Economia

O modelo chinês

_____________ The China Model: Political Meritocracy and the Limits of Democracy Autor: Daniel A. Bell. Editora: Princeton University Press. 336 páginas. China’s Economy: What Everyone Needs to Know Autor: Arthur R. Kroeber. Editora: Oxford University Press. 336 páginas. _____________ “A democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as outras que já foram testadas.” […]

CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS: a grande estrutura burocrática visa melhorar os serviços público e ser um xeque-mate na democracia / Lintao Zhang/Getty Images

CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS: a grande estrutura burocrática visa melhorar os serviços público e ser um xeque-mate na democracia / Lintao Zhang/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2016 às 19h15.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

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The China Model: Political Meritocracy and the Limits of Democracy
Autor: Daniel A. Bell. Editora: Princeton University Press. 336 páginas.

China’s Economy: What Everyone Needs to Know
Autor: Arthur R. Kroeber. Editora: Oxford University Press. 336 páginas.

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“A democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as outras que já foram testadas.” Quantas vezes você já ouviu essa citação? A famosa frase do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill tornou-se lugar-comum em debates e costuma ser citada como uma arma para encerrar a discussão sobre as limitações da democracia. Se ela, a democracia, é a melhor opção, apesar de todos os seus problemas, então não há mais o que debater, certo? Para o canadense Daniel A. Bell, professor de política na Universidade Tsinghua, de Pequim, não há dúvida de que a democracia era a melhor das opções na época de Churchill, quando as alternativas eram o nazismo e o comunismo ao estilo soviético. Mas no seu livro The China Model (“O Modelo Chinês”, numa tradução livre), Bell descreve e defende algumas virtudes do sistema chinês. Antes de prosseguir, talvez valha dizer que Bell parece não ser um fantoche a serviço do Politburo chinês e que seu livro deu início a um rico debate no Ocidente sobre os limites da democracia – e, principalmente, sobre a necessidade de repensar a eficiência do Estado.

Nos anos que se seguiram ao caos da Revolução Cultural, a partir de 1966, os líderes chineses se deram conta que precisavam implementar um sistema para selecionar e promover os funcionários públicos de alta qualidade. Era o melhor caminho para atender às demandas da população e, dessa forma, legitimar o poder do Partido em tempos de paz. Para montar esse sistema, os líderes buscaram inspiração na própria história. Os chineses foram os primeiros a selecionar funcionários públicos com base em testes, não no pedigree. Há registros de exames de seleção já a partir de 140 a.C. Com esse histórico, não foi difícil para os comunistas invocarem uma tradição. Mas, para criar um sistema moderno, resolveram olhar para fora e se inspirar em Singapura. A primeira viagem do então todo-poderoso líder chinês Deng Xiaoping a Singapura foi no final dos anos 70.

Quando se tornou independente há 50 anos, Singapura era mais um país pobre do Sudeste Asiático. Sem recursos naturais, essa pequena ilha quase colada à Malásia deu um pulo do Terceiro para o Primeiro Mundo em apenas duas gerações. A estratégia de Lee Kuan Yew, o herói da independência e primeiro-ministro por mais de duas décadas, foi montar um serviço público de alto padrão. Em Singapura, os melhores talentos são identificados ainda na escola, ganham bolsas para estudar nas melhores universidades da Europa e dos Estados Unidos, voltam, começam a trabalhar para o governo e não param mais de ser avaliados. Nessa espécie de reino dos tecnocratas, a palavra de ordem é meritocracia. Quem entrega é promovido. Quem não entrega cai no ostracismo. Os chineses gostaram e copiaram parte do que viram. Para seus defensores, essa estrutura burocrática tem uma dimensão que extrapola o objetivo primeiro, o de melhorar a qualidade dos serviços públicos. Ela seria uma espécie de xeque-mate na democracia ao levantar a seguinte pergunta: se os chineses e singapurianos conseguiram montar um sistema no qual os melhores talentos da sociedade são selecionados, treinados e constantemente testados para comandar os destinos do país, por que perder tempo com eleições? Como Bell faz questão de lembrar, pensadores ocidentais, como Platão, John Stuart Mill e Frederich Hayek, eram fascinados pela ideia de meritocracia. Bell também ressalta que, em termos históricos, a democracia liberal só ganhou um status hegemônico no debate intelectual há pouco tempo. E, nas democracias, exemplos de disfunção administrativa e de políticos despreparados não faltam. Ao contrário do que acontece com quem participa de processos de seleção em empresas, universidades e hospitais, os políticos, para serem eleitos, não precisam apresentar qualificações técnicas, nem necessariamente comprovar experiência prévia. Para Bell, os chineses têm um ponto.

Não vale contra-argumentar dizendo que é impossível avaliar o trabalho dos burocratas na China porque o povo é completamente silenciado e manipulado. No livro China’s Economy (“A Economia Chinesa”, numa tradução livre), lançado no começo deste ano, Arthur R. Kroeber, principal nome da consultoria Gavekal Dragonimics, de Pequim, descreve o que, na opinião dele, é uma característica marcante do modelo chinês. Como acontece em toda ditadura, o Partido Comunista Chinês (PCC) conta com censores sempre atentos e controla a internet para evitar ataques contra a sua autoridade. Os cidadãos comuns na China, no entanto, têm bastante liberdade para externar suas insatisfações em relação aos serviços públicos. Essa é a maneira de Pequim saber o que os chefes locais gostariam de esconder. Falar mal do sistema político é tabu. Já criticar os serviços que o governo não está entregando é parte do jogo.

O próprio Bell reconhece, porém, as limitações da tese pró-sistema chinês. O modelo que tenta se basear na meritocracia tem convivido com altos níveis de corrupção. Como diz o jornalista australiano Richard McGregor num elogiado livro publicado em 2012, The Party (“O Partido”, numa tradução livre), é fácil ter uma ideia do tamanho da roubalheira na China. É só ficar parado na frente de uma instalação militar, lembrar dos salários que os membros das Forças Armadas ganham e reparar na marca dos carrões importados que passam pelo portão. Outra rachadura no sistema meritocrático chinês é o surgimento de uma casta de servidores arrogantes e, muitas vezes, desconectados da maioria da população – algo também visto em Singapura, segundo as críticas expostas no livro Hard Choices (“Escolhas Difíceis”, numa tradução livre), editado pelo economista singapuriano Donald Low. Na China, a crescente degradação ambiental e o aumento da desigualdade social seriam duas evidências desse distanciamento entre os burocratas e o povo. Tudo isso é grave, mas tem algo ainda pior. Em tempos de alto crescimento econômico, os líderes chineses conseguiram legitimar o poder do Partido Comunista sem grandes dificuldades. Tiraram milhões da pobreza e entregaram uma infraestrutura invejável em várias partes do país. Caso o PIB comece a desacelerar num ritmo maior do que o atual, caso os protestos e a insatisfação com uma eventual crise econômica se tornem visíveis e, principalmente, caso os manifestantes se voltem contra a autoridade do PCC, ninguém duvida que o status-quo será mantido à força. É nessas horas que uma coisa costuma ficar muito clara: a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as outras que já foram testadas.

(Eduardo Salgado)

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