Economia

Rondonópolis

Surfando no verde

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h54.

Quanta diferença faz seis anos na vida de uma cidade como Rondonópolis, o maior pólo agroindustrial

de Mato Grosso e principal incubadora da mais espetacular história de sucesso do campo brasileiro. Praticamente uma idosa se comparada às pequenas cidades prósperas que de uns tempos para cá se enraizaram por Mato Grosso afora na trilha da expansão da soja, a cinqüentona Rondonópolis exibe uma vitalidade que a torna quase irreconhecível. Erra quem imaginava encontrar ali uma cidade congelada no tempo, com o comércio fervilhante, mas destituído de charme, prédios acanhados e ruas sem calçadas, cobertas de mato, onde um telhado ou outro indicam o surgimento de um novo bairro residencial. Com pouco mais de 150 000 habitantes, Rondonópolis, a 210 quilômetros de Cuiabá, a capital do estado, ainda guarda o ar de cidade em plena mutação, mas a paisagem urbana é outra.

Novas avenidas cortam a cidade dando acesso a bairros residenciais com ruas arborizadas, casas bem cuidadas e um ou outro apartamento de alto padrão. À noite, carros e motos enchem as ruas próximas aos dois centros universitários criados na cidade nos últimos cinco anos e onde estu dam cerca de 4 000 alunos. Alguns quarteirões mais adiante, surge um prédio de paredes envidraçadas, fonte dágua na frente e paisagismo caprichado. Trata-se da moderníssima sede da Amaggi, a holding do grupo criado pelo pioneiro gaúcho André Maggi, falecido em 2001, cujo filho Blairo, também conhecido como o maior produtor individual de soja do mundo, é desde janeiro o governador de Mato Grosso. Depois do expediente, funcionários da empresa costumam aproveitar as facilidades da nova sede -- uma bela varanda com churrasqueira, quadra de basquete, campo de futebol e uma piscina onde duas vezes por semana têm aulas de hidroginástica.

A metamorfose de Rondonópolis é resultado direto do extraordinário desempenho da agricultura moderna que se pratica em Mato Grosso e, mais especificamente, na cidade e nos ricos municípios vizinhos. Amparada por uma gestão profissionalizada -- as fazendas funcionam como se fossem unidades industriais -- e por inovações tecnológicas de ponta difundidas pela equipe de 300 engenheiros agrônomos da Fundação Mato Grosso, com sede em Rondonópolis, a produção de grãos nas planícies do cerrado vem batendo, ano após ano, os próprios recordes de produtividade. Se a colheita da safra que começou a ser semeada semanas atrás não decepcionar e os preços internacionais se mantiverem adequados, não haverá erro. A partir de fevereiro de 2004, o comércio e as empresas de serviços locais deverão encher as burras. Nas ruas da cidade, a proporção é de 1 carro para cada 4,6 habitantes. O que mais se vêem são picapes turbinadas.

Até o mês de setembro, a Green Center, concessionária da Toyota na cidade, acumulara o maior volume de vendas da picape Hilux, da Toyota, no Brasil -- cerca de 200 unidades. "Aqui não tem crise", diz o paulista Luiz Antônio Cannizza, gerente-geral da revenda Toyota, de propriedade do grupo Verdi, de São José do Rio Preto. "Com esse mercado fabuloso, até remocei." Quem ainda não tem carro vai de moto. O número desses modelos estacionados ou circulando pelas ruas -- são 12 000 no total -- impressiona mesmo quem está acostumado com o exército de motoqueiros no trânsito de São Paulo. Muitos levam um passageiro na garupa -- uma modalidade de táxi muito comum em todo o Centro-Oeste. A Honda Biz, um sucesso de venda na cidade, costuma ser um dos primeiros itens de consumo quando jovens balconistas, recepcionistas ou escriturários conseguem um emprego fixo. Um modelo de 100 cilindradas pode ser adquirido por meio de consórcio em 60 prestações de 85 reais.

O paranaense Juarez Gazinho, di retor da Iguaçu Máquinas, revendedora da americana John Deere em Rondonópolis e em outras cinco cidades, é mais um entusiasmado com o potencial da região. Sua loja é a que mais vende plantadeiras da marca no Brasil. No ano passado, o grupo faturou 24 milhões de dólares. Neste ano, as vendas devem chegar a 34 milhões de dólares. "O crescimento aqui é avassalador", diz. Isso pode ser medido pelo número de novos negócios abertos na cidade nos últimos anos. De janeiro de 2000 a dezembro do ano passado, foram exatas 2 123 novas empresas e só nos primeiros nove meses deste ano outras 508. Há poucas semanas, a Todimo, rede de material de construção criada por paranaenses em Mato Grosso, inaugurou ali sua sétima loja no estado. A empresa investiu 3,5 milhões de reais na montagem da loja, que deverá empregar 57 funcionários. "Não tenho dúvida do retorno do investimento", diz Juliano Bortolotto, diretor da Todimo. "O crescimento aqui é contagiante."

