Economia

Feira de ciências

Algumas empresas descobriram que as universidades têm inovação à venda -- baratinho, baratinho

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h51.

A alemã Siemens é uma entre tantas empresas de tecnologia forçadas a fazer mais um furo no cinto. Uns furos, melhor dizendo. No início do ano veio a ordem: economizar 1,8 bilhão de dólares só na área de telefonia, da qual fazem parte 20 fábricas espalhadas pelo mundo. Elas ainda correm o risco de fechamento e já demitiram mais de 5 mil funcionários. Apenas as fábricas da Alemanha, China, Estados Unidos e Curitiba, no Paraná, têm garantia de que serão poupadas. São as que detêm o perfil tecnológico mais inovador -- e por isso são rentáveis. A unidade brasileira, entretanto, possui uma característica ainda mais peculiar: a inovação foi gerada em parceria com universidades. Dois terços da tecnologia básica de todo o volume de equipamentos produzidos vieram da academia.

Sem a parceria com as universidades, todos os outros esforços para manter a fábrica de Curitiba teriam sido inócuos, afirma Hans Shorer, executivo da Siemens cuja única função é gerir o conhecimento da empresa. A Siemens faz parte de um grupo reduzido de grandes empresas que dependem visceralmente da inovação tecnológica para continuar existindo. Só para ter uma idéia, a Siemens investiu mais de 7% de seu faturamento global em pesquisa e desenvolvimento no ano passado (algo em torno de 6,5 bilhões de dólares). A gigante alemã apresenta, a cada ano, 8,2 mil invenções e disputa com a IBM o título de empresa que mais registra patentes na Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Resultado: cerca de três quartos de seus produtos e serviços têm menos de cinco anos de vida.

A Siemens também faz parte de outro grupo, ainda mais seleto: o das empresas que perceberam que investir em pesquisa e desenvolvimento dentro de instituições acadêmicas pode ser um bom negócio. Primeiro, porque é garantia de qualidade. Segundo, porque é barato. A academia está sempre à frente da empresa no conhecimento, e a empresa não tem vocação para fazer ciência. Já que dependemos de pesquisas para melhorar e lançar produtos, o jeito foi criar mecanismos para transformar o conhecimento acadêmico em riqueza, diz Shorer. Num estudo feito neste ano, o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), braço de pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, encontrou 198 produtos no mercado, nas áreas de tecnologia da informação, biotecnologia e novos materiais, que saíram de laboratórios de universidades e centros de pesquisa brasileiros. As grandes empresas, portanto, já foram às compras.

POLIGAMIA J

Para chegar ao sacolão de inovações tecnológicas, existem dois caminhos. O primeiro deles é a parceria entre as empresas e as universidades ou centros de pesquisa. A catarinense Embraco, fabricante de compressores e sistemas de refrigeração, pôs os pés na universidade em 1981. Na época com 10 anos de idade, a empresa começava a crescer. Para sustentar esse crescimento, precisávamos de tecnologia própria, diz Laércio Hardt, diretor de tecnologia da empresa, que faturou 1,2 bilhão de reais e hoje é um braço do grupo Multibrás. Nos idos dos anos 70, a Embraco, como grande parte do mercado empresarial nacional, comprava tecnologia pronta do exterior. Hoje, sua rede de parceiros conta com seis laboratórios e oito universidades. Todos pesquisam tecnologias de base que mais tarde serão aplicadas no desenvolvimento de produtos dentro do próprio centro de tecnologia da empresa. Com sede em Joinville, o centro consome a maior parcela dos investimentos da Embraco em pesquisa e desenvolvimento. O restante vai para a manutenção das parcerias. Por ano, são cerca de 3,6 milhões de reais, ou 3% do faturamento líquido da empresa.

Esse percentual não varia muito entre as empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento -- e, acredite, é baixo. O valor aplicado em parcerias com universidades é menor ainda. A Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) faz levantamentos anuais entre suas afiliadas, como Embraco, Siemens e Copersucar. O último, de 1999, mostrou que suas então 255 associadas investiram 3,1 bilhões de reais em pesquisa e desenvolvimento, dos quais apenas 156 milhões foram para universidades. Do ponto de vista da empresa, porém, a única maneira de avaliar um investimento na tecnologia desenvolvida na universidade é calcular a receita gerada com o trabalho do pessoal de avental branco.

O BARATO SAI... BARATO

A filial brasileira da Alcoa, a maior produtora de alumínio do mundo, investe 7 mil reais por mês numa parceria com a Universidade Federal de São Carlos, a UFSCar. Economizará, com um único projeto de pesquisa, mais de 2 milhões de dólares. Note: em apenas um projeto. Existem outros 14 em progresso. O primeiro contato com a UFSCar foi há 15 anos, mas somente em 1991 as pesquisas realmente começaram. Nesta última década, além da contribuição mensal da empresa em pesquisa, que somou mais de 800 mil reais, a Fundação Alcoa investiu cerca de 300 mil dólares em infra-estrutura no departamento de engenharia de materiais da UFSCar, o Dema.

