Reforma tributária tem risco de dar errado, diz diretor do IFI
Para o economista Felipe Salto, diretor do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, reforma tributária precisa de liderança do governo
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de setembro de 2019 às 10h02.
Última atualização em 16 de setembro de 2019 às 11h07.
São Paulo — Prestes a completar três anos, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado se consolidou como um dos principais "watchdogs" (cães de guarda) fiscais, como são conhecidas as entidades que monitoram as contas públicas e alertam para evitar desvios e aumentar a transparência.
Foi assim com a reforma da Previdência quando ela publicou números sobre o impacto da proposta e ajudou no debate.
À frente da IFI, o economista Felipe Salto alerta agora para a reforma tributária . Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele diz que a reforma tem "altíssimo risco de dar errado" se o ministro da Economia, Paulo Guedes, não assumir o comando. Ele também sugere o rompimento induzido do teto de gastos já em 2019. A seguir, trechos da entrevista.
Nesses três anos, que momento foi decisivo para a IFI ganhar confiança?
Quando dissemos, em 2017, que o contingenciamento tinha de ser de R$ 39 bilhões. Houve uma reação grande da Fazenda, mas o valor se confirmou. Mais recentemente, foi a reforma da Previdência. Fizemos 15 trabalhos. O governo não tinha divulgado ainda. O Rogério Marinho (secretário de Previdência) queria que a gente não divulgasse enquanto o governo não divulgasse. Achavam que os números iriam prejudicar a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). E publicamos.
Os alertas e estudos da IFI mudaram o debate?
Como nosso número é mais conservador, o governo sempre tenta explicar a diferença.
A IFI é um "watchdog" (cão de guarda) financeiro?
Sim. Hoje, são 40 países com esse tipo de instituições. Em 1988, eram quatro. A principal é o CBO (Escritório do Orçamento do Congresso), dos Estados Unidos. Quando chegou a crise de 2008, teve um salto. Em resposta à crise, os países começaram a criar conselhos.
Como a IFI vê o cenário de aprovação da reforma tributária?
A reforma tem um risco altíssimo de dar errado, porque a questão federativa não é simples. O ideal é migrar para o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), mas aí tem de combinar com os 'russos'. O Executivo é o grande player na reforma tributária, porque o Brasil tem um modelo federativo que é muito centralizado. Apesar de ter descentralizado receitas e atribuições, tudo depende da União. Enquanto o Executivo não põe a reforma dele na mesa, o que o Senado e a Câmara estão fazendo é competir. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apresentou uma proposta que é bem desenhada, do economista Bernard Appy, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fez o mesmo, com a do Luiz Carlos Hauly.
Essa disputa não dificulta?
Pode dificultar. A proposta do Senado tem andado mais rápido. Quando for aprovada, vai para a Câmara. Em algum momento, elas vão ser anexadas e terá de haver uma discussão.
A pressão do Senado para o governo não enviar uma proposta e sugerir mudanças por meio de emendas não tumultua?
Tem uma ausência de liderança que precisa estar sendo exercida pelo Executivo, pelo ministro Paulo Guedes, porque esse é um tema típico do Ministério da Economia. Quando a gente vê toda essa turbulência no caso da Receita (com a demissão do secretário, Marcos Cintra), é preocupante.
A saída de Marcos Cintra vai prejudicar a reforma?
Não acho que irá prejudicar, mas tumultua. Qual é a proposta do governo? Ele quer um IVA nacional? Ele quer um IVA federal? Pode atrasar se não tiver logo a nomeação de quem vai liderar esse processo no Congresso. A preocupação é que o Congresso não tem o mandato que o Executivo tem para ter a preocupação com o equilíbrio fiscal. Se deixar o Congresso fazer uma reforma, pode sair qualquer coisa.
Que tipo de coisa?
Pode sair um IVA nacional que preveja compensações, mas que prejudique a receita da União. Quando se fala em reforma tributária, o que o prefeito está pensando? Mais dinheiro da União. É temerário a União não participar do comitê que vai gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será o maior imposto do País.
A CPMF morreu?
Está agonizando, mas não morreu ainda, porque ela tem um poder arrecadatório extremamente alto. Ela prejudicaria muito a economia. A desoneração da folha é uma boa coisa para o mercado de trabalho, mas não há condições de fazer isso hoje. Não podemos abrir mão de receita e substituir pela CPMF. É colocar remendo novo no tecido velho. É um imposto de pior qualidade.
O quadro fiscal é grave?
A situação é gravíssima. Não melhorou quase nada. Apesar do esforço do governo, está se cortando os gastos discricionários, mas as despesas obrigatórias continuam crescendo. As despesas de pessoal e Previdência crescem 2%, 3% e as discricionárias caindo 18%. Se não conseguirmos mexer nos gastos obrigatórios, levaremos o Estado à situação limite que pode chegar ao shutdown (paralisação). Não vai chegar, porque temos mecanismos de controle que serão lançados antes.
O acionamento dos gatilhos de correção, como de gastos com salários, não é tão fácil?
Lembro que com a discussão da regra de ouro (mecanismo que proíbe dívidas para despesas correntes) foi a mesma coisa. O jurídico e alguns consultores também disseram que era impossível descumprir e se achou um caminho. Com o teto de gasto vai ter que ser a mesma coisa. O governo vai ter que achar uma solução que viabilize o descumprimento.
Qual seria?
O teto de gasto deve ser preservado ao máximo. Poderia, por exemplo, induzir o rompimento do teto de gastos executando restos a pagar de investimento, pagando. O rompimento em 2019 seria uma alternativa para preservar o teto. Teria de aumentar em R$ 40 bilhões a meta de déficit para este ano. Ao descumprir o teto, os gatilhos serão acionados.
Os gatilhos previstos são bons?
Eles são fortes, sim. O teto de gastos será rompido em 2022, pelo nosso ultimo cenário. Se ele for rompido, a despesa de pessoal, que é de 4,1%, cairia para 2,5% do PIB em 2030.