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Livro mostra que nunca abandonamos a tribo

Professora de Yale mergulha de cabeça no fenômeno do tribalismo e como impacta os Estados Unidos

Navio de guerra americano: valores americanos são vistos como a resposta para as divisões tribais do resto do mundo (Lee Jong/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de março de 2018 às 08h38.

Última atualização em 24 de março de 2018 às 11h12.

Political Tribes: Group Instinct and the Fate of Nations (Tribos políticas: instintos de grupo e o destino das nações, numa tradução livre)

Autor: Amy Chua

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Editora: Bloomsbury Publishing

Páginas: 288

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O pensamento político e social contemporâneo está tendo que se haver com a realidade do tribalismo. Ou seja, a realidade de que os seres humanos se dividem em grupos de relações pessoais, que acabam formando uma identidade (que partilham modos de pensar, valores, costumes, gostos, etc.) e enxergam seu lugar na sociedade a partir dessas identidades. São modos de inclusão de pessoas numa realidade social maior, mas também excluem que não pertence a eles. Não raro, esses grupos têm como critério original uma diferença central como raça, religião ou língua.

O fim da Guerra Fria nos deu, por um breve período, a crença fácil de que a humanidade está destinada a ser uma só, superando intolerâncias raciais, culturais, religiosas e ideológicas. Talvez essa previsão até se realize algum dia, mas o fato é que, no presente, o caráter tribal da vida em sociedade ganhou um novo relevo. Voltamos ao insight original de Carl Schmitt, o filósofo político alemão, que enxergou na origem do fenômeno político a distinção fundamental entre amigo e inimigo.

Amy Chua é uma influente professora de Direito em Yale, e em seu novo livro (o anterior, “Battle Hymn of the Tiger Mom”, foi um sucesso em 2011) mergulha de cabeça no fenômeno do tribalismo e como impacta os Estados Unidos, tanto internamente quanto em sua política externa.

Os EUA gostam de acreditar em seu caráter único no mundo: uma nação na qual todas as identidades convivem em harmonia pois se enxergam como parte de um mesmo projeto nacional e, a bem da verdade, universal. Os valores americanos da democracia, mercado e liberdade individual são vistos como a resposta para as divisões tribais do resto do mundo. E mais: não raro, a política externa americana, cegada pela própria ideologia, acreditou que seria trivial trazer seu modelo de sociedade e crença para populações dominadas – como no Vietnã, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia. Só que ao derrotar o governo tirânico desses lugares, o que emergiu não foi o individualismo universalista, e sim as velhas inimizades tribais.

Num dos melhores momentos do livro, Chua descreve como o General H. R. McMaster (hoje Conselheiro de Segurança Nacional do governo Trump), reconhecendo a complexidade das relações tribais na cidade de Tal Afar, no Iraque, mudou a estratégia local. Estabelecendo relações com as diversas tribos e buscando acordos, conseguiu estabelecer a paz que a simples presença hostil do exército americano tinha sido incapaz de produzir. Esse é o tipo de lição pragmática que o entendimento realista da natureza humana é necessário para fins que transcendem o mero realismo. Para escapar da violência tribal, é necessário reconhecer a realidade tribal.

Nos capítulos finais, Chua se volta para os próprios EUA. Apesar da ideologia da união multicultural, clivagens tribais sempre marcaram a história americana. Uma das principais é a entre brancos e negros, muitos dos quais até hoje não se veem como cidadãos plenos. Hoje em dia, novas divisões aumentam o tribalismo interno: sexualidade, gênero, toda a gama de identitarismos está colocando em risco a unidade política e social americana, sem falar do abismo que se abriu entre direita e esquerda.

O que fazer quanto a isso é menos claro. Chua vê com bons olhos medidas que promovam a união, que façam pessoas diferentes se verem como parte de uma mesma nação. A política de integração racial do exército depois da Segunda Guerra – que em menos de dez anos tornou-se totalmente integrado – foi um grande sucesso. Mas é inegável que a experiência do treinamento militar e da guerra produz vínculos muito fortes, difíceis de serem replicados no dia-a-dia da sociedade civil.

De uma maneira ou de outra, a superação do tribalismo crescente passa pela promoção de interações positivas entre membros de diferentes tribos. Assistir ao Superbowl juntos, por exemplo, ou algum outro passatempo que reforça a identidade comum. Na falta disso, a proximidade de grupos diferentes gera não a união, e sim a guerra. Chua não consegue apresentar soluções para superar o tribalismo interno, exceto o frisar sua carta de intenções e apostar no projeto americano.

É interessante comparar a realidade americana com a brasileira. Mesmo sem um ideário – uma verdadeira missão para realizar na Terra – como o americano, o Brasil é talvez o país que mais sucesso teve em enfraquecer o tribalismo e promover a união de diferentes povos. Essa união passou não pela esfera da ideologia e sim pela esfera do interesse individual e dos laços pessoais. Aqui, mesmo em meio a preconceitos e violências, os laços pessoais sempre falaram mais alto que as identidades coletivas. Isso levou não à convivência dos diferentes lado a lado, mas à mistura deles. No plano da raça, miscigenação. No da religião, sincretismo. Talvez tenhamos algo a oferecer a Amy Chua e outros estudiosos das relações humanas.

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