Ex-presidente Lula participa de reunião do Diretório Nacional do PT, em Brasília (Ricardo Stuckert/ Instituto Lula/Fotos Públicas)
João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de março de 2016 às 14h29.
São Paulo - Com a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo Dilma Rousseff como ministro da Casa Civil, cresce a aposta de que haverá mudanças na política econômica.
O que vai acontecer ainda é um mistério. Jornais publicaram nesta manhã que Alexandre Tombini, presidente do Banco Central desde 2011, deixaria o cargo no caso de uma guinada à esquerda.
De acordo com reportagem do Valor, Lula tem um "plano de reanimação nacional" que mistura diversos elementos muitas vezes contraditórios, e é difícil supor a esse ponto qual será sua estratégia econômica.
Lula tem um histórico de decisões pragmáticas. Ele teve o banqueiro Henrique Meirelles como seu presidente do BC (e o rumor é que ele já o convidou para reassumir o cargo), mas o momento atual pode fazer com que ele recorra às ideias e aos apoios da esquerda.
Histórico
O primeiro mandato de Lula como presidente foi marcado pela continuidade do tripé do governo Fernando Henrique Cardoso (câmbio flutuante, metas de inflação e superávits primários) e uma agenda de rigor fiscal e pequenas reformas.
Combinadas com um cenário internacional positivo para o Brasil de alta do preço das commodities, e com a expansão do crédito e dos programas sociais, ajudaram a disparar o último ciclo de crescimento que o país viveu.
No entanto, as políticas de estímulo do segundo mandato, adotadas para se contrapor aos efeitos da crise de 2008, saíram de controle e corroeram o espaço fiscal. Somadas com os erros de Dilma e com a crise política, geraram a recessão atual.
Também já não dá para contar com ajuda do cenário internacional, marcado por desaceleração da China, queda das commodities e aperto da liquidez diante das altas dos juros nos Estados Unidos.
O momento atual é de isolamento e ameaça de impeachment, o que aumenta a tentação de que o governo com Lula no comando busque se reaproximar da sua base, única força política ainda disposta a defender o governo.
Isso significaria adotar medidas mais à esquerda, como expansão de gastos públicos e uso de reservas internacionais, além de engavetar discussões como a da reforma da Previdência.
Agenda
Algumas pistas do que significaria uma "guinada à esquerda" comandada por Lula dentro do governo estão no documento "O futuro está na retomada das mudanças", apresentado na reunião de 36 anos do Partido dos Trabalhadores no final de fevereiro no Rio de Janeiro.
O diagnóstico do PT é que "as forças conservadoras -- representação política do grande capital rentista, local e internacional -- desfecham ofensiva para impor um programa de retrocesso, marcado pelo retorno agravado das ideias neoliberais".
As propostas para se contrapor a isto vão desde a volta da CPMF, colocada como prioridade pela atual administração, até uma queda da Selic, passando por reajuste do Bolsa Família. Novos impostos e gastos dominam a pauta.
"Esses passos devem ser percorridos mesmo que tenhamos de atravessar alguns anos de aumento programado e transparente da dívida interna, desde que o destino de novos déficits seja a recuperação", diz um trecho.
A inflação é citada apenas uma vez, em trecho que diz que os juros altos foram ineficazes para combatê-la.
Em sua coluna de hoje na Folha de São Paulo, o ex-ministro Delfim Netto diz que não há síntese possível entre o que o governo Dilma vem propondo através do ministro Barbosa e o que o PT defende :
"A única coisa certa do programa do PT é o seu título: "O futuro está na retomada das mudanças", mas a sua proposta é a não mudança. É apenas, mais do mesmo, numa situação completamente diferente daquela em que Lula teve inegável sucesso"
Veja as 22 propostas e leia o documento na íntegra:
1. Forte redução da taxa básica de juros como elemento fundamental para diminuir o déficit nominal da União, aumentar o investimento
público, impedir a apreciação cambial, baratear o crédito e incentivar a retomada do crescimento econômico.
2. Utilização de parte das reservas internacionais para um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego, destinado a obras de
infraestrutura, saneamento, habitação, renovação energética e mobilidade urbana.
3. Ampliação do Programa Minha Casa, Minha Vida, com um plano para financiamento a longo prazo de reformas e melhorias residenciais.
4. Criação de um programa federal para pequenas obras de manutenção e reparos nos municípios.
5. Revitalização do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), recompondo sua carteira para R$ 70 bilhões anuais.
6. Expansão e barateamento do crédito para o consumidores, às micro e pequenas empresas, em movimento comandado pelos bancos
públicos e lastreado pela redução dos depósitos compulsórios.
7. Reajuste de 20% nos valores do Bolsa-Família, entre outras medidas de expansão imediata dos gastos sociais.
8. Retomada da reforma agrária, com prioridade imediata à distribuição de terras para trabalhadores acampados.
9. Recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), estabelecendo arrecadação compartilhada entre
os entes federativos, com a aprovação da PEC 140/2015.
10. Tributação de juros sobre capital próprio, com a revogação do benefício fiscal previsto na lei nº 9249/1995, que permite a dedução de despesas fi nanceiras da base de cálculo tributário das empresas, por conta de créditos aportados pelos próprios acionistas.
11. Tributação sobre lucros e dividendos, eliminando isenção de Imposto de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas, também prevista pela lei nº 9249/1995, na declaração de benefícios auferidos por suas participações acionárias.
12. Adoção de regime progressivo para o Imposto Territorial Rural sobre propriedades improdutivas.
13. Extensão do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para barcos e aviões.
14. Adoção de Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com alíquota anual variável de 0,5% a 1,0% sobre os detentores de patrimônio líquido superior a oito mil vezes o limite de isenção previsto no Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF) do período arrecadatório.
15.Revisão da tabela do imposto de renda sobre pessoas físicas, com aumento do piso de isenção e ampliação progressiva das faixas de contribuição.
16. Aumento do imposto sobre doações e grandes heranças, com repactuação do valor arrecadado entre União, estados e municípios.
17. Fim da isenção de contribuição previdenciária dos exportadores agrícolas e das entidades filantrópicas que cobram por prestação de serviços.
18. Revisão da Lei Kandir, com adoção de regras tributárias que gravem a exportação de bens e serviços.
19. Cessão de crédito da Dívida Ativa da União, com a regulamentação da securitização de recebíveis, através de leilões por menor deságio.
20. Formação de fundos para investimentos em projetos específicos, lastreados pela captação de crédito junto ao Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS), instituições financeiras multilaterais e bancos chineses.
21. Aceleração da integração regional da América do Sul, impulsionando o Banco do Sul, projetos comuns de infraestrutura e instituições destinadas a esse objetivo, como o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
22. Normatização dos acordos de leniência para empresas cujos executivos ou acionistas estejam envolvidos em delitos contra a ordem econômica ou casos de corrupção, com a aprovação da Medida Provisória 703/2015.