Economia

Pascal Lamy: saldo de Trump no comércio global é totalmente negativo

Ex-diretor geral da OMC critica as tarifas de Trump e acredita que a rivalidade com a China deve perdurar mesmo com a eleição de Biden

Pascal Lamy: francês comandou a Organização Mundial do Comércio de 2005 a 2013 (Sajjad Hussain/AFP)

Pascal Lamy: francês comandou a Organização Mundial do Comércio de 2005 a 2013 (Sajjad Hussain/AFP)

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Fabiane Stefano

Publicado em 19 de outubro de 2020 às 11h11.

Última atualização em 19 de outubro de 2020 às 11h14.

O fracasso da política comercial de Donald Trump é claro, apesar de o presidente dos Estados Unidos ter conseguido colocar na mesa a questão da reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), disse o francês Pascal Lamy, ex-diretor da entidade, em entrevista à AFP.

Lamy liderou de 2005 a 2013 a OMC, que está na mira de Donald Trump desde que ele assumiu o poder.


P: Qual é o saldo da política comercial de Donald Trump?

R: O saldo é negativo em todos os aspectos, exceto em sua defesa a favor de uma reforma da OMC, embora ele apenas a visse, obviamente, no sentido dos interesses dos Estados Unidos. Seu objetivo inicial era reduzir o déficit comercial, o que é uma ideia estúpida, já que o déficit americano se explica pelo fato de os americanos economizarem pouco e consumirem muito, além de terem aquele privilégio extraordinário chamado "dólar", que lhes permite viver com crédito nas costas do mundo.

Por outro lado, ele baixou muito os impostos, então estimulou o consumo e, portanto, as importações. Resultado: o déficit é de 800 bilhões de dólares, nunca foi maior desde 2008. Além disso, Donald Trump penalizou a competitividade americana com suas tarifas de importação, seja na agricultura, na indústria automotiva com suas tarifas de aço ou pela proibição de abastecer os chineses de semicondutores americanos.

O seu fracasso também se deve ao fato de ter considerado o caso chinês, que é uma questão real, uma questão bilateral. Ele não deixou os europeus participarem das discussões e deu crédito à ideia de que a China deveria comercializar menos com o mundo. No entanto, uma China autárquica seria mais perigosa.

P: E sobre a OMC? 

R: Trump popularizou a ideia de que a OMC precisa modernizar algumas de suas regras, que datam da década de 1990. Hoje, se alguém quer contestar um subsídio de um parceiro que, em sua opinião, distorce a concorrência, as regras da OMC exigem provas muito difíceis de obter.

Devemos explicar aos chineses que se não aceitarem um endurecimento das regras, vamos tomar medidas que compensem essas vantagens indevidas (as ajudas estatais às exportações) e que, assim, perderão os mercados abertos até agora. Isso os fará refletir, porque eles querem se juntar ao mundo e contar. Além disso, o debate ocorre mesmo na China, as empresas privadas exigem que o Estado seja neutro no campo da concorrência. Esse debate deve ser encorajado por nós, ocidentais.

Mas também devemos reconhecer que cometemos um erro coletivo há 20 anos. A reforma dos subsídios estava na pauta do programa de reforma da OMC lançado em Doha em 2001, mas nem os europeus, nem os americanos, nem os japoneses entraram em ação, porque, ao colocar a questão das ajudas estatais sobre a mesa, os governos poderiam chamar a atenção para seus próprios regimes de subsídios, por exemplo, para a Boeing ou a Airbus.

P: O que acontecerá se Joe Biden for eleito? 

R: Os Estados Unidos retornarão à mesa de negociações. Não vai retroceder nas tarifas imediatamente, porque a AFL-CIO (a maior federação sindical) é a favor, mas em relação à China, eles vão adotar uma atitude menos agressiva. E isso provavelmente também melhorará o relacionamento transatlântico.

Por outro lado, a rivalidade geopolítica entre os Estados Unidos e a China perdurará, especialmente no campo da tecnologia: a música não mudará, mas sim a forma de tocá-la.

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