Hoje, o Dema está concluindo um estudo sobre o uso de materiais refratários que permitirá à Alcoa fazer só de três em três anos a pausa de manutenção de 15 dias em seu forno industrial. Atualmente, a pausa é de dois em dois anos. Cada paralisação custa, por baixo, 12,5 milhões de dólares. A mudança de prazo reduzirá o custo anual dos atuais 6,2 milhões (pausa a cada dois anos) para 4,2 milhões (pausa a cada três anos). Eis o tal ganho de mais de 2 milhões de dólares. Além disso, o Dema tem outros quatro projetos patenteados ou às vésperas de uma patente. Os lucros obtidos com as patentes são divididos meio a meio. Não ganhamos dinheiro com elas. E não vendemos o software, só o indicamos. A universidade o vende, diz Jorge Gallo, que coordena a parceria na Alcoa.

A Siemens não revela os ganhos que podem ser creditados ao conhecimento acadêmico, mas é possível estimá-los. O primeiro deles vem da comercialização dos chamados armários ópticos. Trata-se de uma espécie de caixa que abriga equipamentos de telecomunicações subterrâneos. Desenvolvidos com tecnologia pesquisada em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, os armários são o carro-chefe da fábrica de Curitiba há quatro anos. Vendem como água. Em 2000, a Siemens faturou no Brasil 2,4 bilhões de reais. A empresa não revela nem mesmo qual porcentagem desse total vem da fábrica de Curitiba. Mas, de 1997 para cá, já foram produzidos 17,5 milhões de armários ópticos com tecnologia do centro federal -- um número para lá de expressivo. Mais: os processos de testes, medições e simulações ligados à produção dos armários ópticos -- e também criados pela instituição -- são vendidos para os alemães, o que significa outra fonte de receita.

Ao falar em dinheiro, Shorer limita-se a afirmar que a inovação tecnológica comprada da academia é muito mais barata. Poderíamos manter a excelência inovadora da fábrica de Curitiba sem a parceria com a academia, mas o custo seria muito maior, afirma o diretor da Siemens. Não posso pagar um especialista para desenvolver um processo que vou usar só duas vezes por ano. A Siemens, diga-se, tem centros de tecnologia próprios. A Alcoa também. São dois laboratórios, mas, por mais que invista em recursos humanos e pesquisa, uma empresa não tem como manter uma gama de estudos tão abrangente quanto uma universidade, afirma Gallo, da Alcoa.

NÃO É SÓ PREÇO

A grande empresa não iria à universidade se achasse que preço baixo é a única vantagem. Como em qualquer compromisso comercial, ela espera preço, prazo e qualidade, diz Gina Paladino, coordenadora de assuntos estratégicos do IEL. Quanto à qualidade, parece não haver dúvida: com um pouco de recurso, cientistas brasileiros exportam inovação e ganham competitividade. Foi com produto desenvolvido em cooperação com universidades -- um compressor chamado EM -- que a Embraco entrou no mercado internacional na década de 80 e iniciou produções locais na China, Itália e Eslováquia.

Quanto aos prazos, não há remédio. O Tio Patinhas precisa entender a lógica do Professor Pardal -- e vice-versa. Muitas vezes é preciso ter paciência. A parceria é uma estratégia com retorno de longo prazo. Entender isso é o primeiro passo para que ela seja um sucesso, afirma Hardt, da Embraco. Os cientistas, por sua natureza, não estão acostumados com prazos e metas, diz Fernando Aragão, diretor do Centro de Tecnologia da Ericsson, que fabrica equipamentos de telefonia e redes de comunicação. Em parceria com 11 universidades e um instituto de pesquisa, a Ericsson investiu 35 milhões de reais em 34 projetos de pesquisa nos últimos três anos. Desde 1999, quando as parcerias começaram, nenhum produto Ericsson foi produzido com inovação tecnológica acadêmica. É verdade que alguns processos de produção foram melhorados com o apoio de cientistas, mas o primeiro fruto industrial será um software de reconhecimento de voz em português, trabalho da USP, que será lançado no ano que vem. Como esses exemplos mostram, a universidade brasileira está, sim, se aproximando do mercado. A academia ainda está cheia de promoções. Mas corra -- ou sua empresa vai pegar só o fim da feira.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Economia

Vendas no comércio crescem 0,6% em julho

"Economia vai crescer mais de 3% e agora precisamos controlar dívida interna", diz Haddad

Haddad reafirma compromisso com déficit zero e diz que vai rever receita de 2024 com o Carf

Haddad diz que governo deve propor taxação de big techs ainda neste ano