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Políticas não devem fortalecer status quo, diz Jens Arnold

Representante para o Brasil da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Jens Arnold dá sua receita para a volta do crescimento no país

Jens Arnold, representante para o Brasil da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Divulgação/ Câmara Espanhola)

João Pedro Caleiro

Publicado em 5 de março de 2016 às 07h00.

São Paulo - Ajuste fiscal, abertura comercial, melhora do ambiente de negócios e mais concorrência.

É esta a receita de crescimento para o país feita pelo alemão Jens Arnold, representante para o Brasil da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE ).

O Brasil não está entre os 34 países do grupo (em sua grande maioria desenvolvidos), mas se aproximou no ano passado com um novo acordo de colaboração.

Em fevereiro, a OCDE lançou um relatório com dá várias sugestões para incentivar o crescimento e não incluiu o país entre aqueles que seguem seu receituário.

No Brasil para um evento da Câmara Espanhola sobre inserção brasileira no mundo e gestão de grandes empresas, Arnold conversou com EXAME.com na última quarta-feira.

Veja os principais trechos:

EXAME.com – O mundo está preocupado com o Brasil, mas tem quem ache que com dólar alto, alguns ativos estão baratos considerando o longo prazo. Como está a visão do Brasil de fora?

Jens Arnold – Todo mundo sabe que o Brasil é um mercado grande e importante, com muito potencial. As perspectivas gerais são positivas, mas o cenário atual é complexo.

Estamos numa recessão e olhando para o futuro imediato, é difícil encontrar o consenso político para formular as políticas que o Brasil precisa para melhorar as contas fiscais, lutar de maneira decisiva contra a inflação, melhorar o clima de negócios, reduzir os custos de observância com impostos e se abrir mais para a economia global, além de reformar o sistema previdenciário, necessário para assegurar a sustentabilidade das contas públicas.

Esse momento de muito conflito não cria as melhores condicões para essas decisões serem tomadas. O Brasil precisa deixar as dificuldades polÍticas para trás e pensar no que vai precisar para os próximos 10 ou 15 anos.

EXAME.com – Você falou do Brasil se abrir para o mundo. A quantas anda o acordo entre Mercosul e União Europeia?

Jens – Eu não conheço os detalhes das negociações, mas acho que ele seria muito útil para o Brasil: um bom primeiro passo de abertura ao mundo, mas que seja seguido por outros.

EXAME.com – O começo de ano foi turbulento para os mercados globais, em especial pelo medo de uma desaceleração brusca demais da China. Onde fica o Brasil nessa história?

Jens – Há riscos e transformações acontecendo, algumas delas com efeitos importantes para o Brasil – como nos preços de commodities, na estrutura da economia chinesa e na política monetária nos EUA.

Mas a chave para o Brasil é resolver as questões domésticas e formular políticas para o futuro e que tragam confiança aos mercados. O mundo é importante, mas a agenda doméstica é mais.

EXAME.com – O que você colocaria nessa agenda doméstica? Quais reformas?

Jens – No curto prazo, é importante dar confiança de que as politicas macroeconômicas vão ser bem sucedidas como já foram.

O Brasil tem um passado positivo de governança de politica fiscal, por exemplo, e agora é importante implementar um ajuste crível e significativo que daria um sinal muito positivo ao mercado e poderia levar a uma recuperação importante da confiança.

Também tem a inflação. Ela está encolhendo e voltando para a meta, então pode se resolver com o tempo, mas uma politica monetária que assegure isso também seria muito importante.

Além disso tem a agenda estrutural, com todas as politicas que levariam a uma melhora do clima de negócios: reduzir o Custo Brasil , melhorar os incentivos e tornar mais fácil para as empresas operarem no país.

EXAME.com – O Brasil assinou no ano passado um tratado de entendimento para melhorar a cooperação com a OCDE. Qual é a importância disso?

Jens – Esse acordo foi muito importante para estreitar a relação porque colocou sobre um fundamento firme e formalizou a colaboração que já existe.

