Os 10 maiores riscos de 2016 (incluindo Brasil) pela Eurasia
A crise no Brasil, líderes imprevisíveis e o fechamento da Europa estão entre os principais perigos do ano que começou, segundo a consultoria Eurasia Group
João Pedro Caleiro
Publicado em 5 de janeiro de 2016 às 05h00.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 16h41.
Desde a Segunda Guerra Mundial, o sistema global é sustentado por algumas instituições construídas de forma conjunta por Estados Unidos e Europa : pense nas Nações Unidas, no FMI, na OTAN, na OMC, etc. Só que o mundo mudou nas últimas décadas. Atores importantes despontaram na margem do sistema (como a China) enquanto os Estados Unidos oscilavam entre o unilateralismo de Bush e o comedimento de Obama. Esta tensão não resolvida deve esquentar com a eleição deste ano. Já a Europa hesitou, se voltou para dentro e foi capturada por medos e populismos. O crepúsculo de Angela Merkel e a possibilidade de saída do Reino Unido da União Europeia dão margem para novas alianças, e isso fica claro nas divisões sobre como lidar com Ucrânia, Síria e outros problemas globais. "Europeus e americanos vão cada vez mais ir para seus caminhos separados. Padrões comerciais e alianças políticas vão divergir. O risco mais importante diz respeito ao sistema de segurança global. Simplesmente não há mais qualquer tipo de "bombeiro" (...) Pensou que o Oriente Médio foi problemático em 2015? Isso garante que ele vai piorar", diz o texto da Eurasia.
"As divisões da Europa não são nada novo. Elas definiram os desafios europeus por décadas. Mas em 2016, atingirão um novo ponto crucial na medida em que emerge uma crise de identidade entre a Europa aberta e a Europa fechada - e uma combinação de desigualdade, refugiados, terrorismo e pressões políticas de base estabelecem um desafio fundamental aos princípios nos quais o bloco foi fundado", diz a Eurasia. A Europa superou (até certo ponto) a crise do euro e está até voltando a crescer, mas as forças de fragmentação podem ser fortes demais para serem contidas. O continente envelhece e precisa mudar seu perfil demográfico, mas hesita em aceitar refugiados. Enquanto isso, populistas à direita e à esquerda exploram a narrativa da decadência e conseguem despontar usando a união como bode expiatório. Some a isso o terrorismo, o possível fim da utopia das fronteiras abertas e o enfraquecimento da mão firme de Merkel na Alemanha e temos uma Europa cada vez mais fechada - e também mais fraca.
As últimas décadas viram uma explosão vertiginosa da importância da economia chinesa para o mundo. Ela já é a maior do mundo em paridade de poder de compra, teve papel decisivo na queda da pobreza mundial e move globalmente fatores como o preço das commodities. Mais recentemente, a China passou a traduzir essa relevância em atuação geopolítica, mexendo com o xadrez global. Só que a economia chinesa está mudando ao mesmo tempo em que desacelera, e ninguém sabe de exatamente de qual forma e em qual grau. "Muitos países no mundo inteiro já reconhecem que a China é o mais importante e o mais incerto ator para uma longa variedade de questões críticas. Isso está enervando aqueles que estão mais expostos a China do que nunca, mas não estão prontos para esta mudança, não entendem ou concordam com as prioridades chinesas, e não saberão como reagir ao novo estado das coisas", diz a Eurasia.
"O Estado Islâmico é a organização terrorista mais poderosa do mundo. As respostas internacionais a sua ascensão são inadequadas, mal direcionadas ou contraditórias. Em 2016, este problema se provará insolúvel, e o EI e outras organizações terroristas vão tirar vantagem disso", diz o texto da Eurasia. De acordo com a consultoria, a reação militar pode até tirar território do EI, mas terá efeito limitado já que o grupo criou raízes que vão além de Iraque e Síria, além de responder aos anseios e frustrações de vastas populações sunitas oprimidas. A resposta hostil da Europa aos refugiados e as divergências entre os grandes poderes sobre como criar uma solução política para a guerra da Síria também deve fortalecer tanto o EI quanto outros grupos do tipo.
