Joseph Stiglitz
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2012 às 13h39.
Nova York - Em entrevista exclusiva a EXAME.com, o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz diz que a economia americana precisa de um grande pacote de estímulo ao consumo e que Wall Street soferá uma reforma regulatória para tornar suas operações mais transparentes. Stiglitz, professor da Universidade Columbia que tem aconselhado a equipe econômica de Barack Obama, diz também que o Brasil foi longe demais na liberalização de seu mercado financeiro, mas que a forte regulação bancária brasileira protege o país da turbulência internacional.
Por que a vitória de Barack Obama não significa um alívio imediato para os mercados?
Stiglitz - Porque o problema da economia americana vai além de uma questão de confiança e hoje a desconfiança está enraizada na economia real. Não é realista pensar que o simples anúncio de um novo presidente possa reverter esse quadro imediatamente. Logo, o novo governo vai ter que partir da estaca zero.
Que conselhos o senhor tem dado à equipe econômica de Obama?
Tenho tido uma série de reuniões com duas figuras-chave da equipe de Obama, o Jason Furman, com quem trabalhei na Casa Branca e no Banco Mundial, e que hoje leciona na Universidade de Nova York, e Austin Goldsbee, da Universidade de Chicago. Existe um amplo consenso no Partido Democrata e também para Obama que o país precisa de um pacote de estímulo da ordem de 2% a 3% do PIB americano para lidar com a questão das hipotecas. Até agora, o pacote de Bush, de 700 bilhões de dólares, ajudou apenas os bancos, que estão sentados sobre o dinheiro e continuam sem emprestar.
Quando esse novo pacote seria aprovado?
Stiglitz - O ideal é que ele seja aprovado o mais rapidamente possível. O Bush continuará presidente até o dia 20 de janeiro e teoricamente ele poderia vetar o pacote. Mas é possível que ele seja mais razoável e diga: se existe um consenso nacional, eu não vou obstruir o caminho. A magnitude da crise pode influenciar sua atitude e de outros membros do Partido Republicano.
O que deve mudar na regulação dos mercados no governo Obama?
Stiglitz - Durante a campanha, Obama deixou claro que nós fomos longe demais na desregulamentação do mercado. Precisamos de um novo sistema regulatório, que aprimore questões relativas à transparência e divulgação de dados. Outro passo importante será a criação de comissões para conferir estabilidade ao sistema financeiro e segurança para produtos do mercado financeiro como os derivativos.
Em Wall Street, há quem diga que mais regulação pode inibir a inovação do mercado financeiro americano, que hoje já sofre uma concorrência significativa da City londrina e das bolsas asiáticas.
Stiglitz - Em grande medida, a inovação implementada pelo mercado americano na última década não aumentou a produtividade. A grande inovação do mercado nas últimas décadas foi o surgimento dos fundos de venture capital que apostam em novas tecnologias, sediados no Vale do Silício. Mas francamente, o que Wall Street andou fazendo foi uma jogatina comparável a dos cassinos, só que apostando com o dinheiro alheio. E enquanto os banqueiros ficavam com os lucros, a imensa maioria dos contribuintes americanos agora tem que pagar o prejuízo.
Logo, essa inovação consistiu basicamente em ocultar operações duvidosas em seus balancetes, de forma que ninguém soubesse o que acontecia, além de conseguir mais descontos para seus impostos. Esse antigo comportamento de Wall Street não é aceitável e certamente teremos novas regras para o mercado. Já uma verdadeira inovação seria aprimorar a forma de administrar os riscos que os investidores correm ao operar nos mercados. Por exemplo: como fazer com que os mutuários continuem a pagar suas hipotecas quando houver um aumento na taxa de juros?
Apesar da crise, o dólar tem demonstrado um grande poder de atrair investidores na busca de ativos considerados seguros pelos mercados globais. Isso o surpreende?
Stiglitz - Não. Os Estados Unidos ainda são a maior economia do mundo e ela certamente vai se recuperar, assim como a economia global. Temos uma enorme dívida em relação ao PIB, mas não é a pior do mundo. Hoje uma das desvantagens dos EUA é a de ser uma grande economia, em função da magnitude da crise. Por outro lado, temos o mais pujante mercado de títulos do mundo e isso explica o interesse de investidores estrangeiros, mesmo em meio à crise. Logo, a ironia é que essa crise, que é made in America e está sendo exportada para todo o mundo, acaba provando a força e credibilidade de nossa economia.
Por que o governo chinês não tem tido um papel mais ativo nas negociações para o resgate dos mercados globais?
Stiglitz - Porque a China ainda é um país emergente, com imensas reservas, mas ainda um país em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, as pessoas sabem que não têm como escapar da crise e isso explica porque o seu governo e os mercados têm sido mais ativos. Mas possivelmente a China não será afetada pela crise da mesma forma que o Brasil, porque eles não abriram seus mercados de capitais da mesma forma que vocês. A questão é saber quantos empregos chineses estão atrelados às exportações e o impacto da crise sobre o desemprego na China. E o fato é que ainda não existe uma boa resposta para essa questão.
O Brasil foi longe demais na liberalização de seus mercados?
Stiglitz - Até mesmo o ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, acabou concluindo que a excessiva desregulamentação dos mercados foi um erro. Creio que o mesmo vale para o Brasil. Provavelmente, seu país foi longe demais, mas é preciso dizer que seu país tem uma boa regulamentação bancária, que pode funcionar como uma rede de proteção para o mercado.
O Obama vai ser um presidente tão protecionista quanto ele prometeu durante a campanha?
Stiglitz - Não creio que o Obama tenha dito que será protecionista. O que ele tem dito é que existem problemas em antigos acordos de livre comércio, como o Nafta. Mas pra falar a verdade, esse não é um verdadeiro acordo de livre comércio, porque ele foi aprovado com cláusulas feitas principalmente por lobistas americanos. No último debate, Obama se referiu à necessidade de revisar o capítulo 11 do Nafta, que trata da questão de cláusulas sobre investimentos. Certamente, Obama será cuidadoso em abordar a questão junto aos canadenses e mexicanos.