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Um país, oito defaults: um olhar sobre os fracassos da Argentina

Até mesmo um observador casual tem uma sensação de déjà vu. A nação sul-americana é uma máquina de calotes com poucos rivais no mundo

Presidente argentino: A incapacidade de Macri de controlar a inflação e estimular o crescimento foi a causa imediata da crise, mas as bases têm origem há uma década (Erica Canepa/Bloomberg)

Ligia Tuon

Publicado em 14 de setembro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 14 de setembro de 2019 às 10h17.

A Argentina está, segundo quase todos os dados disponíveis, caminhando rumo a um default depois de acumular mais de US$ 100 bilhões em dívidas. Alguns dizem que faltam apenas alguns meses. Outros afirmam que, na verdade, já aconteceu em uma pequena quantidade de títulos de dívida.

Até mesmo para o observador casual, tudo tem uma certa sensação de déjà vu. A nação sul-americana é uma máquina de defaults com poucos rivais no mundo.

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O primeiro episódio ocorreu em 1827, apenas 11 anos depois da independência. O mais recente, em 2014. Nesse meio tempo, ocorreram outros seis de diferentes tamanhos e formas, segundo Carmen Reinhart, economista da Universidade Harvard.

Quase todos foram precedidos por períodos de crescimento, como, talvez o mais famoso, quando migrantes europeus transformaram a Argentina em uma potência agrícola e em um dos países mais ricos do mundo no final do século XIX.

Invariavelmente, gastos extravagantes, combinados com fácil acesso ao capital fornecido por credores estrangeiros excessivamente zelosos, fizeram com que o país entrasse em colapso.

"A grande narrativa é sempre que não há disciplina fiscal”, disse Benjamin Gedan, diretor do Projeto Argentina no Wilson Center, em Washington. "Eles querem importar produtos que exigem dólares, gastam demais e tomam empréstimos em dólares e não geram dólares porque têm uma economia fechada. E, assim, é este ciclo sem fim. Sempre é a mesma história."

Confira abaixo os principais fatos que marcaram os oito defaults da Argentina e o que pode vir a seguir.

1. 1827

Depois de declarar independência da Espanha em 1816, a economia da Argentina se abriu rapidamente ao comércio exterior. Alguns historiadores depois se refeririam ao início da década de 1820 como a “experiência feliz” do país, um período de paz, prosperidade e fascínio pela aristocracia europeia. Esse período durou pouco.

A Argentina havia vendido títulos em Londres para ajudar a financiar a construção da nação. A dívida foi pressionada quando o Banco da Inglaterra elevou as taxas de juros em 1825. A Argentina deixou de pagar a dívida dois anos depois. E levou mais de 30 anos para retomar os pagamentos.

2. 1890

No final do século 19, a Argentina iniciou uma onda de empréstimos para fabricar trens e transformar Buenos Aires na capital cosmopolita de hoje. O Barings Bank, de Londres, investiu pesado em ferrovias do país e em outros projetos de serviços públicos.

O sul da Argentina também se expandiu, com a criação de ovelhas espalhada por campos da Patagônia e garimpeiros em busca de ouro na Terra do Fogo. Essa euforia desapareceu quando a bolha de commodities estourou.

O país suspendeu o pagamento da dívida, provocando uma corrida aos bancos argentinos e a renúncia de presidente Miguel Juárez Celman. Naquele novembro, o Barings estava à beira da falência. A Argentina saiu do default quatro anos depois, impulsionada por capital novo do Reino Unido.

3. 1951

Um influxo de imigrantes e capital estrangeiro impulsionou a ascensão da Argentina como um dos países mais prósperos do mundo no início do século XX.

Mas a Primeira Guerra Mundial atingiu em cheio a economia do país, assim como a Grande Depressão que se seguiu uma década depois.

O desemprego e a convulsão social eclodiram. Em 1930, um golpe trouxe os militares ao poder, inaugurando um período de instabilidade - oito presidentes em duas décadas - e uma política de substituição de importações, que fechou a economia e ajudou a levar a um default.

4. 1956

Juan Perón assumiu o poder em 1946 e começou a nacionalizar empresas, redistribuir riqueza e exercer maior controle do governo sobre a economia.

