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O QUE É QUE SÃO PAULO TEM?

Por que a cidade atrai multinacionais e o que é preciso para acentuar sua vocação regional

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h52.

Depois de trabalhar e morar em Nova York por quase seis anos, voltei para São Paulo no fim de 1998. O que mais me surpreendeu foi a deterioração da metrópole no que diz respeito à segurança pública e à infra-estrutura urbana. Para quem costumava comparar São Paulo a outras cidades do Brasil e do mundo, a decepção foi grande. Desde a última década a cidade vem perdendo para outras metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, em vários quesitos. Ainda assim, São Paulo continua atraindo as sedes regionais de empresas internacionais. Novos centros de negócios se desenvolveram ao longo de avenidas como Nova Faria Lima, Juscelino Kubitschek, Berrini e Água Espraiada. A aparente dicotomia entre a piora da cidade e o surgimento de novos pólos comerciais merece uma análise mais atenta.

O crescente número de empresas estrangeiras que mantêm em São Paulo a sede de seus escritórios para a América Latina chamou-me a atenção desde a época em que exercia minhas responsabilidades regionais no Citibank. Agora, como presidente executivo da Câmara Americana de São Paulo (Amcham), observo que, das aproximadamente 800 empresas multinacionais associadas à entidade, quase 100 possuem seus principais executivos regionais baseados em São Paulo.

Em artigo publicado em EXAME SP em julho de 2001, o professor Tadeu Masano, da Fundação Getulio Vargas, ressalta a dramática mudança do perfil econômico de São Paulo. Há 15 anos, o setor de serviços gerava um novo emprego para cada vaga criada no setor industrial. A proporção hoje é de um emprego na indústria para três no setor de serviços. Formou-se um cinturão especializado em áreas como finanças, auditoria, advocacia, consultoria e publicidade. Sem dúvida, esse é um fator de atratividade para o empresário se instalar em São Paulo. Isso se traduz, por exemplo, em área de escritórios: perto de 1,9 milhão de metros quadrados na região que compreende o Centro, as avenidas Paulista, Berrini e Faria Lima, a rua Verbo Divino e a marginal do Pinheiros (no Brooklin). Em meados de 1999, São Paulo abrigava uma feira de negócios a cada quatro dias. Se somados congressos, simpósios, convenções, conferências e outras atividades do gênero, a média chegava a um evento a cada 12 minutos. A cidade tinha 24 mil quartos de hotel. Hoje, são cerca de 3 mil quartos em hotéis cinco estrelas. Ambos os números não param de crescer, assim como a qualidade das instalações.

Ainda assim, isso não parece ser suficiente para explicar a atração que São Paulo exerce nos empresários. Talvez outro aspecto a se considerar seja a existência de uma rede enorme de restaurantes, lojas, cinemas e teatros. Outras importantes metrópoles da América do Sul possuem essa característica, embora em menor escala. São Paulo concentra os mais avançados centros de atendimento médico da América Latina. Tem escolas e faculdades que estão entre as melhores do Brasil, em número sem igual em outras cidades do país. Aeroportos e rodoviárias que funcionam bem -- ainda que congestionados e algo estressantes --, redes de fibra óptica, acesso à internet em banda larga e efervescência intelectual são outros atributos que certamente atraem profissionais com elevado padrão de consumo. Isso significa a criação de toda uma rede de prestação de serviços pessoais, que, por si, é um grande trunfo.

ADIOS, BUENOS AIRES
Há também uma questão estratégica. Estudos de economia regional mostram que a influência da área metropolitana de São Paulo se estende como um arco no território brasileiro até a Amazônia e chega a ultrapassar as fronteiras com Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Para o comando de empresas com operação na América Latina, já não faz tanta diferença a língua -- no passado, graças ao idioma espanhol, Buenos Aires era a eleita.

A facilidade de morar não muito longe do local de trabalho seria talvez o detalhezinho que favorece São Paulo em comparação, por exemplo, com Miami? Na cidade americana da Flórida, a grande maioria das pessoas enfrenta a apinhada rodovia I-95 duas vezes por dia para se deslocar até o trabalho. Em São Paulo, passamos por uma provação semelhante quando enfrentamos o trânsito pesado das Marginais -- levamos uma hora para percorrer uma distância que no fim de semana cobrimos em 5 minutos --, mas ficamos felizes quando ouvimos o homem do helicóptero da rádio informar que o congestionamento nas avenidas da cidade é inferior a 100 quilômetros. Isso não é nada quando comparado ao que ocorre nos horários de pico em muitas outras metrópoles. Não estou dizendo que o trânsito de São Paulo seja civilizado ou racional. Mas, na comparação com outras grandes cidades, nem tudo está perdido.

Qual seria, então, o fator que diferencia nossa sofrida cidade de outros centros como Miami, Buenos Aires, Caracas ou, ainda, a Cidade do México? (Na verdade, esta não conta mais. Com a bem-sucedida integração promovida pelo Nafta no mercado comum entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, a gigantesca cidade torna-se cada vez mais um pólo regional do sul da América do Norte, em vez de parte da geografia política e econômica da América Latina.) Creio que a explicação para a crescente manifestação da vocação regional de São Paulo está em todos os fatores acima. Afinal, ela é a mais rica e importante cidade do maior país não hispânico da América do Sul. É também o maior mercado de consumo da região e o maior celeiro de talentos e mão-de-obra ao sul do Equador. Junte-se a tudo isso o jeito paulistano de ser -- sério, trabalhador e responsável, com uma pitada certa de capacidade de adaptação a qualquer dificuldade, sem perder um irônico bom humor para encarar o que for preciso.

Para que essa vocação regional se acentue ainda mais, não há dúvida de que precisamos cuidar melhor de São Paulo. Os problemas e as crises são conhecidos. A malha viária está destruída. Na época das chuvas, a cidade sofre com as inundações. Falta planejamento urbano eficaz e investimento na qualidade de vida da população. A falta de segurança atinge não somente os mais ricos. É preciso contar com uma força policial mais eficiente, e melhorar a infra-estrutura de transportes, saneamento, saúde e rede pública de ensino. A construção do anel viário é uma boa notícia, assim como as iniciativas de revitalização do Centro e de áreas da zona leste próximas das linhas férreas -- é preciso maximizar o uso da infra-estrutura urbana existente.

Vale também incentivar as parcerias entre o poder público e a iniciativa privada. Um exemplo é a Associação Colméia, criada recentemente por empresários para apresentar ao poder público projetos e soluções que atendam aos interesses dos moradores e das empresas instaladas na Vila Olímpia. A Associação Viva o Centro, que comemora dez anos de atividade, representa um esforço quase obstinado para restituir ao núcleo original da cidade seu valor simbólico insubstituível, renovando seu padrão de vida e sua ocupação. Em menor escala, a Ação Comunitária da Chácara Santo Antônio, uma iniciativa lançada pela Câmara Americana de Comércio de São Paulo a pedido de empresas do bairro, indica caminhos de articulação que, primeiro, contenham as tendências de degradação do espaço público e, numa etapa seguinte, elevem o patamar de convivência e a gestão. Muito pode ser feito se a sociedade se mobilizar na defesa de seus interesses. Nesse contexto, as associações de moradores ou de defesa da cidadania podem e devem assumir um papel ainda mais proativo junto ao poder público.

Como se vê, falta muita coisa em nossa cidade, mas ela é e continuará sendo um pólo de atração das sedes regionais de grandes empresas. Não sem motivo: capital humano nós temos bastante, e da melhor qualidade.

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