Economia

Meirelles promete ser o guardião da estabilidade

O novo presidente do BC diz que sua única tarefa é cumprir as metas de inflação e que os juros só baixarão quando as reformas forem realizadas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h51.

O goiano Henrique de Campos Meirelles assume a presidência do Banco Central num momento peculiar da história brasileira. Por um lado, o governo petista -- do qual ele agora faz parte -- chega ao poder com o compromisso da volta do crescimento econômico. Por outro, o espectro da inflação, adormecido nos últimos oito anos, volta a assombrar. Como lidar com essas duas realidades? Como suportar pressões políticas que quase certamente surgirão? (Uma amostra disso ocorreu já no dia da posse presidencial, quando a economista Maria da Conceição Tavares se aproximou de Meirelles com a seguinte pergunta: "Meirelles, posso puxar sua orelha de vez em quando?") Até que ponto o BC terá autonomia para aplicar seus remédios, mesmo que eles sejam amargos?

Durante uma entrevista exclusiva à EXAME, o novo presidente do Banco Central repetiu várias vezes aquele que parece ser seu mantra. "O BC só tem uma meta, que é a de inflação, e um único instrumento, que é a política monetária."

Como o novo governo conciliará o controle inflacionário com a promessa de crescimento e geração de empregos -- uma das principais bandeiras da campanha do PT?

Uma política monetária rigorosa, que visa manter a estabilidade de preços, não é contraditória com o crescimento econômico. O presidente Lula propõe crescimento econômico e inclusão social, e eu acho que isso é absolutamente coerente com a estabilidade de preços. No momento em que Banco Central for capaz de manter a moeda estável por um período prolongado, essa será sua maior contribuição para uma política o crescimento econômico.

O BC seguiu essa política por oito anos. A inflação ficou sob controle, mas o país cresceu pouco. O que muda a partir de agora?

Não foi a estabilidade de preços que impediu o crescimento do Brasil durante os últimos oito anos, pois nos dez anos anteriores tivemos inflação alta e também não crescemos. Há três pré-condições para o crescimento econômico além da estabilidade de preços: altas taxas de poupança e investimento, altas taxas de progresso tecnológico e expansão do mercado. A taxa de poupança e investimento no Brasil foi baixa nos últimos anos, por causa do elevado déficit público nominal. Houve uma despoupança de governo que provocou inflação alta e, posteriormente, taxas de juros altas. Não há país com esse tipo de déficit em conta corrente que tenha crescido. Ele até sustenta o crescimento enquanto houver crédito, mas na primeira crise de liquidez no mundo surgem os problemas. Em segundo lugar, se olharmos para o Brasil veremos que o endividamento público subiu muito. Por isso, o risco de crédito do governo brasileiro é ruim, o que piora o risco de crédito do Brasil. Por isso, uma taxa de juros neutra, que não influencia a inflação e a atividade econômica, é alta. Assim, na hora que o BC vai fazer política monetária, ele já parte de uma taxa base alta. Esse é o problema da economia brasileira. Não é o Banco Central nem a política monetária, mas o risco de crédito do governo brasileiro, que é um aspecto mais estrutural e mais profundo.

Esse problema provoca preocupações de analistas se a dívida pública é ou não pagável.

Quando essa especulação começa, significa que o risco de crédito está alto e o risco Brasil no exterior está perto ou acima dos 15%, dos 1 500 pontos-base, perto de taxas que historicamente foram de países que tiveram problemas. Não compete ao BC tentar resolver esse problema. Ele só tem um instrumento que é a política monetária. Foi isso que o ministro Palocci colocou com muita clareza e foi muito feliz quando disse no dia 18 de dezembro que baixar a taxa de juros não é um ato de vontade do Banco Central. Se o BC tentar baixar as taxas em um ato de vontade para tentar ajudar a política de crescimento e de inclusão social do presidente Lula, isso levaria a um ataque inflacionário imediato, o que não levaria ao crescimento econômico e à inclusão social, mas conduziria ao desastre. O que tem gerado hiperinflações em vários casos, inclusive no Brasil, é a multiplicidade de funções do Banco Central. Ele só tem uma meta, que é a de inflação, e um único instrumento, que é a política monetária. Ponto.

