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O que o Brasil e o mundo têm a perder (e a ganhar) com eventual calote dos EUA

Governo Obama tem até o dia 2 de agosto para fechar um acordo que permita a elevação do teto da dívida

Um calote do Tio Sam causaria impactos no mundo inteiro (Wikimedia Commons)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de julho de 2011 às 15h39.

São Paulo – As tensões crescem no mercado financeiro mundial à medida em que se aproxima o fatídico dia 2 de agosto. Até lá, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, precisa ter finalizado um acordo com o Congresso (leia-se Partido Republicano) para elevar o teto da dívida.

Se isso não acontecer, o governo americano terá basicamente duas opções: cortar gastos no curtíssimo prazo ou dar um calote. Ainda que a eventual moratória venha a ser “apenas” parcial e cheia de explicações, ela não deixará de ser sinônimo de inadimplência, que é sinônimo de calote.

O que aconteceria neste cenário? O dólar perderia valor? Haveria recessão mundial? O Brasil poderia ter alguma vantagem? E a China?

Em busca dessas respostas, EXAME.com conversou com três experientes economistas: José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos; Jason Vieira, estrategista-sênior da Cruzeiro do Sul Corretora; e José Francisco de Lima Gonçalves, professor da USP e economista-chefe do Banco Fator.

A principal dificuldade dos analistas foi traçar um cenário em que a grande potência mundial deixa de ser a referência para tudo. É preciso ressaltar, inclusive, que nenhum dos especialistas considera provável o calote americano. Na pior das hipóteses, dizem, um acordo será fechado às pressas assim que os primeiros efeitos desse cenário respingar na economia. Mas, como a decisão passa pelas mãos dos republicanos, tudo pode acontecer.

Veja nas próximas páginas quais seriam os principais impactos de um calote americano no Brasil e no mundo.


Economia americana

Um calote jogaria a economia dos Estados Unidos na recessão, na opinião dos três economistas consultados por EXAME.com.

Jason Vieira diz que, ao contrário do que possa parecer, uma moratória aceleraria o endividamento americano, porque os investidores iriam cobrar juros maiores para continuar financiando os Estados Unidos. “A recessão viria a partir da alta do desemprego, pois o governo não teria dinheiro para sustentar mais contratações. O consumo iria se retrair, os investimentos cairiam e estaria formado um círculo vicioso”, diz Vieira.

Títulos americanos

Um calote derrubaria o preço dos títulos dos Estados Unidos e elevaria os juros. As agências de classificação de risco já avisaram que, ao primeiro sinal de moratória, vão rebaixar a nota dos títulos americanos.

E qual o efeito prático disso? Explica José Márcio Camargo: “Uma grande parte dos fundos de pensão no mundo é obrigada, por contrato, a ter nos seus portfólios uma parcela substancial de títulos com risco zero, parecidos com os americanos, que são nota AAA. Se o rating for rebaixado, os fundos de pensão serão obrigados a vender os títulos americanos e comprar papéis de outros países que são AAA, como a Alemanha.”

Dólar

Um calote americano provavelmente derrubaria o valor do dólar, que é a moeda referência no mundo inteiro. “Ninguém consegue raciocinar sem o dólar. Isso iria embaralhar todo o mercado financeiro”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, professor da USP e economista-chefe do Banco Fator.


Euro

O calote nos Estados Unidos valorizaria a moeda europeia. “Em tese, o euro ganharia valor por causa da fuga dos fundos de pensão dos títulos americanos para os alemães”, diz José Márcio Camargo.

O economista José Francisco de Lima Gonçalves salienta, no entanto, que os investidores não atrelados às rigorosas regras dos fundos de pensão tenderiam a evitar a Europa – ainda em crise –, partindo para outros mercados. “Correr para o euro não seria uma boa ideia”, diz Gonçalves.

Economia chinesa

Embora a China possa sair fortalecida politicamente de um calote americano, os chineses têm mais a perder do que a ganhar com essa situação, correndo o risco de sofrer uma recessão.

Seriam basicamente três impactos:

O primeiro envolveria as exportações chinesas, cujo principal comprador é o consumidor americano. O segundo teria relação com os preços das commodities, que, se disparassem, elevariam os gastos com importações. O terceiro impacto seria a desvalorização de suas reservas internacionais, já que a China é o maior detentor de títulos americanos do mundo.

“O déficit comercial e a desvalorização das reservas levariam a China à recessão”, diz José Francisco de Lima Gonçalves. Para o professor José Márcio Camargo, o foco principal seria o comércio externo. “A desvalorização das reservas seria só uma perda de capital. Mais importante do que isso, é avaliar o quanto uma recessão americana afetaria a economia chinesa.”

Commodities

No curto prazo, um calote americano geraria uma valorização das commodities. José Francisco de Lima Gonçalves acredita que os investidores buscariam proteção para os seus recursos nas commodities e nos derivativos de commodities, o que seria vantajoso para o Brasil, que é um grande exportador de produtos primários.

