Privatização alivia, mas não resolve as contas públicas
Para Armando Castelar, economista da FGV, situação fiscal do país é ruim "mesmo que o resto esteja caminhando em uma direção boa"
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de agosto de 2017 às 11h22.
Última atualização em 28 de agosto de 2017 às 12h36.
São Paulo - Para o economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, a recuperação da economia não é pontual, mas o desarranjo das contas públicas, caso não seja resolvido logo, pode levar o País a semear uma nova crise. Ele lembra que medidas como o pacote de privatizações anunciado pelo governo na última semana alivia a situação do Tesouro, mas não resolve a questão. Leia, a seguir, trechos da entrevista.
O governo tem se esforçado para transmitir a ideia de que a recuperação econômica é consolidada. A retomada é sólida?
Não é pontual. De maneira geral, vemos algumas indicações de que as coisas estão melhorando. Em setores como a construção civil, a recuperação é mesmo mais lenta, mas podemos dizer que a recuperação está andando. Isso é perceptível na indústria, no comércio, no setor de serviços, um pouco no mercado de trabalho, já há alguma melhora na concessão de crédito. E tem ainda um fator auxiliar, que é a queda contínua dos juros.
Mas os economistas ponderam que ainda não está tudo bem...
A recuperação cobra que duras medidas fiscais ainda sejam feitas. A economia vive hoje um paradoxo. Os indicadores estão bons, as reservas estão em boa situação, os salários reais, apesar do desemprego alto, estão aumentando. Mas a situação fiscal é muito ruim, mesmo que o resto esteja caminhando em uma direção boa. Estaremos semeando uma nova crise se nada for feito.
Por que a velocidade da recuperação é mais lenta do que as estimativas anteriores do governo?
A recuperação é lenta por uma combinação de fatores. Em primeiro lugar, as empresas ainda estão muito alavancadas, embora a tendência seja de que, com os juros caindo, a situação de endividamento das empresas melhore. O segundo problema é que a contração fez as empresas trabalharem com muita capacidade ociosa. Este ano, o investimento tende a cair em relação a 2016. Quem está endividado e tem ociosidade demora a investir. Há ainda muita incerteza, o que tem postergado investimentos. A primeira medida importante para alavancar o crescimento é reduzir as dúvidas sobre a capacidade de o governo resolver o nó de suas contas. A equipe econômica vem tentando isso, com a reforma da Previdência, por exemplo.
A crise política, que conturbou a discussão das reformas, ajudou a atrasar a recuperação?
A reforma da Previdência é central na melhora das contas do País, e a crise política causa um efeito muito ruim nesse sentido. Havia uma dinâmica apontando para que a reforma andasse no começo do segundo semestre, mas a instabilidade de Brasília aumentou a incerteza, afastou isso. No lado positivo, a crise política acabou tendo um impacto muito pequeno nos preços dos ativos. A crise teve impacto, mas foi amortecido, porque os indicadores se manifestaram de uma maneira suave.
A revisão do déficit para este ano e os próximos teve um impacto negativo na confiança depositada na equipe econômica?
Em partes. Simbolicamente, foi uma decisão com consequências duras, pois uma dinâmica que já era preocupante ficou mais preocupante. Só que quem acompanhava os números percebia que seria inevitável revisar o déficit. De certa forma, o governo até manobrou bem a questão, ao criar um factoide de que a revisão do déficit poderia ser pior do que acabou sendo. Mas é óbvio que é ruim para aquele investidor estrangeiro que acompanha o País mais de longe. É curioso a gente viver essa situação de uma certa calmaria nos preços dos ativos, em um País em que a dinâmica fiscal é tão ruim. É o desafio de entender essa psicologia do mercado.
O pacote de privatizações do governo vai aliviar as contas?
Alivia, mas não resolve. Do ponto de vista do Tesouro, vai ser eliminado o dreno de recursos, mas não é trivial fazer uma privatização desse tipo, tem uma série de questões que precisam ser bem amarradas. Mas é positivo pelo lado fiscal. O setor público às vezes não só não tem recursos, como não tem capacidade de gestão.
O Brasil corre o risco de ter um novo corte pelas agências de classificação de risco?
Sim, as agências nos olham com desconfiança. Num horizonte mais longo, se o ambiente externo ficar menos favorável do que está agora, de forma a estressar preços e câmbio, podemos ter um novo rebaixamento. No curto prazo, ainda com juros em queda e recuperação da economia, talvez as agências esperem um pouco para ver como a recuperação cíclica vai ter impacto nas receitas tributárias, já que uma parte do déficit vem de a economia ter se contraído.
A recuperação mais robusta deve ficar para o ano que vem?
Sim. O ano que vem pode ser de surpresa, de crescimento do PIB acima de 2%. Todo o ambiente de crescimento da América Latina deve nos ajudar a crescer um pouco mais no ano que vem também. A construção civil também deve começar a reagir, a juros mais baixos, o que é bom para o mercado imobiliário e pode até puxar a economia para cima, com alguma liderança. Tem setores que também foram muito mal, como o comércio e transportes, que podem ter um crescimento mais forte em 2018.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.