Isso permite focar nos elementos mais úteis para o Brasil, onde a OCDE pode ajudar a trazer respostas para as questões de política econômica. Foi um bom primeiro passo.

EXAME.com – Muito se fala de aumentar nossa taxa de pesquisa e desenvolvimento, mas várias iniciativas foram feitas e muito dinheiro gasto sem êxito. O que precisa mudar na abordagem?

Jens – É preciso pensar na consistência das diferentes políticas. Olhando só para essa área, realmente as ferramentas não são tão diferentes do que se faz nos países da OCDE: apoio direto, incentivos fiscais, etc.

Mas o que realmente leva as empresas a gastarem não é uma redução marginal do custo de fazer pesquisa e desenvolvimento, é ter que inovar para ser melhor do que o seu competidor. E para isso o Brasil precisa fortalecer a concorrência em muitos setores, e uma forma de fazer isso é com mais abertura à economia global.

Além disso, reduzir as barreiras de entrada e para abertura e fechamento de empresas. Isso facilita a realocação de recursos das empresas não tão produtivas para as mais produtivas. Nos países avançados, isso é parte importante do crescimento da produtividade.

Nossos estudos mostram que aqui a concorrência é relativamente baixa em muitos setores e essa realocação não funciona tão bem. Isso tem a ver com também com as politicas industriais, que se não forem desenhadas com muito cuidado, podem cimentar o status quo.

EXAME.com – A recuperação do Brasil passa necessariamente por uma reindustrialização?

Jens – O Brasil é um país de renda média, mas com participação da indústria no PIB semelhante a países de renda baixa ou alta. Isso tem a ver com elementos de políticas públicas. A preocupação não deveria ser industrializar o país à força, mas melhorar o clima.

Se ficar menos custoso produzir no Brasil – e nisso o novo patamar do câmbio pode ajudar – o setor privado vai encontrar oportunidades industriais e para fazer mais.

São Paulo - Os números da economia brasileira divulgados hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pintam um cenário sombrio. Depois de ficar praticamente estagnado em 2014, o PIB (Produto Interno Bruto) recuou 3,8% em 2015, o pior resultado desde 1990. "Nossa recessão começa a adquirir características de depressão econômica, marcada por 2 anos ou mais de contração, ou por queda de 10% ou mais do PIB per capita. Não é uma contração típica: ela é ampla, profunda e prolongada", diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. 2016 pode ser ainda pior mesmo com alguma melhora significativa no cenário político, uma das principais raízes da crise. O carregamento estatístico faz com que a recessão de 2016 já esteja contratada mesmo que a economia pare de cair. A última vez que o Brasil teve dois anos seguidos de recessão foi em 1930 e 1931, resultado do crash de 1929 e suas repercussões globais. "Não vemos muita luz no fim do túnel no curto e médio prazo. A incerteza está muito grande e os níveis de confiança estão muito baixos, tanto dos consumidores quanto dos empresários", diz Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. O último Boletim Focus prevê queda de 3,45% em 2016 e "recuperação" de 0,5% em 2017. A MB Associados espera algo no intervalo entre -3,8% e -4,9% este ano e o IBRE estima nova queda de 0,7% em 2017. Veja a seguir 5 gráficos que resumem os resultados do PIB divulgados hoje pelo IBGE:
  • 2. PIB e PIB per capita

    2 /7(IBGE)

  • Veja também

    O PIB per capita fechou 2015 em R$ 28.876, o que representa uma queda de 4,6% em relação a 2014, quando já havia recuado 0,8%.  Ele costuma ficar cerca de um ponto percentual abaixo do crescimento econômico, já que leva em conta também o aumento da população. Veja a média de crescimento do PIB brasileiro por governo:
    GovernoCrescimento
    FHC 12,5%
    FHC 22,2%
    Lula 13,5%
    Lula 24,7%
    Dilma I2,2%
    E por década:
    DécadaTaxa média
    1961-19706,2%
    1971-19808,6%
    1981-19901,6%
    1991-20002,5%
    2001-20103,7%
    2011-20151%
  • 3. Oferta