Jason Vieria concorda, mas faz a ressalva de que apenas esse setor específico sairia ganhando no Brasil. José Márcio Camargo acha que a valorização ficaria concentrada no ouro e no petróleo, sem que Brasil fosse muito beneficiado.


Crédito

O calote americano teria um efeito no crédito parecido com o da crise de 2008. O pânico geraria incertezas no mercado internacional, os bancos privados fechariam as torneiras e o governo brasileiro teria de adotar novamente os incentivos utilizados no auge das turbulências. Quantos aos governos dos países desenvolvidos, não haveria muito espaço para ampliar a liquidez com os juros já próximos de zero.

Real

Não há consenso sobre o que aconteceria com a moeda brasileira em um cenário de calote americano. Jason Vieira acha que, apesar dos juros altos no Brasil, a insegurança causada pela moratória americana geraria uma fuga de investidores, o que desvalorizaria o real.

José Francisco de Lima Gonçalves avalia que, sem opções, os investidores buscariam os mercados emergentes, incluindo o Brasil, gerando uma “enorme valorização” dessas moedas.

Já o professor José Márcio Camargo tem um cenário misto. Num primeiro momento, logo após o calote americano, haveria uma busca por segurança, com investidores saindo do Brasil e indo para a Alemanha ou a China. Isso desvalorizaria o real. Quando a situação se acalmasse, haveria um retorno desses recursos ao Brasil, valorizando novamente o câmbio.

Bovespa

O simples anúncio do calote americano geraria pânico nos mercados internacionais. A Bovespa, nesse contexto, não conseguiria sair ilesa. No médio prazo, no entanto, poderia acontecer uma recuperação similar à registrada após as turbulências de 2008.

Economia brasileira

Embora o Brasil reúna condições para enfrentar uma crise parecida com a de 2008, os especialistas avaliam que a nossa economia teria mais a perder do que a ganhar com um calote americano.

O ganho, aliás, estaria no curto prazo, com a explosão no preço das commodities, já que o Brasil é um grande exportador. Porém, um processo recessivo nos Estados Unidos – e talvez até na China – contaminaria a economia brasileira num segundo momento.

“O Brasil perderia um bom parceiro comercial, que são os Estados Unidos. Além disso, o cenário nebuloso que estaria formado no mundo atrapalharia a nossa economia interna, pois a falta de crédito levaria os empresários a travar os investimentos e os consumidores, a adiar as compras. É muito parecido com o que aconteceu em 2008”, diz Jason Vieira.

O Brasil também perderia dinheiro com a desvalorização das reservas em dólar, o chamado colchão de proteção contra crises. Além disso, as fortes oscilações cambiais – para cima ou para baixo – atrapalham o planejamento dos empresários e geram incertezas inflacionárias.

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São Paulo – As tensões crescem no mercado financeiro mundial à medida em que se aproxima o fatídico dia 2 de agosto. Até lá, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, precisa ter finalizado um acordo com o Congresso (leia-se Partido Republicano) para elevar o teto da dívida.

Se isso não acontecer, o governo americano terá basicamente duas opções: cortar gastos no curtíssimo prazo ou dar um calote. Ainda que a eventual moratória venha a ser “apenas” parcial e cheia de explicações, ela não deixará de ser sinônimo de inadimplência, que é sinônimo de calote.

O que aconteceria neste cenário? O dólar perderia valor? Haveria recessão mundial? O Brasil poderia ter alguma vantagem? E a China?

Em busca dessas respostas, EXAME.com conversou com três experientes economistas: José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos; Jason Vieira, estrategista-sênior da Cruzeiro do Sul Corretora; e José Francisco de Lima Gonçalves, professor da USP e economista-chefe do Banco Fator.

A principal dificuldade dos analistas foi traçar um cenário em que a grande potência mundial deixa de ser a referência para tudo. É preciso ressaltar, inclusive, que nenhum dos especialistas considera provável o calote americano. Na pior das hipóteses, dizem, um acordo será fechado às pressas assim que os primeiros efeitos desse cenário respingar na economia. Mas, como a decisão passa pelas mãos dos republicanos, tudo pode acontecer.

Veja nas próximas páginas quais seriam os principais impactos de um calote americano no Brasil e no mundo.


Economia americana

Um calote jogaria a economia dos Estados Unidos na recessão, na opinião dos três economistas consultados por EXAME.com.

Jason Vieira diz que, ao contrário do que possa parecer, uma moratória aceleraria o endividamento americano, porque os investidores iriam cobrar juros maiores para continuar financiando os Estados Unidos. “A recessão viria a partir da alta do desemprego, pois o governo não teria dinheiro para sustentar mais contratações. O consumo iria se retrair, os investimentos cairiam e estaria formado um círculo vicioso”, diz Vieira.

Títulos americanos

Um calote derrubaria o preço dos títulos dos Estados Unidos e elevaria os juros. As agências de classificação de risco já avisaram que, ao primeiro sinal de moratória, vão rebaixar a nota dos títulos americanos.

E qual o efeito prático disso? Explica José Márcio Camargo: “Uma grande parte dos fundos de pensão no mundo é obrigada, por contrato, a ter nos seus portfólios uma parcela substancial de títulos com risco zero, parecidos com os americanos, que são nota AAA. Se o rating for rebaixado, os fundos de pensão serão obrigados a vender os títulos americanos e comprar papéis de outros países que são AAA, como a Alemanha.”

Dólar

Um calote americano provavelmente derrubaria o valor do dólar, que é a moeda referência no mundo inteiro. “Ninguém consegue raciocinar sem o dólar. Isso iria embaralhar todo o mercado financeiro”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, professor da USP e economista-chefe do Banco Fator.


Euro

O calote nos Estados Unidos valorizaria a moeda europeia. “Em tese, o euro ganharia valor por causa da fuga dos fundos de pensão dos títulos americanos para os alemães”, diz José Márcio Camargo.

O economista José Francisco de Lima Gonçalves salienta, no entanto, que os investidores não atrelados às rigorosas regras dos fundos de pensão tenderiam a evitar a Europa – ainda em crise –, partindo para outros mercados. “Correr para o euro não seria uma boa ideia”, diz Gonçalves.

Economia chinesa

Embora a China possa sair fortalecida politicamente de um calote americano, os chineses têm mais a perder do que a ganhar com essa situação, correndo o risco de sofrer uma recessão.

Seriam basicamente três impactos:

O primeiro envolveria as exportações chinesas, cujo principal comprador é o consumidor americano. O segundo teria relação com os preços das commodities, que, se disparassem, elevariam os gastos com importações. O terceiro impacto seria a desvalorização de suas reservas internacionais, já que a China é o maior detentor de títulos americanos do mundo.

“O déficit comercial e a desvalorização das reservas levariam a China à recessão”, diz José Francisco de Lima Gonçalves. Para o professor José Márcio Camargo, o foco principal seria o comércio externo. “A desvalorização das reservas seria só uma perda de capital. Mais importante do que isso, é avaliar o quanto uma recessão americana afetaria a economia chinesa.”

Commodities

No curto prazo, um calote americano geraria uma valorização das commodities. José Francisco de Lima Gonçalves acredita que os investidores buscariam proteção para os seus recursos nas commodities e nos derivativos de commodities, o que seria vantajoso para o Brasil, que é um grande exportador de produtos primários.

Jason Vieria concorda, mas faz a ressalva de que apenas esse setor específico sairia ganhando no Brasil. José Márcio Camargo acha que a valorização ficaria concentrada no ouro e no petróleo, sem que Brasil fosse muito beneficiado.


Crédito

O calote americano teria um efeito no crédito parecido com o da crise de 2008. O pânico geraria incertezas no mercado internacional, os bancos privados fechariam as torneiras e o governo brasileiro teria de adotar novamente os incentivos utilizados no auge das turbulências. Quantos aos governos dos países desenvolvidos, não haveria muito espaço para ampliar a liquidez com os juros já próximos de zero.

Real

Não há consenso sobre o que aconteceria com a moeda brasileira em um cenário de calote americano. Jason Vieira acha que, apesar dos juros altos no Brasil, a insegurança causada pela moratória americana geraria uma fuga de investidores, o que desvalorizaria o real.

José Francisco de Lima Gonçalves avalia que, sem opções, os investidores buscariam os mercados emergentes, incluindo o Brasil, gerando uma “enorme valorização” dessas moedas.

Já o professor José Márcio Camargo tem um cenário misto. Num primeiro momento, logo após o calote americano, haveria uma busca por segurança, com investidores saindo do Brasil e indo para a Alemanha ou a China. Isso desvalorizaria o real. Quando a situação se acalmasse, haveria um retorno desses recursos ao Brasil, valorizando novamente o câmbio.

Bovespa

O simples anúncio do calote americano geraria pânico nos mercados internacionais. A Bovespa, nesse contexto, não conseguiria sair ilesa. No médio prazo, no entanto, poderia acontecer uma recuperação similar à registrada após as turbulências de 2008.

Economia brasileira

Embora o Brasil reúna condições para enfrentar uma crise parecida com a de 2008, os especialistas avaliam que a nossa economia teria mais a perder do que a ganhar com um calote americano.

O ganho, aliás, estaria no curto prazo, com a explosão no preço das commodities, já que o Brasil é um grande exportador. Porém, um processo recessivo nos Estados Unidos – e talvez até na China – contaminaria a economia brasileira num segundo momento.

“O Brasil perderia um bom parceiro comercial, que são os Estados Unidos. Além disso, o cenário nebuloso que estaria formado no mundo atrapalharia a nossa economia interna, pois a falta de crédito levaria os empresários a travar os investimentos e os consumidores, a adiar as compras. É muito parecido com o que aconteceu em 2008”, diz Jason Vieira.

O Brasil também perderia dinheiro com a desvalorização das reservas em dólar, o chamado colchão de proteção contra crises. Além disso, as fortes oscilações cambiais – para cima ou para baixo – atrapalham o planejamento dos empresários e geram incertezas inflacionárias.

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