Bitcoin: de acordo com jornal, Goldman trata criptmoedas como meio de pagamento e não como um ativo, como o ouro (Foto/Thinkstock)
João Pedro Caleiro
Publicado em 24 de setembro de 2017 às 08h00.
Última atualização em 25 de setembro de 2017 às 16h34.
Artigo de Nafis Alam, professor associado da Universidade de Reading na Malásia, publicado originalmente no site The Conversation
O futuro do dinheiro parece muito diferente no mundo das criptomoedas. Há um consenso crescente entre negócios, investidores e países (a Venezuela em particular) de que estas formas alternativas de dinheiro virtual dominarão os pagamentos na próxima década.
Pode haver concordância sobre o potencial, mas ainda está no ar exatamente como reguladores e bancos centrais irão responder.
O valor de mercado combinado de todas as criptomoedas em circulação atingiu US$ 170 bilhões no final de agosto de 2017, 850% a mais do que no começo do ano, de acordo com a CoinMarketCap, um site líder em preços de criptomoedas e acompanhamento de capitalização de mercado.
Não é nenhuma surpresa que esse tipo de crescimento tenha gerado muita preocupação entre reguladores e bancos centrais, que ainda estão indecisos se criptomoedas devem ser classificadas como uma commodity, um ativo ou uma forma de moeda.
Pode parecer uma discussão estranha para se ter. Mas uma das funções básicas de uma moeda é facilitar transações de forma oportuna. E para proteger a segurança do blockchain (a tecnologia por trás de criptomoedas como Bitcoin), o processamento de transações em Bitcoin é às vezes muito lento.
Devido a restrições ao limite de transações de Bitcoin que podem ser completadas em um dia, pode demorar alguns dias para fazer uma única transação, tornando a criptomoeda às vezes incapaz de satisfazer sua função básica de dinheiro.
Blockchains privadas podem acelerar as transações, mas não são populares e sua disponibilidade é limitada.
Preocupação
O chamado para regular melhor as criptomoedas ganhou ímpeto depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um texto de discussão notando que bancos deveriam considerar investir em criptomoedas.
Avanços rápidos na tecnologia digital estão transformando o panorama dos serviços financeiros, criando oportunidades e desafios tanto para consumidores quanto para provedores de serviços e reguladores.
Qualquer adoção no atacado pelo setor bancário estabeleceria claramente um mercado imenso para as criptomoedas, mas o tráfego não está se movendo em apenas uma direção.
Os reguladores chineses deram um golpe forte no mercado cripto no começo de setembro, quando o Banco Popular da China tornou ilegal levantar fundos através de Ofertas Iniciais de Moedas (ICOs).
Uma ICO é uma ferramenta de levantar fundos que troca criptomoedas futuras por criptomoedas de valor líquido e imediato. Eles se tornaram uma plataforma fácil para nerds das moedas digitais levantarem fundos rapidamente.
Em termos mais simples, ICOs são uma plataforma de crowdfunding para criptomoedas futuras. Elas já levantaram US$ 2,32 bilhões, de acordo com o Cryptocompare, um site do setor.
A China está se tornando mais rigorosa, no geral. Foi até reportado que ela pode banir totalmente a transação de moedas virtuais domesticamente. Se isso for adiante, certamente irá moderar o entusiasmo no setor.
Mas sempre parece haver notícias melhores logo na próxima esquina, e mais supervisão pode gerar a confiança que suplanta as preocupações.
O Ministério de Finanças da Rússia está pressionando para regular o uso de criptomoedas no país até o final de 2017, enquanto o banco central vem trabalhando em uma regulação para moedas virtuais desde o início do ano.
Talvez o maior impulso para as criptomoedas tenha vindo dos economistas do banco central da Finlândia, que classificaram como "revolucionária" a infraestrutura por trás de criptomoedas como o Bitcoin e enalteceram sua habilidade para prevenir manipulações.
Também houve reconhecimento das criptomoedas em países como Austrália e Japão, que estão implementando políticas para legalizar a troca de criptomoedas.
O Japão tornou obrigatório que intercâmbios de Bitcoin sejam registrados com os reguladores e passem por auditorias anuais feitas por contadores certificados.
O banco central de Singapura notou que a função dos tokens digitais iam além de simplesmente ser uma moeda virtual que ao mesmo tempo mantém alguma fiscalização.
Ele disse que os ICOs deveriam ser aprovados ou reconhecidos pelo banco e reconhecidos pelo Ato de Títulos e Garantias Futuras de Singapura.
Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários americana) ecoou o sentimento, anunciando que os ICOs serão regulados como títulos e quaisquer ofertas não registradas poderiam estar sujeitas a punições criminais.
Duas opções
Esse tipo de aceitação crescente (tirando a China) é um reconhecimento da popularidade crescente das criptomoedas como um instrumento financeiro. Olhando mais à frente, os reguladores tem duas opções.
Primeiro, eles poderiam implementar regimes mais rígidos para garantir que as transações de criptomoedas não estão relacionadas a atividades da dark web, financiamento de terrorismo ou atividades de lavagem de dinheiro.
Outra alternativa é que bancos centrais passem a emitir suas próprias moedas digitais conhecidas como Moedas Digitais Emitidas por Bancos Centrais (CBDC, na sigla em inglês) baseado na tecnologia de registros distribuídos (DLT, na sigla em inglês), a mesma tecnologia de blockchain por trás das criptomoedas.
Isso levanta a possibilidade de que as CBDCs poderiam destruir a oferta de valor das criptomoedas existentes.
O Banco da Inglaterra tomou a liderança na discussão inicial enquanto seus equivalentes no Canadá, Suécia e Banco Central Europeus analisam a viabilidade de lançar moedas digitais.
A discussão mais ampla sobre os CBDCs é sinal do fato de que os bancos centrais estão levando a sério as criptomoedas, e de certa forma competindo pela sua popularidade crescente.
No pior cenário para este mercado ainda novato, os bancos centrais podem decidir tornar ilegal a troca ou posse de criptomoedas. Isto seria difícil de fazer cumprir, já que não há nenhuma pessoa ou organização que controle as criptomoedas e as transações não passam por uma centro único de liberação.
Mas há precedente, no entanto. Ainda em 1933, o presidente americano, Theodore Roosevelt, tornou crime manter barras de ouro e exigiu que todos os americanos entregassem seu estoque de ouro para o Federal Reserve.
Se isso acontecer, então o mercado de criptomoedas morreria uma morte natural. Tudo está agora nas mãos dos bancos centrais. A China ofereceu um vislumbre de um futuro difícil; "criptoevangelistas" torcem para que outros sigam um caminho mais acomodativo.
Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor