CACs não existiam para a maioria dos instrumentos de dívida.

É aqui que as complicações do caso venezuelano vão além da experiência argentina. Embora a maioria dos títulos soberanos recentemente emitidos pela Venezuela tenha CACs, os títulos da PDVSA, no entanto, não. Nesse caso, uma recusa ao estilo argentino seria mais provável, o que poderia atrasar, se não impossibilitar, a reestruturação.

Além disso, a PDVSA e, portanto, a Venezuela, contam com os pagamentos em dinheiro originários das exportações para os EUA. Um default poderia forçar um tribunal dos EUA a primeiro parar, depois restringir e, finalmente, aproveitar esses pagamentos para garantir os direitos dos credores. Em última análise, a economia venezuelana estaria em estado de "fome".

Observadores indicam que, para evitar essa situação, é provável que a Venezuela tente garantir que sua estratégia de reestruturação proteja as operações da PDVSA de detentores de títulos que possam recusá-la garantindo que não consigam segurar as vendas de petróleo da empresa e, assim, dificultar seus fluxos de caixa.

Qualquer que seja a forma com a qual a Venezuela decida tentar evitar recusas - por exemplo, ao declarar a PDVSA em falência ou delegar a responsabilidade da dívida a um devedor novo / diferente - implicará riscos elevados.

Se o default ocorrer no nível soberano, há outra lição importante na reestruturação argentina. Segundo os funcionários envolvidos nesse processo, a Argentina ofereceu aos detentores de títulos uma garantia vinculada ao seu futuro crescimento do PIB.

O mandado permitiria que os credores recebessem pagamentos adicionais se o crescimento econômico anual do país fosse superior a determinada porcentagem.

Em última análise, embora originalmente reconhecido como inútil pelos investidores, o mandado tornou-se extremamente caro para a Argentina - os credores receberam perto do que obtiveram em títulos novos ou cerca de 30% do valor nominal dos títulos inadimplentes.

Além disso, e ao contrário da Argentina, a Venezuela possui ativos nos Estados Unidos - a empresa de refino CITGO. Em 2014, a Venezuela avaliou os ativos da Citgo em cerca de US$ 10 bilhões. Em caso de descumprimento, esses ativos podem ser apreendidos e entregues aos credores; a menos que a Venezuela venda esses ativos antes do default.

Neste contexto, a recente visita do presidente Maduro à Rússia para organizar um swap (dinheiro contra o CITGO) com a Rosneft pode ser facilmente compreendida.

Em resumo, parece inevitável que a Venezuela entre em dafault, o que levará o país a enfrentar uma série de desafios enormes. Por um lado, o país deve garantir que o processo seja suave, possibilite assistência internacional, não prejudique ainda mais a economia venezuelana e evite recusas nos EUA.

Movimentações recentes de membros do governo permitem concluir que a Venezuela aprendeu as lições do passado. Por outro lado, em qualquer acordo de reestruturação, a Venezuela será forçada a desenvolver um programa de ajuste rigoroso que atenda às principais causas de seus problemas econômicos e tranquilize os credores sobre a recuperação do país.

Esse último ponto provavelmente testará a confiança dos credores em uma administração amplamente impopular.

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