Carga tributária: entre os países da OCDE, o Brasil ocupa a 9ª posição dos que pagam mais impostos. (Ze Martinusso/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 30 de maio de 2020 às 08h00.
Os brasileiros tiveram que trabalhar até este sábado, 30 de maio, só para pagar tributos em 2020. É o que mostra um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), obtido com exclusividade pela EXAME.
O número de 151 dias é inferior ao registrado em 2019, quando foram necessários 153 dias. É a primeira queda desde 2009, quando o contribuinte trabalhou 147 dias para pagar impostos.
Para fazer o estudo, o IBPT contabiliza os ganhos e pagamentos feitos entre maio de 2019 e abril de 2020. Por isso, a pandemia do coronavírus e a redução da atividade econômica tiveram um leve impacto no resultado.
"Dentro deste cálculo nós pegamos um período pré-pandêmico. Mas já tem um reflexo. Esta parte da pandemia vai ter impacto no cálculo do ano que vem", explica João Eloi Olenike, diretor-executivo do IBPT e um dos responsáveis pela análise.
Como a carga tributária brasileira tem um peso maior no consumo, em comparação com patrimônio e renda, a projeção para 2021 é de que o número de dias trabalhados para pagar impostos seja ainda menor. Isso porque muitos estados decretaram quarentena e até mesmo lockdown, como medida de enfrentamento à covid-19.
Aproximadamente 41,25% de todo o rendimento anual dos brasileiros foi para os cofres dos governos em nível federal, estadual e municipal. O valor está um pouco abaixo do registrado em 2019, 41,80%, e só é superior ao calculado em 2013, quando os impostos eram responsáveis por 41,10% da renda.
Para o estudo, o Instituto fez o cálculo com base em três faixas de rendimento: até 3 mil reais (classificado como classe baixa); de 3 mil a 10 mil reais (classe média); e acima de 10 mil reais (classe alta). Na comparação proporcional, a classe média paga mais imposto, cerca de 43,9%. Enquanto que a baixa paga 39% e a alta, 42%.
"Consumo é a nossa principal base de arrecadação. Quem tem uma renda de 15 mil consome o mesmo produto de quem ganha 3 mil reais. Proporcionalmente, a incidência é maior para quem ganha menos", explica Tathiane Piscitelli, professora do mestrado profissional em Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP.
Dentre os países-membro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em grande parte formada por países desenvolvidos, o Brasil ocupa a 9ª posição dos que pagam proporcionalmente mais impostos entre 27 países. Está à frente da Alemanha, Reino Unido e Espanha.
Em primeiro lugar aparece a Dinamarca, com 179 dias necessários para pagar tributos. Na América Latina, os argentinos trabalham 136 e os chilenos, 68.
Para o diretor-executivo do IBPT, a tributação é importante mas é preciso ter um retorno. "Todos temos direito a serviços básicos, como saneamento, saúde e educação. Mesmo com uma carga tributária altíssima, nós não temos isso", diz.
Segundo o impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, até o dia 29 de maio já foram pagos 849 bilhões em impostos. Mesmo com este volume de arrecadação, a estimativa do Tesouro Nacional é de um rombo de até 600 bilhões nos cofres públicos em 2020.
As contas públicas estão no vermelho desde 2014, mas o rombo deve ser maior neste ano tanto pela queda de arrecadação quanto pelas despesas extras necessárias para combater a pandemia e seus efeitos.
O último número divulgado pelo IBGE, na sexta-feira, 29, já mostra o quanto a economia está encolhendo. No primeiro trimestre de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 1,5%.
Estão em tramitação no Congresso Nacional vários projetos de reforma tributária. Na avaliação do diretor-executivo do IBPT, a maior parte deles não reduz a carga de impostos, mas simplificam a arrecadação.
"A gente vai ter um puxadinho, não é uma reforma. O principal problema é o imposto no consumo, em detrimento do patrimônio e do rendimento. As reformas são simplificadoras, torna mais fácil a arrecadação e o recolhimento. Mas não muda a conta", diz.
A professora Tathiane Piscitelli, da FGV Direito, de São Paulo, compartilha da mesma opinião. Para ela, a pandemia poderia ser um momento de pensar em uma reforma que também considere a progressividade. "A gente deveria formular um sistema tributário que seja mais justo", diz.