Economia

Para onde vai a economia brasileira, segundo Otaviano Canuto

Assessor-sênior do Banco Mundial explica a lógica por trás do ciclo virtuoso do país e como podemos caminhar para um novo modelo de crescimento


	Conselheiro e ex-vice presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto, em visita ao Brasil em 2011
 (Agência Brasil)

Conselheiro e ex-vice presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto, em visita ao Brasil em 2011 (Agência Brasil)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 13 de dezembro de 2013 às 17h23.

São Paulo - Poucos conseguem radiografar e apontar novos caminhos para a economia brasileira com a clareza e a propriedade de Otaviano Canuto.

Ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, ex-professor da Unicamp e ex-vice presidente do Banco Mundial, Canuto é hoje assessor-sênior do banco para economias em desenvolvimento.

Seu nome já circulou inclusive como sugestão para substituir Guido Mantega.

Em São Paulo para um evento sobre Gestão Pública Contemporânea promovido pelo Banco Mundial com a Fundação Dom Cabral, Canuto conversou com EXAME.com. Veja os principais trechos da entrevista:

Sobre a eficiência do gasto público:

“No Brasil, a parcela dos gastos públicos no PIB é alta em comparação até mesmo com os emergentes na mesma faixa de renda. E tem esse paradoxo: em um ano em que o governo aumenta os salários, o o PIB cresce porque aumentou a parcela do gasto público.

O Banco Mundial fez um trabalho de comparação com 40 países tomando Singapura como referência de eficiência na área de educação e saúde. Com isso, foram corrigindo o PIB de acordo com a eficiência do uso dos recursos. O PIB português, por exemplo, deveria ser ajustado 7,8% para baixo; o brasileiro, 4,2%”. 

Sobre o Bolsa Família:

“O Bolsa Família tem elevada eficácia em relação ao custo: com 0,5% do PIB, o impacto é maior do que o de programas equivalentes que custariam muito mais.”

Sobre pobreza e desigualdade:

“A história de sucesso do Brasil vai muito além dos mecanismos de transferência condicionada de renda. Os dados da PNAD mostram que a transformação na base da pirâmide é estrutural e estável. Melhorou o acesso à educação e a mudança demográfica está ajudando a manter a dinâmica do mercado, que explica o grosso da redução da pobreza e da melhora na distribuição de renda.”

Sobre o ciclo das commodities:

“Em um país como o nosso, no qual a riqueza natural é em parte agrícola, esses efeitos de preço de commodities e de melhora de termos de troca repassam para uma parcela maior da população do que se fosse, por exemplo, uma riqueza só de petróleo ou de minério de ferro, que é concentrada geograficamente e em algumas empresas. O período de ascensão dos preços agrícolas ajudou a dinâmica econômica no interior do pais, mas tinha hora pra acabar.”

Sobre o esgotamento do modelo de crescimento:

“O padrão de crescimento que o país exibiu por uma boa temporada, principalmente entre 2004 e 2008, em que os salários nominais cresceram acima da produtividade, não dá mais o mesmo resultado.

Enquanto havia desemprego, o pais podia viver uma dinâmica virtuosa em que aumento dos salários reais levava ao aumento da demanda agregada, que por sua vez aumentava o nível de emprego, que aumentava salários, e assim por diante.

A resposta anti-cíclica do setor público em 2008 e 2009, como não poderia deixar de ser, repetiu os instrumentos que estavam funcionando antes. Aquele PIB altíssimo de 2010 foi uma espécie de ultimo fôlego do padrão de crescimento anterior.”


Sobre o comportamento dos diferentes setores:

“A evolução dos salários acima da produtividade tinha efeitos diferentes sobre os 3 setores. O de serviços pode repassar para o consumidor o aumento dos salários, e por isso os preços de serviços no pais estouraram.

O de bens associados a commodities podiam suportar salários maiores porque os preços internacionais de seus produtos também cresciam.

O setor de bens comercializáveis enfrenta concorrência externa e não podia repassar custos – e se tivesse, a inflação teria estourado há muito tempo atrás. Então o que aconteceu na indústria manufatureira foi uma compressão monstruosa na margem de lucro.”

Sobre a dificuldade de fazer a transição para um modelo mais baseado em investimentos:

“A dificuldade é porque a lógica muda, e é sempre mais fácil pra alguém de fora do governo traçar um mapa e dizer para fazer isso ou aquilo: eles tem a pressão, a eleição, etc.

Me parece que o governo agora está justamente assumindo e começando a implementar aquilo que seria necessário pra um novo modelo, ainda que tenha tomado um tempo que eu e muitos outros gostaríamos que tivesse sido mais curto.

O processo está na direção correta, mas é lento e ainda vai tomar algum tempo. O caminho é elevar a proporção de investimento no PIB e pra isso vai ser fundamental elevar o investimento em infraestrutura, porque sem ele o investimento privado não acontece”

Sobre as concessões:

“O governo pouco a pouco se deu conta de que não tem capacidade nem financeira nem gerencial de tomar conta de todo o investimento na infraestrutura, e que isso exigiria uma atualização da regulação que rege a relação entre setor público e privado.

No começo achavam que ia dar certo a Infraero ficar com 51% [de participação nas concessões], até que o setor privado falou “eu, sócio da infraero? Nem a pau!” e agora chegaram no sucesso.”


Sobre o impacto das concessões em 2014:

“Tem um atraso maior porque os efeitos deles em termos de melhora da produtividade do setor privado, redução de custos de logística, viabilização de outros investimentos privados, etc, não acontecem imediatamente – não estamos falando de 2014. 

E o grande efeito destes investimentos não é na demanda, e sim na capacidade de oferta. A demanda agregada está acima da capacidade de oferta, e é por isso que se tem déficit comercial crescente e uma inflação que resiste a baixar e só não é mais alta porque alguns preços administrados estão sendo seguros.”

Sobre a redução dos estímulos:

“A desativação dos estímulos também tomou muito tempo - aliás, alguns ainda se mantém, como o crédito via Caixa. A resposta anti-ciclica via BNDES foi fantástica, e que bom que o país tinha esse mecanismo para ocupar o vazio deixado pela saída dos bancos privados, mas não adiantava repetir a dose. Agora, é compreensível que a redução seja gradual, porque já se tem um grau de compromisso de projetos.”

Sobre a questão fiscal:

“Há motivos para se imaginar que o ritmo com qual o gasto público vem crescendo nos últimos anos não seja sustentável com o PIB crescendo a 2% ou 2,5%. A despesa vem crescendo a 4% - como vai ser difícil fazer o PIB crescer 4% imediatamente, vamos nos defrontar com a necessidade de um ajuste fiscal.”

Sobre os BRICS:

“Essa divisão não deve ser vista de forma estanque; os BRICS não são um grupo homogêneo ou das únicas economias emergentes importantes. Só vale manter o título BRICS na medida em que exista uma agenda conjunta desses países.“

Acompanhe tudo sobre:Banco MundialBricsCompetitividadeConcessõesCrescimento econômicoCusto BrasilDesempregoDesenvolvimento econômicoeconomia-brasileiragestao-de-negociosIndicadores econômicosInvestimentos de governoPIBPIB do BrasilPobrezaPolítica fiscalPolítica salarialPrivatizaçãoprodutividade-no-trabalhoreformasrenda-pessoal

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor