A grande lição da Grécia ao Brasil
Para cinco especialistas ouvidos por EXAME, é necessário controlar gastos públicos em tempos de bonança para evitar um calote quando a maré virar
Da Redação
Publicado em 4 de março de 2010 às 11h42.
Mal o mundo começou a retomar o fôlego após a crise que foi considerada por muitos a mais grave desde 1929 e uma nova onda de temor atingiu os mercados de capitais ao redor do globo. Enquanto na Europa os Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, na sigla em inglês) se veem às voltas com a possibilidade de calote, do outro lado do Atlântico o Brasil goza de uma confortável situação econômica. Com suas contas sob controle e a perspectiva de crescimento em torno dos 5% em 2010, o país desponta no cenário mundial como um dos mais bem preparados para enfrentar os tempos de turbulência. Mas será que a crise poderá trazer algum benefício ao Brasil? EXAME fez essa pergunta a cinco especialistas. Confira as respostas abaixo:
Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Grupo Santander: Crise nunca é bom pra ninguém. Mas se há um ponto positivo é mostrar os limites da irresponsabilidade fiscal. O Brasil está bem devido ao controle de suas contas, resultado de anos de trabalho. Isso fica como lição. Enquanto o país garantir aos investidores ter de volta o que foi aplicado, será visto como seguro. E isso já vem acontecendo há algum tempo, mesmo antes de o país receber o grau de investimento. Quando o cenário internacional estiver um pouco mais definido, é provável que os investimentos migrem para países com boas perspectivas de crescimento e que se saíram bem na crise, como Brasil, China e Índia. Vale ressaltar, entretanto, que a nota de risco do Brasil não vai aumentar somente porque a dos outros países está piorando. Há uma melhora na percepção do Brasil porque os outros países não estão bem, mas isso não significa que nós estamos melhor. Imagine um aluno que sempre tirou nota 6 na escola. Enquanto os outros tiravam 8, ele não aparecia. Mas, quando os outros começam a tirar 3, ele se destaca. A nota dele, porém, continua sendo 6. É isso o que está acontecendo com o Brasil. Por enquanto, a crise não está impactando juros, inflação e exportações. Se houver um calote na Europa, daí a situação pode piorar, com efeito negativo sobre inflação e câmbio. Mas esse cenário é muito remoto. (Continua)
Alessandra Ribeiro, economista-chefe da consultoria Tendências: Pode-se dizer que o efeito positivo dessa crise será derivado do medo. O que se vê agora na Europa serve de alerta para o Brasil. Desde a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda temos tido uma piora nos gastos públicos. E são gastos que não são passíveis de reversão, como aumento do funcionalismo e da Previdência, o Tesouro concedendo financiamento para o BNDES... Nossa dívida bruta aumentou 10 pontos percentuais com a crise. Se isso continuar, a situação do Brasil logo vai piorar. Por enquanto, o principal reflexo da crise no Brasil foi a saída de recursos da bolsa. Mesmo com os Estados Unidos fragilizados, os títulos públicos americanos continuam sendo o porto-seguro dos investidores. Num primeiro momento, é natural que eles se refugiem nos títulos americanos, mas conforme o cenário vá ficando mais claro, é de se esperar que os investimentos voltem para o Brasil. Com a crise, a Europa deve ficar menos atrativa, e com isso, grande parte dos investimentos deve ir para países com boas perspectivas de crescimento, como o Brasil.
Mauro Leos, vice-presidente de Crédito para a América Latina da Moody's: Os medos que existem na Europa não estão presentes no Brasil. Os fluxos de capitais continuam bons, não há problemas de crédito. A imagem do Brasil no exterior se fortaleceu. Mas essa melhora não é de agora, vem desde o grau de investimento. Em momentos de crise, os investidores sempre tendem a ser mais conservadores. Ainda que não haja uma contaminação no Brasil, é natural haver fuga de capital para títulos do Tesouro americano. O regresso desses recursos vai depender da situação global. O Brasil tem a vantagem de apresentar um grande potencial de crescimento. É isso que o coloca à frente de outros países também estáveis, como o México. Essa posição é fruto de uma disciplina fiscal, cultivada ao longo do tempo. Mas é preciso ter cautela para que não haja um excesso de otimismo e também para que se mantenha o controle das contas.
Sebastián Briozzo, diretor do Núcleo de Análises Soberanas da Standard & Poor's: No passado, as economias da América Latina sofriam muito com crises internacionais. A resposta dos países sempre era o aumento de juros. Dessa vez foi diferente, e isso é resultado de uma política econômica responsável. Ao contrário dos países na Europa, que estão crescendo com grandes desequilíbrios econômicos, o Brasil está crescendo de forma saudável. Essa crise reforça a visão de que o país está mais seguro, e é possível que ele receba mais investimentos no futuro. A volatilidade no mercado de capitais, no entanto, deve continuar .