Imposto da reforma tributária fará informalidade crescer, diz Flávio Rocha
Para presidente da Riachuelo, IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre o consumo pode empurrar setores para informalidade
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de julho de 2019 às 07h59.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 08h23.
Figura central do Instituto Brasil 200, grupo que reúne empresários bolsonaristas, o presidente do conselho da Riachuelo Flávio Rocha, afirma que as propostas de reforma tributária encampadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional - que envolvem a criação de diferentes versões de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre o consumo - vão “empurrar setores maciçamente para a informalidade”.
Para o empresário, as demais propostas de reforma tributária têm fragilidades. Uma delas, segundo ele, seria a noção de que o IVA simplificaria o sistema. “Uma coisa é você fiscalizar a Ambev, outra é fiscalizar milhares de botequins espalhados pelo Brasil.”
Em relação à proposta de Imposto Único de 2,5% do Instituto Brasil 200 - porcentual que, segundo críticos como o economista Bernard Appy, seria insuficiente para compensar a arrecadação atual -, Rocha diz que o grupo está disposto a elevar a cobrança sobre movimentações financeiras aos poucos. “Podemos testar para ver até que medida esse imposto será eficiente.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
As demais propostas de reforma tributária incluem um IVA sobre o consumo. Por que o Brasil 200 diverge dessa posição?
O IVA é um imposto que caminha para obsolescência, pois mira uma economia cada vez menos representativa, linear. A economia da matéria está sendo substituída por uma estratificada, de relação C2C (de consumidor para consumidor), colaborativa. É uma tendência irrefreável. A síntese mais perfeita da economia atual são os débitos e créditos feitos nos computadores de bancos.
Qual é a fonte da proposta do Imposto Único do Brasil 200?
São os estudos acadêmicos de Marcos Cintra (professor da FGV e atual secretário especial da Receita Federal). Essa é a fonte desde que apresentei, em 1993, a proposta de Imposto Único (no Congresso). Naquela época, 1% de alíquota única dava conta de compensar a arrecadação e também os gastos com a Previdência. Estamos, agora, em outro momento.
A proposta é de uma alíquota de 2,5%, mas há quem acredite que o número é subestimado. Como saber se a conta fecha?
A ideia é fazer a implementação gradual, pois não sabemos qual é o ponto de inflexão desse imposto no cenário brasileiro atual. Ele já foi testado com alíquota de 0,38%, chegando a arrecadar 1 6% do PIB. Com essa implementação gradual, se aparecerem sinais apontados pelos nossos críticos - como as pessoas usarem malas de dinheiro ou as cadeias produtivas integrarem seus fornecedores -, poderemos ao menos substituir os impostos que geram mais distorções, como a contribuição social sobre folha de pagamento e PIS/Cofins. Segundo o professor Marcos Cintra, com uma alíquota de 1% já seria possível ter quase um Imposto Único na esfera federal.
O sr. diz que o Imposto Único chega a 100% da economia, mas ele afeta da mesma maneira quem ganha R$ 1.000 e quem ganha R$ 100 mil por mês...
Pelo menos saímos do sistema fortemente regressivo de hoje, que esconde os impostos nos preços dos produtos e é particularmente perverso com os mais pobres. Um trabalhador que ganha um salário mínimo provavelmente gasta 100% da renda em consumo. Como 40% dos preços dos produtos são impostos, esse trabalhador está gastando 40% do seu salário em impostos. Alguém muito rico, que poupa boa parte da renda, paga os 40% só sobre uma parte do seu dinheiro. Um sistema neutro já seria uma evolução.
Outra crítica é que, com a tributação sobre operação financeira, uma empresa vai pagar mais imposto do que juros ao pedir empréstimo. Não seria um peso para o setor produtivo?
É por isso que vamos testar as alíquotas de forma gradual. Hoje, por exemplo, um pequeno lojista aceita pagar uma taxa de 3% ou 4% para ter acesso a um sistema moderno de pagamentos. No caso do imposto, é a mesma coisa: ele fica protegido da sonegação se o custo de fugir dele é maior do que o de pagá-lo. Imagine o custo que seria monetizar a economia como ela é hoje.
Tanto o governo federal quanto o Congresso já abraçaram propostas que divergem do texto do Brasil 200. O que o grupo fará para mudar isso?
É a nossa oportunidade para mostrar as fragilidades das outras propostas. A ideia de um IVA que cobra a mesma alíquota de um restaurante e da indústria automobilística não faz sentido - isso porque a primeira é mais vulnerável e a segunda, mais blindada. Pegue a cadeia têxtil: muitos Estados reduziram a carga tributária de ICMS para 12%. O Rio de Janeiro acabou de cortar o tributo para restaurantes para 4%. É irreal a mesma carga tributária para automóvel e restaurante.
Por quê?
Porque vamos empurrar parte dos setores maciçamente para a informalidade. O sistema tributário brasileiro foi um lento aprendizado para descobrir onde estava o ponto máximo de eficiência (e a alíquota máxima de imposto) de cada cadeia. Mesmo dentro de setores há diferença. Em bebidas, uma gigante como a Ambev aguenta uma carga grande. Já o elo vizinho, o do varejo, é absolutamente vulnerável. Tivemos grande formalização da economia entre 2003 e 2013. Isso foi puxado pela substituição tributária, que desobrigou as autoridades de fiscalizarem milhões de botequins e trouxe isso para um contribuinte substituto. Imagine reverter isso.
Isso, na sua visão, complicaria a arrecadação?
Em vez de obrigar o Estado a fiscalizar a Nestlé, a BRF ou a Ambev, teremos de fiscalizar um mercado em Santana do Seridó, no Rio Grande do Norte, que vende produtos dessas empresas. A reforma que está no Congresso fala em simplificação. Mas não há simplificação. Isso é uma aventura, coisa de gente que está a anos-luz do balcão. Dói nos ouvidos de um varejista essa proposta de um IVA com uma alíquota única.