O Brasil tem caminhões em excesso – e terá ainda mais
Governo anunciou ontem nova linha de financiamento para caminhoneiros. Estudos indicam que há 770.000 veículos sobrando nas estradas brasileiras
Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2019 às 06h45.
Última atualização em 17 de abril de 2019 às 07h48.
Parecem cenas de países distintos. De um lado, a Ford fecha uma unidade de fabricação de caminhões e a GM cobra a subsidiária brasileira a voltar ao azul. De outro, o governo anuncia, num agrado aos caminhoneiros, uma nova linha de financiamento para aumentar ainda mais a frota brasileira.
No ano passado, segundo a Anfavea , associação que representa as montadoras, foram vendidos 76.000 caminhões no Brasil, o melhor resultado em cinco anos, mais ainda assim 45% abaixo do melhor ano da história, o de 2014. A venda recorde em 2014, ano em que o PIB cresceu apenas 0,1%, é decorrência do Programa de Sustentação ao Investimento, de 2009, que incluía uma linha de financiamento especial do BNDES, num arranjo semelhante ao anunciado nesta terça-feira pelo governo de Jair Bolsonaro .
De 2008 a 2014 a frota de caminhões cresceu 5% ao ano, o dobro do ritmo do mercado de transportes. No período, as estradas brasileiras ganharam 770.000 novos caminhões com juros subsidiados. Segundo dados informados pela consultoria NTC & Logística durante a greve de 2018, o Brasil tem cerca de 2 milhões de caminhões em atividade, num excesso de 300.000 caminhões.
A situação, naquele momento, se agravou porque em 2015 o mercado de transportes encolheu 10%. Se a economia voltar a acelerar a partir de 2020, o excesso de caminhões nas ruas brasileiras pode ser um problema jogado para o futuro. Mas as incoerências do setor tendem a continuar como um barril de pólvora: fretes subsidiados e combustível com preços artificialmente baixos para compensar uma desastrada política de incentivo ao aumento da frota.
Ontem, o governo anunciou a abertura de uma linha de crédito do BNDES para caminhoneiros autônomos no valor de 500 milhões de reais. A ideia é que a compra de novos caminhões seja financiada pela Caixa. No ano passado, o então presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, chegou a dizer que o país não tem caminhões demais, mas PIB de menos. O PIB “de menos”, como se sabe, continua: o Brasil deve avançar pouco mais de 1% em 2019.
Um problema adicional está na falta de estímulo para a modernização da frota, tida como desatualizada na comparação com Europa e Estados Unidos. O programa Rota 2030, que visa o aumento da eficiência para automóveis, caminhões e ônibus, e substituiu o antigo Inovar-Auto, pode ajudar a reduzir a lacuna tecnológica no longo prazo. O problema é que as demandas dos caminhoneiros não visam o futuro, mas sim a conta no fim do mês.