Esse desenho é muito parecido com o atual modelo, que foi eficiente para produzir um superávit primário, mas não para estimular o crescimento. Como fazer isso?

Vamos ao cerne da questão. Discutimos muito o superávit primário, mas o que conta mesmo é o déficit nominal. No Brasil, esse déficit tem sido consistentemente alto nos últimos anos. Isso ocorre por os juros são muito altos, e os juros são muito altos porque o crédito do governo é ruim.

Qual o motivo para a baixa qualidade do crédito do governo? Porque nos primeiros anos do governo FHC houve até déficit primário. Além disso, usou-se o câmbio fixo como âncora da inflação, que gerou juros altos e aumentou muito a dívida. Isso deteriorou o crédito do governo, e isso é de uma simplicidade atroz.

Isso, basicamente, quer dizer que os juros não vão baixar enquanto não houver reformas estruturais?

Exatamente. É esse o problema. Por isso o governo está falando de reforma tributária e previdenciária. É por isso que eu digo que o governo Lula está disposto a crescer, porque ele está atacando as questões básicas, que, se resolvidas, vão baixar a taxa de juros e o risco de crédito do governo. Não adianta querer fazer atos de vontade sem fazer as reformas estruturais. Se quisermos baixar a taxa de juros por meio de política monetária só vamos gerar inflação. O único instrumento do BC é a política monetária, e a única coisa que ele pode fazer é perseguir a estabilidade de preços. O BC é o guardião da moeda. Quem vai gerar crescimento é o governo, não o BC.

O BC será um interlocutor com os mercados internacionais?

Sim, o presidente do BC terá esse papel, como membro do governo, que é ir ao exterior, conversar com investidores, mostrar o que está sendo feito no Brasil e baixar o risco Brasil para patamares mais condizentes com o que de fato está acontecendo, pois há um problema e uma questão de percepção. A percepção em relação ao Brasil está ruim, pois tudo isso que o governo Lula está fazendo é algo que o mercado internacional não sabe. Este governo vai cumprir contratos, vai cumprir as leis do país, vai honrar acordos internacionais. São coisas básicas das quais se desconfiava lá fora, e mudar essa percepção é um trabalho do ministro da Fazenda e de outros membros da equipe econômica. Além do mais, há outras ações específicas do Banco Central, como, por exemplo, a supervisão bancária, que vai assegurar um sistema financeiro saudável no Brasil, a operação da mesa do BC que faz colocação de títulos brasileiros no exterior e tem de operar de uma forma eficiente. A mesa de política monetária também tem de ser eficiente e percebida como eficiente pelo mercado.

Como o BC pretende garantir a estabilidade?

O presidente e o ministro Palocci definiram, e eu repeti na sabatina, qual é o modelo ideal para o Brasil. Não é uma independência tipo Federal Reserve, que não explicita nada. Esse modelo não é bom porque o Brasil tem um histórico de inflação elevada e precisa de metas específicas para funcionar como âncora. Na minha opinião, a melhor proposta é a seguinte: o Conselho Monetário Nacional (CMN) define a meta de inflação. O presidente do BC faz parte do CMN. Portanto, é uma decisão de governo, não do BC. Em definido isso, o Copom tem autonomia para agir para atingir essa meta. Aí ninguém comenta, a autonomia é absoluta.

Como garantir essa autonomia? Faz-se um mandato por tempo fixo e estabelecem-se duas razões que justificam ao presidente da República solicitar ao Senado a demissão do presidente do BC. Uma é improbidade. A segunda é o não cumprimento de metas.

Há um compromisso geral do governo em manter a inflação baixa? Como garantir a autonomia do BC?

O presidente Lula e o ministro Palocci tem me assegurado que sim, que há esse compromisso. Como as pessoas podem duvidar, o ministro Palocci me autorizou a anunciar publicamente que o BC teria autonomia, criando até uma controvérsia política. A razão é aumentar a credibilidade do governo. No momento em que estamos dispostos a fazer isso, acabou a dúvida. Tanto que as pessoas que querem que o governo intervenha politicamente no Copom estão reagindo a isso.

Vai ser possível o governo manter os compromissos de estabilidade e crescimento?

Tem de ficar claro que o governo Lula está propondo crescimento econômico e inclusão social. O que está sendo dito é o seguinte: a inclusão social se dará por meio da alocação prioritária do orçamento da União para investimento social.