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  • "A única coisa que continua segurando alguma coisa do lado da oferta é a agropecuária, mas com um impacto relativamente pequeno e não suficiente para fazer um contrapeso a serviços", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Indústria e comércio são os grandes afetados por uma combinação explosiva de falta de confiança, agravada pela crise política, com queda do crédito e da renda em um momento de desemprego e inflação em alta. "Por erros cometidos no passado de politica econômica, chegamos a esta recessão. As empresas não investem, o desemprego aumenta, daí as famílias consomem menos, afetando o comércio. Ao mesmo tempo, a inflação não está na meta desde 2009, o que corrói o poder de compra", diz Marcel. O governo havia deixado vários preços administrados (como luz e gasolina) congelados por muito tempo e se viu pressionado a liberar tudo de uma vez. Isso ajudou a levar a inflação em 2015 para 10,67%, maior nível desde 2002. Inflação e desemprego são os componentes da "infelicidade" da população, índice que está disparando por aqui. A previsão do IBRE/FGV é que o desemprego medido pela PNAD Contínua, que foi de 6,8% em 2014, pule para 11,8% em 2016 e 13,1% em 2017.
  • 4. Demanda

    4 /7(IBGE)

    O investimento (FBCF, no gráfico) começou a ceder antes, mas eventualmente acabou batendo no consumo das famílias, que permaneciam positivos há mais de uma década. "A novidade em relação a outros momentos é o consumo das famílias e os serviços caírem nessa proporção. Eles costumam ser mais resilientes, como foi na recessão de 2009", diz Sérgio Vale. O consumo do governo, responsável por cerca de 20% do peso, já começou a contribuir negativamente para o PIB. A deterioração das contas públicas nos últimos anos comeu a margem que poderia ser usada agora para estimular a economia. Em outras palavras: o governo poderia ser parte da solução, mas como não se preparou, virou parte do problema. "Sempre que tem ajuste fiscal você tem queda do consumo do governo. O problema é que o fiscal é um dos elementos da crise. Você não tem espaço para fazer um estímulo - em 2008 o fiscal era elemento de auxilio, agora é de empecilho", diz Vale.
  • 5. Setor interno e externo

    5 /7(IBGE)

    "Se não fosse a contribuição do setor externo, o PIB teria uma queda ainda maior. E essa contribuição ainda está muito calcada na queda abrupta das importações, causada mais pelo recuo do consumo e do investimento do que pelo efeito de maior preço com a mudança de patamar no câmbio", diz Ramos. O Brasil tem a economia mais fechada do G-20 e as exportações representam apenas 12% do nosso PIB, então o impacto disso é limitado. Além disso, a demanda do mundo não está em um de seus melhores momentos. Ainda assim, a contribuição do setor deve seguir positiva. A balança comercial brasileira teve superávit de US$ 3 bilhões de dólares em fevereiro, recorde para o mês, e a previsão de superávit no ano subiu para US$ 40 bilhões, segundo o Boletim Focus. Se não fosse por isso, a "sensação térmica" da crise seria ainda maior aqui dentro, disse recentemente Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco.
  • 6. Taxa de investimento e poupança

    6 /7(IBGE)

    A formação bruta de capital fixo (o investimento) no Brasil é muito baixa como proporção do PIB na comparação com outros emergentes, e aumentar este número é central para turbinar nosso potencial de crescimento. É por isso que assustam os resultados divulgados hoje: o investimento cai há 10 trimestres consecutivos e no último trimestre de 2015 recuou 18,5% em relação ao mesmo período de 2014. "É algo extraordinário. A força de trabalho precisa de capital para ser produtiva. O estoque de capital está encolhendo, e isso vai afetar a produtividade e a capacidade da economia de responder quando a economia se estabilizar", diz Ramos. Em 2 anos, o investimento perdeu 2,7 pontos percentuais em relação ao PIB. Como 90% dos gastos do governo são engessados por lei, os investimentos são sempre as primeiras vítimas dos cortes orçamentários, o que só agrava esse processo.
  • 7 /7(Artur Igrecias/ Divulgação RedeTV!)

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