Paulo Guedes: ministro da Economia dá entrevista à imprensa americana sobre guinada à direita nas políticas econômicas (Wilson Dias/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de fevereiro de 2019 às 14h22.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2019 às 15h29.
Londres — O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, prometeu encerrar anos de fracassadas intervenções do Estado, por meio de grandes reformas de livre mercado, no governo do presidente Jair Bolsonaro. Ele concedeu uma "ampla entrevista" ao jornal de economia britânico Financial Times, em seu escritório em Brasília, para falar sobre o que pretende fazer para impulsionar a maior economia da América Latina. Mereceu, inclusive, chamada no alta da capa do periódico.
O diário descreve Guedes como um ex-administrador de fundos que foi escolhido pelo presidente de direita para reacender a economia brasileira após a pior recessão de sua história. Ao periódico, disse que a reforma da Previdência economizaria R$ 1 trilhão em 10 anos e que deverá ser aprovada "dentro de cinco meses".
As mudanças nas regras de aposentadoria brasileira, sempre descritas como "generosas" pelo veículo britânico, seriam seguidas rapidamente, de acordo com o ministro, por uma reforma tributária e por um programa radical de privatização em que não haverá vacas sagradas. "Estamos indo em direção a uma economia voltada para o mercado", disse o economista e professor de Matemática formado na Universidade de Chicago. "É parte de um processo econômico de melhoria. Qualquer um que não possa ver isso está interpretando mal o Brasil".
A vitória eleitoral de Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que admira o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e elogiou a ditadura militar do Brasil, foi amplamente vista como parte da mudança global para o nacionalismo de direita e uma ameaça à democracia brasileira. Guedes insistiu que isso era uma má avaliação. "É o contrário. Essa foi a minha mensagem em Davos", disse ele. "O Brasil é uma democracia vibrante. A eleição de Bolsonaro mostrou isso", continuou.
Os desafios enfrentados pelo ministro incluem, segundo o FT, grande déficit fiscal, aumento da dívida pública, desemprego quase recorde que deixou cerca de 12 milhões de pessoas sem trabalho, baixa produtividade e uma recuperação econômica anêmica. No entanto, também pontuou o jornal, as contas externas estão amplamente equilibradas e as reservas externas estão em US$ 377 bilhões.
O Financial Times recordou que a recessão e os escândalos de corrupção criaram o pano de fundo para uma eleição em que quase 60 milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro, que promoveu os valores da família cristã, da anticorrupção e uma plataforma de lei e ordem de extrema-direita que repercutiu amplamente com um recorde de 64 mil homicídios em 2017. O recrutamento de Guedes como conselheiro econômico, continua o texto, marcou um ponto de inflexão na campanha, uma vez que trouxe investidores, grupos empresariais e empreendedores anteriormente céticos.
"As pessoas me perguntaram: como um liberal pode se juntar aos conservadores? Eles só trarão desordem. Mas a desordem já está aqui: mais pessoas estão morrendo a cada ano do que os soldados americanos no Vietnã", argumentou ele. "O presidente trará 'ordem', os liberais 'o progresso'", disse ele, referindo-se ao lema da bandeira do Brasil, "Ordem e Progresso".
Guedes e Bolsonaro formam um par estranho, de acordo com o FT. O primeiro foi descrito como um day-trader ocasional, que fundou o que mais tarde se tornou o maior banco de investimentos do País, o BTG Pactual. Bolsonaro era um deputado "de bancada" com um histórico de votar contra políticas econômicas liberais e em favor do nacionalismo corporativista que Guedes planeja encerrar.
No entanto, Guedes disse que eles compartilhavam uma visão comum de renovar o País e libertar seus jovens do "fardo socialista" do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil a maior parte deste século. Embora tenha tirado milhões da pobreza, o maior escândalo de corrupção do País e a pior recessão provocaram a ira dos eleitores contra o PT. "A ordem econômica socialista está em desordem", disse Guedes. "Vamos manter os gastos sociais, mas acabar com corrupção, privilégios e benefícios", afirmou. "As pensões são uma máquina de transferências de renda regressivas e perversas."
Guedes também disse que o pacote total de mudanças nas aposentadorias traria uma economia de R$ 700 milhões a R$ 1,3 trilhão e seria submetido ao Congresso "assim que o presidente se levantar da cama". Bolsonaro está no hospital após a cirurgia para a remoção de uma bolsa de colostomia usada após ser esfaqueado durante a campanha, no ano passado.
Na versão online da entrevista feita com o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, o Financial Timesrelata que ele toca um dedo em sua têmpora. "As pessoas da esquerda têm cabeças 'fracas' e bom coração", diz ele. "As pessoas da direita têm cabeças fortes e..." Ele procura a frase correta. "Corações não tão bons."
O site do jornal salienta que este é um momento de candura para o "superministro da economia" do Brasil, já que o presidente para quem ele trabalha é um ex-capitão do exército de direita visto internacionalmente como um "protofascista" com predileção pela ditadura militar.
Também é um indicativo, de acordo com a reportagem, da amplitude dos pontos de vista de Guedes e sua crença de que Bolsonaro não é o bicho-papão extremista como frequentemente é visto no exterior. "Estamos criando uma sociedade popperiana aberta", diz, citando uma das várias vezes em que se lembra do filósofo austríaco Karl Popper - que defendeu a democracia liberal dinâmica. "Se Bolsonaro é duro em suas maneiras, é apenas uma aparência. Ele será duro com os bandidos", acrescentou.
Popper também é um herói de George Soros, o filantropo liberal odiado por alguns dos etno-nacionalistas no séquito de Bolsonaro. "A ideologia é o verdadeiro inimigo", diz ele. "Eu sou apenas um cientista fazendo o meu trabalho."
Guedes foi descrito pelo veículo britânico em sua versão online como, sem dúvida, o segundo homem mais poderoso do governo brasileiro, ao reunir cinco ministérios - Finanças, Comércio, Trabalho, Indústria e Desenvolvimento - em seu portfólio. Ele é certamente o mais ativo.
Enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia, o novo governo tem sido perseguido por disputas: mais recentemente, o ministro conservador Ernesto Araújo buscou uma linha mais dura contra a Venezuela ante uma abordagem militar mais cautelosa apoiada pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão. Em contrapartida, a equipe de economia de Guedes acertou com propostas de reformas ambiciosas. "O Brasil é a oitava maior economia do mundo, mas o 130º em grau de abertura, perto do Sudão. Ele também está classificado em 128º em termos de facilidade de fazer negócios. Quero dizer...Jesus Cristo! ", diz, saltando de sua cadeira.
O FT salienta que Guedes, bronzeado, intenso em sua conversa e com os gestos expressivos típicos dos habitantes do Rio de Janeiro, diz que quer cortar esses rankings pela metade em apenas quatro anos, reduzindo gastos, revisando o código tributário "bizantino" do Brasil, cortando a burocracia e privatizando ativos do Estado.
Nascido em uma família de classe média baixa, Guedes se instruiu por meio de bolsas de estudo e ganhou um doutorado em economia na Universidade de Chicago. Mais tarde, ele trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet, deixando Santiago com sua esposa somente depois que ele encontrou a polícia secreta fazendo buscas em seu apartamento. "Eu vi o Chile mais pobre que Cuba e a Venezuela hoje, e os garotos de Chicago consertaram isso. O Chile é agora como a Suíça ", diz ele, descartando os custos sociais, como a taxa de desemprego de 21% em 1983. "Isso é besteira ", diz ele. "O desemprego já estava lá. Foi apenas escondido dentro de uma economia destruída". É uma visão contenciosa, conforme o veículo britânico.
Quando voltou ao Brasil, tornou-se administrador de fundos, operador ocasional e colunista prolífico de jornais. Ele diz que conheceu Bolsonaro "exatamente um ano e um mês atrás" e, depois de evitar várias ofertas de emprego do governo, usa o jargão do trader para justificar sua escolha agora. "Passei toda a minha vida gerando [desempenho superior do mercado] alfa e vendo os sucessivos governos destruírem o beta", diz ele. "Agora quero melhorar o beta do Brasil."
Depois de 20 anos de ditadura e 30 anos de social-democracia, o balanço do Brasil para a direita é saudável, diz ele. "Quando os liberais vêm, são boas notícias, não más notícias." Ainda assim, dúvidas permanecem, segundo o jornal britânico: e quanto à política social, dada a desigualdade do Brasil? E a sua mágica de livre mercado é compatível com o liberalismo político, dada a força aparentemente autoritária de Bolsonaro?
"Certamente, Rússia e Brasil tiveram glasnost antes da perestroika", diz ele, referindo-se às políticas de abertura e liberalização política e econômica. "Você precisa ter os dois. Então você tem crescimento e uma classe média que traz estabilidade". O caminho alternativo adotado pelo Brasil leva a um Estado rentista caracterizado pela corrupção. "Nós éramos uma democracia de uma só perna", diz ele. "O sistema está corrompido. Quero dizer, por que Lula, o político mais popular do Brasil, só conseguiu 13 anos por acusações de corrupção?" Ele aponta para uma televisão, onde um programa de notícias acaba de divulgar o último julgamento contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a mais de 12 anos de prisão.
Críticos dizem que a punição foi o resultado de um Judiciário politicamente manipulado que queria proibir o líder de esquerda da corrida eleitoral, abrindo assim o caminho para a vitória de Bolsonaro. Em vez disso, Guedes sugere que foi o sistema patronal do Brasil que o enlaçou. A receita para corrigir isso é "uma economia voltada para o mercado, em vez da fracassada economia que corrompeu a ordem política".
Poucos brasileiros discordariam desse diagnóstico, conforme o FT, dada a forma como o País ainda sofre as consequências de sua mais profunda recessão e do maior escândalo de corrupção. Sua visão econômica é mais Ronald Reagan do que Donald Trump, e ele parece realista sobre suas restrições políticas, diz o FT. "O presidente [sempre pode dizer] não, eu tenho os votos."
Como um economista teórico que aponta para as estrelas, ele parece contente em alcançar a lua e admite que será uma viagem turbulenta. "Sim, a economia vai crescer mais rápido. Mas não podemos ser ingênuos. Há muito dano para consertar."