Outro ponto é a eficácia da gestão. A afirmação de que o investimento social tem de estar fora do orçamento para ser eficiente é um falso dilema. Meu pressuposto é que todo investimento fora do orçamento será ineficaz e vai gerar inflação. O governo tem um orçamento para se seguido, ele é um mapa da realidade. Assim, todos os gastos têm de estar dentro do orçamento.

A diferença de um governo para o outro está no foco, na prioridade. Por exemplo, nos Estados Unidos, a proposta do (candidato democrata à presidência Al) Gore é diferente da proposta do (presidente George W.) Bush. O Bush está devolvendo impostos, o Gore propunha investimento social. Isso é uma decisão política de governo.

Essa é uma discussão da maior importância: onde se devem usar os recursos do governo federal? Para pagar as aposentadorias dos funcionários públicos ou para investir em programas sociais? Quando se diz "vamos manter a alíquota do Imposto de Renda em 27,5%", estamos dizendo "Vamos retirar recursos das pessoas que ganham mais para aplicar no social." Essa decisão configura uma postura ideológica consistente do governo, que é um governo de esquerda e vai fazer investimentos sociais.

A supervisão bancária deve ficar fora do Banco Central?

O sistema americano funciona assim, e eu acho que é complicado. Isso apenas complica um pouco, o sistema de fiscalização dentro do BC faz mais sentido.

Há críticas de que a dívida pública está excessivamente dolarizada e excessivamente pós-fixada. O senhor concorda?

Não vou comentar o excessivamente, mas só em termos teóricos. Há uma opção entre três variáveis: a taxa de juros dos papéis, o prazo dos papéis e sua indexação. Quando o crédito do governo não está bem, você pagará um preço alto em pelo menos uma dessas três variáveis, quando não em duas delas ou nas três. No caso, a situação do Brasil é a seguinte: a opção pela indexação ao dólar é voltada a baixar as taxas de juros e aumentar o prazo. Qual a percepção? Imagine que você só vai lançar papéis prefixados: a taxa demandada será alta e os prazos serão curtos, porque o mercado vai demandar taxas altas e, pelo menos das últimas semanas, havia muitas dúvidas sobre a inflação. Esse é o trade-off em que o BC trabalha.

Idealmente, quando o crédito percebido do governo e o risco Brasil estiverem ambos baixos -- e eu chamo de crédito percebido o risco papel governo no mercado interno -- aí sim, em tese pode haver um papel de taxa baixa e prazo longo e prefixado, permitindo uma política monetária mais eficiente.

O BC pode fazer opções entre essas diversas variáveis, mas não pode controlar as três variáveis, pois elas decorrem do risco percebido do governo. Prefixar a dívida é uma direção a ser perseguida, mas não é algo que dependa só do BC.

A reforma do sistema deixou um passivo jurídico/legal. Como o senhor pretende lidar com isso?

Eu não tenho acesso a esses dados, por isso não quero comentar.

Relacionamento dos bancos com o consumidor vai continuar a ser da alçada do Banco Central?

A princípio sim, mas eu não tenho opinião muito firme, pois preciso olhar isso com mais cuidado. É complicado que instituições não bancárias tenham acesso a dados de instituições financeiras. Há dois modelos no mundo, e eu preciso me informar mais.

Como o senhor vê as propostas de desmembramento do BC, criando, por exemplo, uma agência regulatória que assuma parte das atribuições do BC?

Essa é uma discussão que está em andamento. São papéis externos. O que cabe ao BC está de bom tamanho, o BC está bem equipado para isso.

O que pode melhorar na atuação dos bancos estatais brasileiros?

Uma coisa que pode ser analisada, mas isso é uma decisão de governo e não do BC, é uma questão da supervisão. Uma alternativa é submeter os bancos estatais ao mesmo nível de supervisão bancária que os bancos privados têm por parte do BC. Em alguns países se faz isso, mas isso é uma decisão de governo.

Há uma discussão ampla, pois o BC fiscaliza o BB e a Caixa. Eles se comportaram bem nos últimos anos, mas seu passado não é bom. A venda de ações do BB até fracassou Usar o BB como instrumento de política econômica?

