Economia

Na Venezuela, passaportes também estão em falta

Venezuelanos que querem fugir da escassez de produtos básicos não conseguem deixar o país por falta de passaporte

Venezuela: população espera êxodo em massa quando os passaportes forem liberados (Jorge Silva/Reuters)

Venezuela: população espera êxodo em massa quando os passaportes forem liberados (Jorge Silva/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 8 de março de 2017 às 13h48.

Joel Bustamante não aguentava mais o aumento do custo de vida, os tiroteios e os pequenos delitos no bairro de classe trabalhadora onde mora, em Caracas.

Ele decidiu que estava pronto para seguir o exemplo de tantos outros conterrâneos venezuelanos e fugir do país assolado pela crise. Ele conseguiu um emprego em uma fábrica no Chile, comprou uma passagem de avião só de ida e fez as malas.

Ele só precisava de um passaporte novo. Ele solicitou-o seis meses antes do voo agendado. Tempo de sobra, segundo foi informado.

Mas os dias de espera se transformaram em semanas, depois em meses. Até hoje, onze meses depois que aquele avião foi para o Chile sem ele, Bustamante, um motorista de táxi de 24 anos, continua esperando.

“Não consigo acreditar”, disse ele. “Se não fosse por essa bagunça, eu já teria ido embora.”

De toda escassez que assola a Venezuela atualmente — faltam alimentos, remédios e até mesmo dinheiro —, a falta de passaportes é, de certo modo, a mais cruel.

Em termos de penúria, ela não se compara ao tipo de sofrimento causado pela falta, por exemplo, de água potável ou de remédio para controlar hipertensão, mas provoca o efeito surreal de fazer com que o povo se sinta encurralado, como se fosse prisioneiro de sua própria terra disfuncional.

Centenas de milhares de pessoas estão contando os dias, porque a emergência relativa aos passaportes desacelera um êxodo sem precedentes.

Desde que as políticas intervencionistas do falecido líder socialista Hugo Chávez empurraram a economia para uma crise absoluta, multidões de venezuelanos vêm abandonando o país. Elas aterrissam no Panamá, vão para os EUA ou tentam a sorte na Espanha.

O governo não publica dados estatísticos sobre isso, mas Tomás Páez, autor do livro “La voz de la diáspora venezolana”, estima que quase 2 milhões de pessoas saíram do país nos últimos 18 anos.

O governo do presidente Nicolás Maduro reconheceu o problema com os passaportes e lançou na semana passada uma nova opção on-line “expressa”, que oferece entregar o documento dentro de 72 horas por mais que o dobro do preço normal. Não se sabe quantos tentaram usar o processo rápido; o site vem saindo do ar.

Segundo o Saime, órgão responsável pelos passaportes, a escassez se deve à falta de “materiais” suficientes. Talvez o governo simplesmente não tenha dinheiro para comprar todo o papel de que precisa. Telefonemas e e-mails para o órgão e para o Ministério do Interior não foram respondidos.

Alguns dias, centenas de pessoas fazem fila na porta do Saime em Caracas, esperando desde 5 horas da manhã. Até mesmo para quem tem motivos mais mundanos para querer um passaporte — como visitar um parente ou tirar férias —, o processo pode ser penoso.

De 1,8 milhão de passaportes que foram solicitados, apenas 300.000 foram fornecidos, de acordo com Anthony Daquin, ex-assessor do Ministério do Interior. Luis Florido, um deputado da oposição, calcula que o déficit atual é de 3 milhões.

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