EXAME.com (EXAME.com)
João Pedro Caleiro
Publicado em 15 de junho de 2014 às 09h33.
São Paulo - Uma preocupação comum de quem doa para a caridade é que seu dinheiro acabará sendo desviado para o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas.
Imagine o tamanho do problema se isso acontecesse frequentemente com os bilhões de dólares que sustentam programas de transferência de renda (como o Bolsa Família) ao redor do mundo.
Esse temor, no entanto, é infundado - pelo menos de acordo com um novo trabalho realizado recentemente por David K. Evans e Anna Popova para o Banco Mundial.
A dupla analisou 44 estimativas de 19 estudos quantitativos que mediam o efeito das transferências de dinheiro sobre o consumo dos chamados "bens de tentação" ao redor do mundo.
82% encontraram efeitos negativos ou irrelevantes; nenhum encontrou um efeito positivo consistente e relevante. Outros 11 estudos baseados em entrevistas e pesquisas domiciliares chegaram aos mesmos resultados.
A conclusão é que "transferências de dinheiro não são usadas para álcool e tabaco em nenhum nível significativo". Os resultados são similares para América Latina, África e Ásia e em programas com ou sem condições.
Explicação
Seria de se esperar que o aumento de renda causasse um aumento do consumo de cigarro e álcool - como qualquer aumento de renda causa em qualquer tipo de bem. No entanto, esse efeito acontece de forma diferente no contexto da transferência de renda.
Em programas com condições - como, por exemplo, a exigência de matrícula e vacinação no Bolsa Família - aparece o "efeito de substituição": ou seja, começa a valer mais a pena investir em saúde e educação do que valia antes.
Da mesma forma, muitos programas vem acompanhados de campanhas sociais que orientam o uso do dinheiro. A decisão de colocar os benefícios na conta das mulheres e não dos homens também faz a diferença, já que elas costumam levar mais em conta o interesse dos filhos.
Impacto
Em entrevista para EXAME.com, Michael Faye, fundador de uma ONG que envia dinheiro por celular para africanos, afirmou que o suposto gasto com os "bens de vício" é uma preocupação constante dos doadores.
"Acho bem irônico o número de conversas que já tive com pessoas ligadas ao desenvolvimento sobre os pobres e sua bebedeira - enquanto bebíamos drinks", diz Paul Niehaus, outro fundador da ONG.
Anna e David concluem o trabalho com uma nota bem-humorada: "temos estimativas do Peru de que os beneficiários tem uma probabilidade mais alta de comprar um frango assado em um restaurante ou alguns chocolates logo após receberem sua transferência. Mas esperamos que nem mesmo o mais puritano dos legisladores teria a má vontade de negar a um pobre um pedacinho de chocolate."