Economia

Uma economia movida por apostas

Os ingleses apostam em tudo – com a mesma naturalidade com que tomam chá

O futuro do Euro é tema na casa de apostas. A William Hill está pagando 3 por 1 para o fim da moeda (AFP)

O futuro do Euro é tema na casa de apostas. A William Hill está pagando 3 por 1 para o fim da moeda (AFP)

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Da Redação

Publicado em 7 de fevereiro de 2012 às 17h13.

São Paulo - O euro vai sobreviver?  Essa é uma discussão cada vez mais intensa na Europa, no rastro de uma brutal crise econômica que vem colocando de joelhos muitos países. Economistas, políticos e jornalistas se dividem.

Se você lê ou ouve o que eles estão dizendo, sua dúvida sobre a sobrevivência da moeda adotada por 17 países europeus tende a se ampliar cruelmente. Mais ou menos como num jogo de tênis, seu rosto vai virar ora para um lado e ora para o outro, e junto com ele sua mente.

Mais eficiente, talvez, para você avaliar a situação, é consultar as lendárias casas de apostas inglesas – tão presentes na paisagem local quanto os pubs. Para abreviar, nos últimos meses, os bookmakers britânicos – assim chamados porque na origem as apostas (em cavalos) eram marcadas num livro – estão pagando cada vez menos para quem põe dinheiro na hipótese da morte do euro ao longo de 2012.

Uma das principais empresas de apostas – a William Hill – pagava há poucos meses 10 libras para cada uma que você apostasse no fim do euro. Agora, com a Grécia agonizando economicamente e a Itália respirando com dificuldade, a WH está pagando apenas 3 por 1. No jargão dos bookmakers, estas são as odds – basicamente, as probabilidades. Não se trata, no caso, de precisos cálculos matemáticos, como aqueles que você pode ver na televisão nos jogos de pôquer. Um computador calcula as chances de este ou aquele jogador ganhar a mão com base nas cartas que ainda estão por ser viradas.

Para as casas de apostas, as odds funcionam na base da intuição. Para ganharem dinheiro no negócio, sua sensibilidade, sua intuição, sua inteligência têm de funcionar na plenitude – e harmoniosamente. Se elas cometem erros de julgamento frequentes – por exemplo, pagar mais do que devem para quem aposta em Rafael Nadal (a chamada barbada) para ganhar Roland Garros – não têm chance de permanecer à tona. Odds bem feitas são o segredo do negócio: atraem os apostadores e, ao mesmo tempo, garantem uma margem de lucros para as empresas.


Um caso real dá uma boa ideia do funcionamento dessa indústria. Na morte de um papa, uma casa não sabia como começar o livro. Quer dizer, seus executivos não estavam seguros de como deveriam fazer para começar a aceitar apostas num episódio que prometia, evidentemente, despertar intenso interesse dos apostadores. Alguém teve a ideia: “Vamos começar pelo principal rabino da Inglaterra, pagando 1 000 por 1”.

O mercado britânico é dominado pelas chamadas Big Three: Ladbrokes, Coral e William Hill. Você vê lojas delas virtualmente onde quer que esteja no Reino Unido. Há cerca de 8 500. Os bookmakers nasceram, no final do século 18, no turfe, como os ingleses chamam as corridas de cavalo. Mais tarde, as apostas foram se diversificando, e abarcam uma infinidade de coisas. Num jogo de futebol, você pode apostar não apenas num time, mas numa série de detalhes. Você pode arriscar em coisas como o placar do primeiro tempo, o autor do primeiro gol e daí por diante. Nos intervalos de jogos da Premier League, é comum que apareça um comercial com alguma oferta de ocasião para os apostadores: Didier Drogba vai marcar o próximo gol do Chelsea, por exemplo.

A indústria das apostas se consolidou no Reino Unido graças a algumas leis fundamentais. Ainda nos primórdios, uma delas fez com que fossem reconhecidas legalmente as dívidas de jogo. Até então, perdedores podiam recorrer à Justiça para se livrar das consequências de apostas desastrosas e irresponsáveis. Mais recentemente, no começo da década de 1960, o governo permitiu a abertura de lojas. Nem o advento da internet parece ter mexido nesse hábito nacional.

As lojas físicas estão firmes – e em processo de internacionalização. A centenária Ladbrokes opera hoje também na Espanha e na Bélgica. Por ela passam, anualmente, 15 bilhões de libras em apostas, cerca de 35 bilhões de reais. A rede emprega 15 mil pessoas. A travessia rumo ao mundo digital está sendo feita com sucesso: são 800 mil os clientes ativos da Ladbrokes na internet.


Os bookmakers – ou bookies – vivem do risco, mas tomam suas precauções quando necessário. Imagine que estão sendo feitas muitas apostas altas em alguém. Voltemos alguns anos e suponhamos que houvesse um enorme volume de dinheiro colocado na hipótese – virtualmente irrealizável – de que o invicto e destruidor Mike Tyson fosse batido pelo inexpressivo veterano James Buster Douglas.

Em situações assim, os bookies preventivamente fazem uma espécie de seguro informal: eles assumem o papel de apostadores, também, e fazem suas apostas na concorrência. Agindo assim, eles reduzem seu lucro, mas também evitam a bancarrota com uma surpresa extraordinária como foi, exatamente, a derrota de Tyson.

Na Inglaterra, faça como os ingleses, e conto aqui então minha experiência. No verão passado, entrei numa loja perto de casa e apostei 100 libras em Federer para ser campeão de Wimbledon. Ganharia 400, caso Federer vencesse, o que infelizmente não ocorreu. Mas a visita a uma loja valeu o dinheiro que perdi. Pude ver, pela primeira vez, uma corrida de cachorros na televisão, na companhia de apostadores. Olhos atentos, na loja, acompanhavam ansiosamente as passadas rápidas dos cães.

Raras vezes, em minha temporada em Londres, me senti tão inglês como naquele instante – numa casa de apostas, fazendo meu jogo afinal fracassado, cercado de londrinos que ajudam a manter viva uma tradição nacional (quase) tão enraizada quanto o chá.

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