Prefiro não comentar. Tenho minha opinião, mas não acho que essa seja uma discussão pública.

Para reduzir taxa de juros o BC tem vários instrumentos, como regulamentação, tributação, compulsório, concorrência no setor bancário. Em quais delas o senhor pretende atuar?

Em várias delas. Em primeiro lugar, o compulsório, que faz parte da política monetária, compulsório e juros são partes de uma mesma coisa. A supervisão bancária é uma área da maior importância, em que o BC pode atuar e está atuando. Há outros projetos fundamentais, como o do spread bancário. No Brasil ele é muito alto, ele influencia o crescimento, e o BC tem um projeto para isso, ao qual eu vou me dedicar muito. Essa questão passa pela mudança da lei de falências, pela questão da cunha fiscal, é a questão da competição.

A competição é baixa?

Não, acho que ela está em um nível adequado, mas pode melhorar. Tudo pode ser melhorado. Por exemplo, a saúde do sistema financeiro brasileiro é excelente, mas há uma série de problemas. É preciso fazer um grande trabalho na área de microcrédito. Eu tenho um grande interesse na área de cooperativas, por exemplo. Há diversas áreas em que o Banco Central na sua função de supervisor do sistema financeiro pode fazer um grande trabalho.

Como a competição pode ser melhorada? Essa melhoria passa por uma abertura maior do sistema à concorrência estrangeira?

Não estou criticando a competição, mas digo que ela sempre pode ser melhorada. Eu não acho a abertura um fator relevante hoje, pois não há muitos bancos querendo entrar no Brasil hoje. A competição passa muito por transparência, por acesso ao mercado, ao cliente. A competição sempre passa por transparência.

Diante desse papel do BC, qual o papel do Henrique Meirelles que é um banqueiro bem-sucedido, mas não é um operador nem um economista no banco?

Eu vou gerir o BC visando aplicar corretamente uma política monetária de modo a atingir a estabilidade de preços. Da forma como você diz, parece que o BC só faz uma ou outra coisa, o que não é verdade. O BC como um todo tem diversas atividades. A função do presidente é articular, gerir essas áreas, como todo presidente do BC. O presidente do Banco Central Europeu não vai para a mesa operar nem faz análise econômica, há diretorias para isso. Na minha opinião, o papel de Armínio Fraga é gerenciar esse processo. Não vou entrar no mérito da minha experiência em cada um desses campos, pois isso não é minha função fazer. Mas quando eu fui convidado, o presidente Lula e o ministro Palocci analisaram este conjunto de habilidades.

Por que a atual direção do BC foi mantida no cargo?

O governo Lula está buscando a eficácia da gestão. Por que substituir toda a diretoria do BC em um momento de mudança de governo? Só se fosse por decisão política, e não há razão para isso. Se você assume uma grande organização, qualquer que seja ela, você não vai substituir a diretoria inteira no primeiro dia.

Então, teoricamente, não seria preciso substituir Armínio Fraga na presidência do BC.

Essa é uma decisão de governo. O presidente tomou essa decisão, em conjunto com o ministro da Fazenda. Tomada essa decisão, a partir daí, olhando a diretoria do BC, o ministro Palocci e eu concluímos que deveríamos manter a diretoria. Vamos falar com cada um dos diretores, ver quem quer ficar mais tempo e quem quer ficar menos tempo, ver qual o desempenho de cada um deles, esperar o julgamento de ambas as partes e com o tempo vamos tomando as decisões. Em termos de gestão, isso parece muito mais eficaz.

Como um ex-banqueiro de projeção internacional, o senhor se sente à vontade em compor um governo de esquerda?

Eu me sinto absolutamente à vontade em fazer isso porque eu acredito nessa política. Durante minha campanha eleitoral (para deputado federal) em Goiás, eu defendi várias vezes as políticas compensatórias de renda, porque eu acho que um país com o nível de pobreza que tem o Brasil não vai incluir a população que está fora do mercado simplesmente criando empregos. Quem está passando fome e não tem educação não será incluído, independentemente de qualquer coisa. Assim, compete ao governo dar alimentação, educação básica e habitação.

O senhor tem uma história de vida bastante diversa do presidente Armínio Fraga. Ele lidou até recentemente com o dia a dia das mesas de operação e o senhor tem uma experiência maior em formação de equipes e administração. O que essa experiência agrega ao BC?

