Greve dos caminhoneiros: nem todas as perdas são recuperáveis (Nelson Almeida/AFP)
João Pedro Caleiro
Publicado em 31 de agosto de 2018 às 12h09.
Última atualização em 31 de agosto de 2018 às 19h04.
São Paulo - Os dados do PIB do 2º trimestre divulgados nesta sexta-feira (31) lançam luz sobre uma incógnita econômica: o nível de impacto da paralisação dos caminhoneiros do final de maio.
"Com certeza houve um efeito. Um exemplo clássico é a indústria de transformação, importante para o conjunto. Ela teve dados bons em abril e tinha uma projeção razoável para maio e junho, antes da greve", diz Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV.
No final, a Indústria de Transformação acabou recuando 0,8% no trimestre. Outros setores afetados pela greve que também tiveram queda foram Transporte, Armazenagem e Correio (-1,4%) e Comércio (-0,3%). Já as exportações recuaram 5,5%.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, calcula que o PIB poderia ter sido o dobro do registrado sem a greve, na linha dos 0,4% do 1º trimestre.
Ele nota que há uma melhora estrutural da economia a cada trimestre, ainda que o ritmo geral de recuperação seja decepcionante.
"Não é um desastre, mas é um PIB fraco. O crescimento não está nada robusto e ainda estamos em um contexto de muita volatilidade e piora do cenário internacional", diz Silvia.
As crises da Turquia e da Argentina, assim como o risco de guerra comercial, causaram aversão ao risco nos mercados e pressionaram as moedas de países emergentes. No caso da Argentina, também há um efeito via comércio bilateral.
"As projeções mais recentes sinalizam retração do PIB argentino neste ano de 2018, desempenho bem diferente daquele esperado até março (alta próxima de 3%)", escreve Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, em nota.
O consumo das famílias, responsável por 64% do PIB do lado da demanda, seguiu em alta: 0,1% na comparação trimestral e 1,7% na comparação anual.
Os dados mais recentes também são relativamente positivos, como os de vendas de veículos novos subindo dois dígitos.
"Consumo é essencialmente confiança e o consumidor parece que viu a greve como um elemento que não afeta sua perspectiva. A pessoa continua comprando automóvel, um bem durável e pago a prestações, num ritmo semelhante ao de antes da greve", diz Vale.
Também há fatores estruturais, como inflação e os juros baixos, e conjunturais, como a liberação do PIS/Pasep. No entanto, o mercado de trabalho segue em uma recuperação muito lenta.
Os dados de desemprego divulgados nesta quinta-feira (20) mostram que a taxa medida pela Pnad Contínua caiu para 12,3% nos três meses até julho, abaixo dos 12,8% do mesmo período de 2017. No entanto, o desalento bateu recorde, com muita gente desistindo de tentar uma recolocação no mercado.
Para o 3º trimestre, a projeção é que a economia siga crescendo mais ou menos no mesmo ritmo ou até um pouco mais, já que a base de comparação é fraca e parte das perdas com a greve são compensadas.
Mas um ritmo de retomada mais claro só será definido a partir do resultado das eleições e uma maior clareza sobre o andamento da agenda de reformas e da trajetória da dívida brasileira.
No momento, o compasso é de tensão, com piora no mercado financeiro e dólar superando taxas históricas diante das últimas pesquisas eleitorais.
"Um mercado de trabalho fraco e o aumento das incertezas políticas e de políticas públicas antes da eleição decisiva de outubro de 2018 estão deixando os agentes domésticos mais defensivos", escreve Alberto Ramos, chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, em nota.
O FGV/Ibre revisou a projeção do PIB de 2018 de 1,7% para 1,5%. A MB Associados projeta um número levemente maior: 1,6%.