Economia

"Unilateralismo pode fugir do controle", diz diretor-geral da OMC

O alerta é de Roberto Azevêdo que, nesta terça-feira, 28, foi reeleito de forma inédita para mais um mandato Organização Mundial do Comércio

Roberto Azevêdo: "risco de ações unilaterais, fora do marco acordado na OMC, é que preocupa" (Antonio Cruz/ABr)

Roberto Azevêdo: "risco de ações unilaterais, fora do marco acordado na OMC, é que preocupa" (Antonio Cruz/ABr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 1 de março de 2017 às 11h39.

Última atualização em 1 de março de 2017 às 11h50.

Londres - Ações unilaterais, como as que o novo presidente americano Donald Trump vem prometendo, seriam "desastrosas para todos", afetariam a recuperação do Brasil e podem "fugir ao controle".

O alerta é do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, que nesta terça-feira, 28, foi reeleito de forma inédita para mais um mandato.

Ele, porém, vai enfrentar o que promete ser o período mais complicado no cenário internacional em décadas, com a proliferação de medidas protecionistas e a ameaça real do governo dos EUA de ignorar regras internacionais. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quais foram suas principais conquistas no primeiro mandato e o que frustrou o sr.?

A principal conquista foi colocar a OMC de volta no radar. Nos primeiros meses do meu mandato, notava em minhas viagens que as pessoas já não acreditavam na OMC. Isso mudou muito. O Acordo de Facilitação de Comércio, de dezembro de 2013, ajudou a mudar essa percepção. O setor privado está muito mais interessado no nosso trabalho. Isso também se deve a outros resultados expressivos, como a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas e a expansão do acordo de tecnologia de informação. Quanto a frustrações, acho que a maior é ver o recente crescimento da retórica anticomércio. O comércio tem sido bode expiatório para problemas que, no fundo, não têm a ver com o comércio.

Quais serão suas prioridades?

Precisamos fazer com que o comércio beneficie mais pessoas. Um comércio mais inclusivo distribui melhor os benefícios econômicos, além de ajudar a corrigir percepções equivocadas. As negociações na OMC também precisam continuar produzindo resultados, tanto nos temas que já estão sobre a mesa, como agricultura, quanto em assuntos relevantes no mundo de hoje e que despertam o interesse dos membros. O comércio eletrônico é um bom exemplo, mas também a facilitação do comércio de serviços e de investimentos.

Na sua avaliação, qual será o cenário para o comércio internacional nos próximos anos?

A estimativa da OMC é de que em 2017 o comércio cresça entre 1,8% e 3,1% em volume. Isso resulta, sobretudo, de estimativas mais modestas de crescimento econômico mundial. Acho difícil voltarmos, no curto prazo, às taxas de crescimento pré-crise de 2008, quando o comércio expandia em torno de 5% ao ano.

Temos visto uma retórica cada vez mais presente em candidatos sobre as ameaças do comércio. Isso pode se transformar em protecionismo?

Ouvi recentemente um conceito que se aplica bem a essa retórica: uma mentira fácil tem mais força que uma verdade complexa. O comércio até pode ser um alvo fácil, mas é o alvo errado. A realidade é que as novas tecnologias - sempre muito bem-vindas - têm um impacto muito maior no mercado de trabalho. E adaptar-se a esse novo cenário é difícil - e não há receita pronta. Sensibilizar as lideranças mundiais para os riscos do protecionismo é um grande desafio para os próximos anos.

Nos EUA, Trump tem deixado claro que quer uma revisão de acordos comerciais e a defesa dos interesses da indústria nacional. Isso preocupa o sr.?

Além de ser um foro negociador, a OMC oferece aos membros um amplo leque de ferramentas para lidar com as preocupações e atritos comerciais. Até mesmo a reforma de acordos faz parte do jogo. O risco de ações unilaterais, fora do marco acordado na OMC, é que preocupa. O unilateralismo tende a provocar reação em cadeia, em efeito dominó desastroso para todos.

De que forma o comércio pode ajudar a recuperar a economia brasileira?

Sem dúvida, o comércio pode ser um grande aliado do Brasil na recuperação econômica. É claro que o comércio sozinho não resolve, mas é parte importante da equação. Para países com mercado interno grande, pode ser tentador focar na demanda doméstica. Mas não há economia competitiva sem comércio internacional. A introspecção econômica gera ineficiências custosas para a sociedade.

No caso brasileiro, esse discurso protecionista em alguns dos grandes mercados pode afetar a capacidade de recuperação?

À medida que o discurso se transforme em políticas restritivas, os impactos serão sentidos por todos. Medidas protecionistas podem proliferar rapidamente e fugir ao controle. Isso pode desacelerar a economia mundial e afetar a capacidade de o comércio contribuir para a retomada econômica no Brasil.

O Brasil voltou a negociar um acordo com a União Europeia. Qual seria um caminho saudável para uma maior inserção do Brasil na economia mundial?

Há espaço para que o Brasil conclua acordos comerciais e também faça reformas que contribuam para aumentar sua competitividade no comércio internacional. O Brasil é competitivo em alguns setores e não é em outros. Essa não é uma realidade brasileira apenas. O que não se deve fazer é esperar ser competitivo em todos os setores para então expor a economia a mais abertura comercial. Essa competitividade horizontal e ilimitada não vai acontecer nunca.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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