As oportunidades de negócios na área de serviços também têm produzido histórias de sucesso. Caso, por exemplo, do casal de gaúchos Veronice e Ênio Serafin Serafini. Em Rondonópolis desde 1981, quando chegaram para trabalhar como assalariados, os dois tocam hoje, em parceria com um sócio, a Agroer, uma empresa de aviação agrícola. Com a expansão da cultura do algodão, que exige cuidados constantes, os negócios tiveram um impulso. Começaram com três aviões de pulverização e hoje operam oito. "Nossa decisão de vir para cá não podia ter sido melhor", diz Serafini, atualmente dono de uma fazenda de gado em Paranatinga, com 7 000 hectares. "Estamos no melhor lugar do Brasil para morar e trabalhar."

Sentado em seu gabinete no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, enquanto toma uma cuia de chimarrão, o governador Maggi destaca o poder de fogo da agricultura mato-gros sense. "Até mesmo o cabeleireiro vai mal ou vai bem dependendo de como está o campo", diz. Por sua expressão, vê-se que não está inteiramente satisfeito. O argumento que usa em seguida é simples. Para Maggi, não basta saber produzir, comercializar e processar os grãos. Rondonópolis, por exemplo, já entrou nessa segunda fase do jogo. O parque industrial da cidade abriga duas gigantes multinacionais -- a Bunge e a ADM -- que esmagam a soja produzida na região. Mas, a seu ver, é preciso mais. A idéia é conduzir Rondonópolis e Mato Grosso a uma terceira onda de desenvolvimento. Como? Levando para lá os fabricantes dos principais insumos e máquinas consumidos pelos agricultores locais.

O plantio de 1 hectare de soja custa ao produtor mato-grossense o equivalente a 350 dólares. Desse valor, 80% referem-se a gastos com insumos fabricados em outros estados. Como a área plantada no estado é de 5 400 000 hectares, o montante anual chega a 1,5 bilhão de dólares. "Estamos exportando capital", diz Maggi. Se sua estratégia der certo, o mais provável é que a área industrial de Rondonópolis se torne pequena demais para acolher todas as empresas com as quais tem conversado. O governo de Mato Grosso acertou, até setembro, a concessão de incentivos fiscais a um total de 142 projetos. Se concretizados, nem todos devem se instalar em Rondonópolis, evidentemente, mas um novo parque industrial está sendo criado para recebê-los. A prefeitura isenta o pagamento de IPTU e ISS por cinco anos, facilita a venda de terrenos e divide os custos com a instalação de serviços básicos. Desde janeiro, a cidade recebeu a visita de pesos pesados de mais de 40 empresas. Por ali passaram presidentes mundiais da Syngenta, Bayer, Basf e Massey Ferguson. Ali também se tornaram rotineiras as visitas de dirigentes de bancos como WestLB Bank, HSBC, Fortis e o holandês Rabo Bank.

Até o momento, segundo o prefeito Percival Muniz, já foram confirmados investimentos no valor de 1 bilhão de reais e outros 2 devem ser investidos nos próximos três anos -- estão adiantadas, por exemplo, as negociações para a instalação de uma fábrica de tratores Massey Ferguson em Rondonópolis. "Será um PIB municipal a cada ano", afirma Muniz. Entre as empresas com investimentos já confirmados estão a Nortox (defensivos agrícolas), a Norsk Hydro (fertilizantes), a Facchini (carrocerias) e a Santana Têxtil. A ADM está construindo uma nova fábrica em Rondonópolis, onde já produz farelo e óleo refinado. Com a nova unidade a ser inaugurada em janeiro, a ADM passará a esmagar 6 500 toneladas diárias de soja -- hoje esmaga 3 500 toneladas. A empresa já havia inaugurado uma unidade de fertilizantes no ano passado. A Bunge, que também há pouco ampliou sua unidade produtora de óleo, deve implantar uma processadora de caroço de algodão.

Os primeiros contatos com muitas dessas empresas aconteceram no início do ano, durante o Agrishow Cerrado, em Rondonópolis. Nos três dias de duração do evento, promovido pela Abimaq, com vendas de 600 milhões de reais, o governador e seus secretários instalaram-se numa tenda para se encontrar com os empresários. Na edição da feira em 2004, a Trevo, uma das empresas contatadas, vai inaugurar sua fábrica na cidade. Com isso, Rondonópolis passa a ser um dos maiores pólos de fertilizantes do país.

