SHIN JAE KIM: a Lei Anticorrupção e a Lava-Jato inauguram uma nova era na forma de fazer negócios / Divulgação
Gian Kojikovski
Publicado em 2 de junho de 2016 às 12h32.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h06.
Em 2013, para mostrar comprometimento com os protestos que tomaram o país em junho daquele ano, a presidente Dilma Rousseff propôs a Lei Anticorrupção, que endurecia a maneira como empresas envolvidas em escândalos seriam punidas. Alguns meses depois, a operação Lava-Jato traria para o centro dos escândalos de corrupção as maiores empresas do Brasil. Esses dois fatos impulsionaram um setor que andava meio adormecido dentro das companhias, o compliance, responsável por garantir que os funcionários cumpram as leis e as diretrizes de negócio. Recentemente, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) propôs o endurecimento da lei, aumentando a multa para as empresas envolvidas em escândalos. A advogada Shin Jae Kim, chefe do setor de compliance do escritório de advocacia TozziniFreire, falou a EXAME HOJE sobre o aumento do interesse no tema pode mudar a maneira de fazer negócios no país.
As empresas estão aderindo mais ao sistema de compliance? Por quê?Estão. Por vários motivos. A Lei Anticorrupção e a Lava-Jato trouxeram mais atenção para o setor e aceleraram isso. Historicamente, sempre houve ceticismo no mercado no sentido de que existem regras, mas havia uma flexibilidade entre o que é certo fazer e o que é correto de acordo com a lei. Essa é até uma discussão ética, saber se o fato de estar seguindo a lei é moral ou não. O mercado também vem se regulando para que as empresas passem a se policiar mais.
A lei anticorrupção foi fundamental para que as empresas se adaptassem ao novo sistema?
Eu não acho que foi a só a lei, porque se houvesse lei, mas não tivesse acontecido a Lava-Jato, nada teria mudado. Existe uma tendência em que os países estão adotando legislações similares, que tratam de atos cometidos também no exterior. Uma empresa que tem negócios aqui e nos Estados Unidos poderia ser punida nos dois países pelos crimes eventualmente cometidos. A lei ajuda porque dá um incentivo para a criação de um programa de integridade. Caso haja alguma violação à lei, a empresa vai ser sujeita a um pagamento de multa que é até 20% do faturamento. Se comprovar que tem um programa de integridade, essa multa é significativamente reduzida.
A Odebrecht tinha uma área estruturada para pagar propina e um setor destinado a compliance. Como isso funciona, sendo que, na Odebrecht, o próprio presidente era corruptor?
É preciso conscientizar os funcionários que certas coisas estão erradas e ter canais de comunicação onde as pessoas podem perguntar, deixar dúvida, ou até denunciar. Se for um ambiente onde as coisas são mais claramente ditas, normalmente as denúncias ajudam muito.
Mas esse caso envolvia o presidente da empresa…
É difícil. Nos Estados Unidos é comum que, em casos mais relevantes, onde já houve algum tipo de crime, a promotoria indique monitores externos independentes para acompanhar a evolução dos problemas. Poderia ser uma solução para o Brasil e as empresas envolvidas na lava-jato.
Isso garante a mudança em uma empresa envolvida em escândalos?
O que garante mesmo a integridade da empresa é uma mudança cultural. A direção tem que falar que não é assim que vai fazer negócios. Se isso é algo formal, mas nas decisões mais difíceis não fica muito claro para os funcionários qual vai ser a postura da empresa, isso só vai funcionar para pequenas violações. Se o compliance não cuidar da alta administração da empresa, onde as decisões são feitas, que estão muito ligadas com a cultura empresarial, não vai ser totalmente efetivo em todos os níveis hierárquicos. Vale lembrar que não é sempre que os casos que envolvem riscos à integridade da empresa são cometidos nos cargos mais altos.
O espaço para corrupção entre empresas privadas e o setor público está acabando?
Está acabando. Isso não é só o Brasil, os principais mercados estão agindo assim. Algumas empresas já sabem que isso pode ser uma diferença em relação aos concorrentes. Os próprios consumidores estão julgando cada vez mais as empresas envolvidas em escândalos, a gente está em um mercado mais exigente em termos de transparência, e o valor da marca está diretamente relacionado a isso. A regulação deve vir do próprio mercado. Além disso, as empresas começam a exigir das fornecedoras e parceiras de negócio esse programa de integridade para poder ter algum tipo de parceria e mitigar riscos de segurança de dados, conflito de interesse, sigilo de informação, entre outras coisas. A Petrobras está fazendo isso, as empresas que assinaram acordo de leniência também, então isso vai ter um efeito em cadeia no mercado. É uma nova era.
(Gian Kojikovski)