As políticas executadas por ele e pela esposa, Evita, se tornariam o princípio dominante de governo da Argentina por aproximadamente metade das próximas sete décadas. Inicialmente, as políticas estimularam o crescimento e a ascensão da classe média.

Mas, em 1955, Perón foi deposto em um golpe, mergulhando a economia em um período de turbulência e dificultando o pagamento das dívidas. No ano seguinte, a junta militar fechou um acordo com o Clube de Paris dos países credores para evitar um default maior.

5. 1982

Durante a Guerra Suja da Argentina, a ditadura militar tomou empréstimos, principalmente de bancos americanos e britânicos, para financiar projetos de infraestrutura e indústrias estatais.

A dívida externa do país deu um salto de US$ 8 bilhões para US$ 46 bilhões. Mas os preços das commodities caíram novamente quando o Federal Reserve, sob o comando de Paul Volcker, elevou as taxas de juros dos EUA para 20% para controlar a inflação, desencadeando crises de dívida na América Latina e no resto do mundo em desenvolvimento.

A Argentina se tornou um dos 27 países, incluindo 16 na América Latina, que reestruturaram a dívida.

6. 1989

Uma série de tentativas fracassadas no final da década de 1980 para segurar a inflação - que disparou mais de 3.000% - provocou outro default em 1989 e levou o líder peronista Carlos Menem ao poder.

Seu governo reduziu a inflação, privatizou estatais e atraiu investimento estrangeiro direto, levando o país da recessão a um crescimento de dois dígitos no fim do segundo ano do mandato de Menem.

Ainda assim, a dívida externa da Argentina subiu para mais de US$ 100 bilhões, resultado da incapacidade de Menem de controlar os gastos. Quando deixou o poder, o país havia entrado novamente em recessão com desemprego em alta, exportações limitadas e um peso sobrevalorizado.

7. 2001

Quando a brutal recessão entrou em seu quarto ano, corroendo cerca de dois terços do PIB do país, os argentinos protestaram. O país teve cinco presidentes em duas semanas e declarou o que foi, na época, o maior default de todos os tempos de um país.

A Argentina suspendeu o pagamento de US$ 95 bilhões em títulos. O default levou a acordos de reestruturação com credores em 2005 e em 2010 sob o comando de Néstor Kirchner e de sua esposa, Cristina Kirchner.

A maioria dos credores concordou em aceitar os 30 centavos de dólar oferecidos, mas um grupo liderado pelo bilionário de hedge funds Paul Singer rejeitou a proposta e exigiu reembolso total.

8. 2014

Assombrada por uma batalha jurídica com Singer e outros credores que rejeitaram a proposta, a Argentina declarou outro default, embora em menor escala.

O governo de Cristina Kirchner deixou de fazer um pagamento de juros depois que um juiz dos EUA decidiu que a Argentina não poderia distribuir os fundos a menos que a Elliott Management, de Singer, e outros chamados “fundos abutres” recebessem o valor devido.

A disputa foi finalmente resolvida em 2016, quando o novo presidente, Mauricio Macri, pagou os credores que haviam rejeitado a reestruturação para que a Argentina pudesse recuperar acesso aos mercados internacionais de dívida.

9. Crise atual

Hoje, Cristina Kirchner está prestes a suplantar Macri na Casa Rosada, desta vez como vice-presidente de Alberto Fernández, que foi seu primeiro chefe de gabinete.

A vitória esmagadora da chapa da oposição nas eleições primárias do mês passado provocou um colapso do peso, ações e títulos que acabaram obrigando Macri a impor controles sobre o mercado de câmbio - que ele orgulhosamente havia suspendido apenas alguns dias depois de assumir o poder em 2015 - e propor uma rolagem de dívida.

A incapacidade de Macri de controlar a inflação e estimular o crescimento foi a causa imediata da crise, mas as bases têm origem há uma década, quando Cristina Kirchner desperdiçou o superávit acumulado com a valorização das commodities, estrangulou a economia com uma série de controles do governo e manipulou dados.

Traders preveem que um default será a inevitável conclusão quando o novo governo assumir em dezembro: os títulos internacionais do país podem ser comprados hoje por apenas 40 centavos de dólar.

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