O preço do petróleo está em queda livre e isso não é nada confortável para a maior economia do Oriente Médio , a Arábia Saudita. O país pode quebrar em poucos anos, segundo o FMI, e está se mexendo para taxar seus cidadãos pela primeira vez. Outro problema é de política interna: "O rei Salman se moveu para empoderar seu filho de 30 anos, Mohammed bin Salman, quase que certamente o preparando para ser seu sucessor, aumentando a frustração dos competidores dentro da família real", diz a Eurasia. E não acaba aí: a Arábia Saudita está tendo que lidar com a reabilitação econômica e política do seu rival histórico, o Irã, com quem acaba de cortar relações diplomáticas após um ataque contra sua embaixada em Teerã (outros países a seguiram).
A tecnologia tem um papel cada vez maior na nossa vida, e não por acaso gerou uma nova geração de atores influentes (como o grupo Anonymous ) e uma série de bilionários : pense em Mark Zuckerberg, Sergey Brin, Jack Ma, Jeff Bezos e tantos outros. Esta turma quer cada vez mais poder político, o que não é um problema em si mas gera incertezas. Por exemplo: o que significa para os EUA quando o Facebook corteja o governo da China? Que tipos de candidatos eles pretendem financiar e que tipo de política pública vai surgir disso? "Governos testemunhando essa evolução vão certamente jogar junto quando verem vantagens. Porém mais frequentemente do que não, a ascensão política dos 'tecnologistas' vai criar conflitos entre centros concorrentes de poder", diz a Eurasia.
A Eurasia recomenda que neste ano, você lembre de 4 nomes: Vladimir Putin (presidente da Rússia), Tayyip Erdoğan (presidente da Turquia), Petro Poroshenko (presidente da Ucrânia) e bin Salman (na linha de sucessão da monarquia da Arábia Saudita). O que eles tem em comum? Todos são líderes de atuação errática com histórico de criação de crises internacionais e necessidade de autoafirmação. Pior: todos são atores centrais em uma ou em várias crises do mundo atual, tal como a ascensão do Estado Islâmico. "Estes líderes imprevisíveis fazem nossa lista este ano porque suas intervenções se sobrepõe e entram em conflito. Um líder poderoso e errático é sinal de problema: quatro são sinal de volatilidade para o sistema internacional e muito mais turbulência", diz a Eurasia.
"A crise política e econômica deve piorar ao longo de 2016. Ao contrário das esperanças de alguns comentaristas e atores do mercado, a batalha do impeachment de Rousseff no começo do ano não deve terminar o impasse político", diz a Eurasia. O problema é que se Dilma sobreviver no cargo, provavelmente não terá cacife para aprovar as reformas necessárias para conter o déficit público, além de ter que fazer acenos à esquerda. Caso Temer assuma (o que a Eurasia considera menos provável) poderia haver um otimismo inicial mas o PMDB de Temer continuaria sendo alvejado pela Lava Jato. Ele ainda teria que lidar com dois obstáculos: um PT sem medo de ser oposição e desemprego crescente. Para a Eurasia, a solução mais "limpa" é a menos provável: anulação da eleição de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na acusação de contribuições ilícitas de campanha.
2014 e 2015 tiveram muitas eleições decisivas em países emergentes importantes. Estes processos trazem bastante volatilidade para os mercados, mas em 2016 será o contrário: a falta de eleições é que é o problema. Na medida que conflitos internos não poderão ser processados pela via eleitoral, eles tendem a aumentar a chance de protestos. A evolução tecnológica facilita a coordenação enquanto a decepção com a falta do crescimento prometido se torna um "fator de risco". De acordo com a Eurasia, isso é especialmente verdadeiro em países como Brasil (onde os blocos pró e anti-governo contam com a força das ruas), África do Sul (onde o governo vem agindo de forma atrapalhada ), Tailândia e Indonésia.
Depois de governar a Turquia como primeiro-ministro por mais de uma década, Erdogan passou para o papel de presidente e agora busca consolidar o poder em suas mãos. Só que no processo, deve exacerbar os conflitos internos do país. Isso significa: ataques a opositores e mídia, pressões por uma política monetária e fiscal mais flexível, clima de incerteza em relação aos investimentos e nacionalismo no campo da política externa. E isso sem falar na crise de refugiados (o país é o maior foco mundial), a tensão com a Rússia (inclusive com sanções) e o problema de terrorismo, que tudo indica estar se agravando.