Economia

Idealistas ou malandros?

Os baixos salários no governo dificultam o recrutamento de bons quadros

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h51.

Poucos sabem quem são e o que fazem os em geral discretos ministros do Supremo Tribunal Federal. Tirando-se, porém, o presidente da República, nenhum outro funcionário, eleito ou não, entre os milhões de União, estados e municípios, tem a sua importância. Eles são apenas 11 no oceano de juízes de todas as instâncias espalhados pelo país. Na maior parte dos casos, passaram uma longa vida de trabalho como magistrados, advogados ou membros do Ministério Público, são ou foram professores, escreveram livros, fizeram mestrados e doutorados. A Constituição exige deles "notório saber" jurídico e "ilibada reputação".

Eles decidem diretamente sobre a vida de centenas de milhares de brasileiros, e suas decisões afetam todos os 170 milhões. Julgam causas de bilhões de reais. E resolvem, em última instância e sem apelação, o que está certo ou errado e o que pode ou não ser feito -- inclusive pelo Congresso e pelo presidente da República -- à luz da Constituição.

E sabe você, leitor de EXAME, quanto ganha um ministro do STF? Exatos 10 764 reais, podendo chegar a 13 000 se a isso se juntar um controvertido auxílio-moradia e gratificações para os que atuaram no Tribunal Superior Eleitoral. Os ministros estão discutindo um projeto de lei que, se aprovado pelo Congresso a título de reposição de inflação, elevaria seus vencimentos para 17 000 reais. Ainda assim, pense bem, leitor: toda essa imensa responsabilidade para um salário similar ao de não poucos garotos do mercado financeiro, mal saídos da faculdade. Isso dá uma idéia do panorama com que, hoje, se defronta o Estado na hora de recrutar quadros.

Eis aí um tremendo problema para o próximo governo: de um lado, foi só em parte bem-sucedido o duro combate aos supersalários de funcionários públicos empreendido pela administração Fernando Henrique Cardoso. Ainda existem brechas, sobretudo no pantanoso terreno dos direitos adquiridos, que permitem bandalheiras como os célebres coronéis aposentados da PM capixaba que, felizes, embolsam 60 000 por mês. De outro, as necessárias tentativas de moralização levaram o Estado a remunerar abissalmente abaixo das realidades do mercado, o que dificulta cada vez mais a atração de bons quadros. E é claro que, além de serem uma ameaça à qualidade dos servidores, os baixos rendimentos constituem, para a turma do leva-vantagem, permanente convite a subornos e negociatas.

Diretores das agências reguladoras criadas pelo governo FHC, destinadas a colocar ordem em mercados complexos e bilionários -- telecomunicações, petróleo, energia, produtos farmacêuticos --, ganham ridículos 6 000 reais. Ministros de Estado mal passam de 8 000. Diretores do Banco Central, especialistas da Receita Federal e outros graúdos igualmente recebem contracheques desproporcionais a suas tarefas. Tudo emparedado em leis cuja alteração levaria a efeitos cascata capazes de pulverizar oito anos de rigor fiscal.

É preciso encarar o problema sem medo e fazer o que deve ser feito: mexer na Constituição para bloquear isonomias, efeitos cascata, mordomias absurdas e privilégios indevidos. Mas também deixar claro, claríssimo, sem hipocrisia, que um alto funcionário, um ministro, um secretário de Estado ou um representante eleito pelo povo deve ganhar bem. Um deputado, por exemplo, como delegado de uma parcela da população no Congresso, precisa ter assessores, condições de viajar, morar dignamente na capital. Caso contrário, com salários baixíssimos, a vida pública vai acabar interessando só a dois tipos de pessoa: aos idealistas e aos malandros. Qual contingente, adivinhe, é o mais numeroso?

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