A chegada da Santana Têxtil, do grupo Raimundo Delfino Filho, de Fortaleza, é aguardada com expectativa. Com capacidade de produção de 3 milhões de metros de índigo por mês, o projeto completo -- três unidades de fiação e três de tecelagem -- consumirá investimentos no valor de 300 milhões de reais e empregará 800 funcionários. "Vamos provocar o nascimento de uma indústria de confecção em Mato Grosso", diz Firmo de Castro, diretor da Star Consultoria, responsável pela implantação do projeto. Essa indústria, na verdade, já nasceu, mas é ainda bastante incipiente. Cláudia Fagotti é uma empresária do setor que espera crescer com a Santana Têxtil. Há oito anos, com capital de 7 000 reais, Cláudia criou, com a mãe e uma funcionária, a Idéias e Cores. O negócio, que começou com uma linha infantil, hoje concentra 80% do faturamento na confecção de uniformes para as fazendas e as empresas da região. A empresa, que emprega 35 funcionários num galpão próprio, fatura 70 000 reais por mês. "Foram os uniformes que nos fizeram crescer", diz Cláudia, dona de uma loja de roupas infantis no Rondon Shopping Center.

Por que toda essa gente está indo instalar-se numa cidade média do centro do Brasil, a mais de 1 400 quilômetros de São Paulo? Estar justamente no centro de um país cujas fronteiras agrícolas não param de se expandir é uma vantagem importante. "Ali está o centro da demanda", diz Osmar Amaral, presidente da Nortox, um grupo de Arapongas, no Paraná, com faturamento anual de 60 milhões de dólares. "Rondonópolis é o portão de toda essa nova fronteira, que é muito maior do que a velha." Com uma nova fábrica, na qual vai produzir seis produtos entre herbicidas e inseticidas, a Nortox poderá atender com maior rapidez seus clientes no Centro-Oeste, no Maranhão, no sul do Piauí e na Bahia, responsáveis por 60% do faturamento da empresa.

Por sua localização estratégica -- no entroncamento da BR-364 com a BR-163, que vem do sul, Rondonópolis está se consolidando também como centro logístico. Além de escoar parte da safra agrícola, é o portão de entrada de todo produto que vai para a Amazônia Legal. Nos últimos dois anos, 32 empresas de transporte com frota de 4 000 carretas estabeleceram-se na cidade. Com a chegada dos trilhos da Ferronorte à região do Alto Araguaia, Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, acabou perdendo o posto de centro de distribuição, deixando de receber 21 milhões de toneladas de grãos e fibras.

Não se pode dissociar Rondonópolis do que anda acontecendo no restante do estado. Mato Grosso cresce hoje à taxa de 12% ao ano. "Temos fôlego de Tigre Asiático", diz o governador Maggi. Ele pretende remover um dos gargalos do estado -- as péssimas condições das estradas. Até o fim de seu mandato, promete construir, em parceria com empresários locais, 2 500 quilômetros de rodovias. Só neste ano, devem ser 500 quilômetros, mais do que tudo o que os demais estados programaram fazer no período. Hoje quem toca os negócios do governador é o paranaense Pedro Jacyr Bongiolo, de 43 anos, há 20 no grupo. O Maggi, que deve fechar neste ano com faturamento de 550 milhões de dólares, há muito tempo deixou de ser apenas um grande produtor de grãos. "Hoje, soja é um grande negócio de logística", diz Jacyr, desde janeiro na presidência do grupo, que atua nas áreas de navegação, importação e exportação, processamento de grãos e energia. Daqui a dois anos, também os Maggi pretendem instalar uma unidade processadora de grãos na cidade a partir de onde consolidaram um dos mais dinâmicos conglomerados do agronegócio no país.

RONDONÓPOLIS EM NÚMEROS
Área geográfica: 4 179 km2
População: 156 000 habitantes
Potencial de consumo per capita*: 1 765 dólares
Expectativa de vida: 70,7 anos
Mortalidade infantil: 20 por 1 000 nascimentos
IDH: 0,791 (é o 771º do Brasil)
Lei de Responsabilidade Fiscal: o município compromete 51% de suas
receitas com a folha do funcionalismo
Principais atividades: produção, esmagamento e distribuição de soja. Também
sedia o mais novo pólo de produção de fertilizantes do país
Fontes: IBGE/ADH/Prefeitura de Rondonópolis/Simonsen Associados *Em
2002

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