Eu acho que o mercado subestima o papel de Armínio Fraga quando diz que ele é um operador. Ele não é um operador, ele é um gestor. Ele é o presidente do Banco Central na excelência da palavra. Ele pode ter operado em alguns momentos, mas ele é um gestor, e uma referência como presidente do BC. Então, nesse aspecto, eu acho que o que o Armínio hoje faz é uma gestão do BC como presidente. Ele faz formação de equipe, monta diversas áreas, interage com diretores, preside as reuniões e faz suas avaliações técnicas. Não é que ele fica na mesa operando e a presidência fica acéfala. Um presidente pode ter uma história de concentração em uma ou outra área. Eu tenho uma concentração de gestão de uma entidade financeira. Fui presidente do banco no Brasil durante 12 anos, fui presidente do BankBoston durante três, e fui presidente de uma parte do FleetBoston durante três. Agora, se tomar uma parte dessa, quando eu fui presidente do BankBoston Corporation de 1996 a 1999, eu tinha a mesa de operação, tesouraria, área de crédito e análise econômica, todas as áreas econômicas estavam sob minha responsabilidade.

O senhor era o primeiro homem do banco? Há uma certa confusão a respeito do seu cargo.

Eu era o primeiro homem operacional, um típico operating officer. A confusão ocorre por uma questão de marca. No Brasil, o nome BankBoston foi mantido. Em 1996, eu fui eleito presidente e COO (Chief Operating Officer) do BankBoston. Em outubro de 1999 houve uma fusão do BankBoston com o Fleet. Neste momento o banco passou a ter duas equipes: o chairman e o chairman-to-be, que era o Chaf Gifford. Houve dois presidentes, Bob Higgins e eu. Bob ficou com o varejo e eu fiquei com o atacado, que era área de empresas e internacional. Todos os países fora dos Estados Unidos e todo o atacado nos Estados Unidos. Até o momento em que comecei a fazer meu movimento de volta para o Brasil este ano. Em 2002 deixei o atacado e fiquei com a área internacional. Em agosto eu me aposentei do banco e comecei meu movimento de me integrar à carreira política.

Sua decisão de sair do banco teve algo a ver com o mau desempenho do BankBoston na América Latina, mais especificamente na Argentina?

Não, porque quando houve o problema na Argentina o problema não foi do banco, mas foi uma falência do país como um todo. Essa curiosidade é absolutamente normal, mas minha decisão não tem nada a ver com a Argentina. Quando eu decidi voltar ao Brasil eu deixei o banco de atacado. Eu fiz um movimento de volta ao Brasil e localizei meus escritórios em São Paulo. Quando eu fui para os Estados Unidos, eu estabeleci um limite de cinco anos para minha permanência lá. Essa é, inclusive, uma situação similar à do Armínio Fraga. Ele me disse que já tinha decidido voltar ao Brasil de qualquer maneira. Eu já vinha dizendo a diversos órgãos de mídia que queria retornar ao Brasil desde 1997. Tanto que eu nunca requeri meu green card. O meu visto nos EUA era um visto de trabalho com duração máxima de sete anos, e eu já estava lá há seis. Eu ainda tenho a opção de obter meu green card, mas eu nunca quis me tornar definitivamente um residente nos Estados Unidos nem um contribuinte americano. Resolvi manter a opção de voltar para o Brasil.

Tomei essa decisão por várias razões. Em primeiro lugar, porque eu sou brasileiro. Em segundo lugar, porque eu nunca na minha vida tomei a decisão de ser um emigrante. Eu acho que essa é uma excelente experiência, eu planejei ficar lá entre três e cinco anos, acabei ficando mais tempo por causa da fusão, eu me comprometi a ficar mais três anos na nova entidade, até 2002, o que eu cumpri. A partir daí eu decidi voltar para o Brasil.

Terceiro: eu tomei a decisão de participar do setor público brasileiro, não necessariamente à política, mas à vida pública. Eu concluí que eu tinha atingido uma posição no setor privado que já satisfazia os meus maiores sonhos. Atingi as minhas metas de patrimônio pessoal e, portanto, não me pareceu justificável continuar morando nos Estados Unidos quando o meu ganho marginal em termos financeiros ou de satisfação pessoal não se justificavam. Por isso eu decidi voltar para o Brasil.

Eu tornei isso conhecido em agosto de 2001, quando comecei a receber propostas de trabalho de empresas e bancos brasileiros, e achei que isso não se justificaria. Recebi propostas de trabalhar em organizações do terceiro setor, montar um think tank juntamente com o (jornalista) Gilberto Dimenstein e o (psicanalista) Contardo Calligaris.

Na época, ouvindo isso, alguns políticos decidiram me convidar a entrar para a política. E o primeiro a fazer isso foi o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, que me convidou para jantar com ele e com a executiva do PFL. Ele fez um discurso me mostrando que fazia todo o sentido um homem com o meu perfil e a minha história voltar ao Brasil e entrar na vida pública. Eu fui convidado, então, a entrar no PFL. A seguir eu recebi uma visita do sr Martinez, presidente do PTB. Conversei com o senhor Michel Temer, que me convidou a entrar no PMDB. Conversei com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que fez o mesmo discurso e me convidou a entrar no PSDB, e eu fiz também uma reunião com o Lula, o Mercadante e outras lideranças do PT.

Eu perguntei diretamente ao Lula: "você acha que faz sentido eu voltar ao Brasil e entrar na vida pública?" Ele disse que sim, que achava que este era um momento histórico, e eu tomei essa decisão em outubro de 2001, quando anunciei minha filiação ao PSDB e que iria disputar uma vaga ao Senado.

A sua primeira conversa foi com o PFL e o senhor fechou com o PT...

São duas coisas diferentes. Quando eu anunciei minha decisão de voltar ao Brasil e entrar na vida pública eu tive conversas com vários partidos: o PFL, o PSB, o PPS, o PTB, o PMDB e o PSDB. Além disso, eu tenho contatos com o PT há muito tempo. Minha primeira reunião com o Lula para discutir o Brasil foi em 1989, na Câmara Americana de Comércio em 1989. Nas vésperas do segundo turno em 1989 eu fiz uma reunião com a equipe econômica do PT e alguns banqueiros para planejar a transição para um possível governo Lula, para o qual eu já estava disposto a colaborar. Em 1991 eu fundei a Sociedade Viva o Centro de São Paulo, que começou a trabalhar com a então prefeita Luíza Erundina para recuperar o centro de São Paulo. Essa sociedade, da qual eu sou presidente do Conselho, funciona até hoje.

Em 1994, ainda no fim do mandato do deputado Aloízio Mercadante que tinha perdido a eleição para vice-presidente me propôs uma parceria para criar um movimento em favor das crianças de rua. Daí surgiu a Fundação Travessia, onde eu era o presidente do conselho e o Ricardo Berzoini era presidente da diretoria executiva. Daí tivemos uma parceria excepcional, de grande sucesso nesses oito anos.

Naquela época o senhor imaginava que poderia ser o presidente do Banco Central do novo governo?

Não imaginava. Já a partir daí eu comecei um movimento gradual. O primeiro movimento foi articular minha volta gradual ao Brasil. Eu propus ao Conselho, ao Chad, deixar de ser responsável pela área de atacado para poder ficar mais tempo no Brasil. Eles não gostaram, mas concordaram, e eu comecei a fazer esse movimento no final do ano passado. Em dezembro saíram circulares, foi anunciado para o mercado lá. Eu passei a vir a Goiás nos fins de semana para organizar meu projeto político até agosto, quando eu me desvinculei do banco.

Outra coisa que as pessoas perguntam é sobre a questão financeira. Em primeiro lugar, eu tenho um patrimônio que considero aceitável. Algumas pessoas acham que não é, mas eu acho que é. Segundo, que eu, dentro do meu contrato de trabalho, ficando durante três anos, o que eu fiz, eu tenho direito a aposentadoria integral, contrato que eu exerci em agosto de 2002.

Como presidente do Banco Central, o senhor pode receber aposentadoria de um banco estrangeiro?

Posso receber sim. Já conversei com os advogados, o Lula e o ministro Palocci, e cheguei à conclusão que aposentadoria é um direito do trabalhador. No meu caso, o governo brasileiro não incorre em despesa nessa aposentadoria.

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