Economia

Especialistas criticam igualar aposentadoria de mulheres e homens

A PEC 287 prevê que tanto homens quanto mulheres se aposentem quando atingirem 65 anos de idade. Hoje, elas podem se aposentar aos 60

Aposentadoria: a juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto declara que argumento a PEC despreza a realidade real de desigualdade vivenciada por mulheres (AndreyPopov/Thinkstock)

Aposentadoria: a juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto declara que argumento a PEC despreza a realidade real de desigualdade vivenciada por mulheres (AndreyPopov/Thinkstock)

AB

Agência Brasil

Publicado em 23 de março de 2017 às 15h39.

Última atualização em 23 de março de 2017 às 15h40.

A proposta de equiparar a idade de aposentadoria entre homens e mulheres, presente na proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo, foi debatida hoje (23) na comissão especial da Câmara para discutir o tema.

Mulheres de diferentes instituições argumentaram sobre a necessidade de manter ou mudar a diferenciação de idade que vigora atualmente.

A proposta de emenda constitucional (PEC) 287/2016 prevê que tanto homens quanto mulheres se aposentem quando atingirem 65 anos de idade.

Hoje, as mulheres podem se aposentar aos 60 anos, cinco a menos que os homens, ou quando atingem 30 anos de contribuição.

Não há idade mínima para se aposentar.

Desigualdade de contextos

A Juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto, secretária-geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), avalia que igualar a idade mínima para ambos os sexos é inconstitucional.

"A diferenciação entre homens e mulheres está prevista na constituição brasileira para fins de aposentadoria. É uma desigualdade que está condicionada a um cenário, para que a igualdade efetiva seja considerada", argumentou.

Noêmia explicou que a diferenciação na Previdência foi aprovada para compensar o fato de que as mulheres assumem a maior parte das tarefas domésticas, além de outras ocupações, e a persistente desigualdade de gênero na realidade do mercado de trabalho no Brasil.

"O argumento da PEC é meramente formal e despreza essa realidade real de desigualdade vivenciada na pele por cada uma das brasileiras", afirmou.

A magistrada classificou a reforma proposta pelo governo de "perversa" e inviável, pois retira direitos consolidados e segue a lógica do mercado privado e não dos princípios constitucionais.

Noêmia rebateu os argumentos de que as mulheres vivem mais e contribuem menos com a previdência.

"De fato, elas são minoria entre os contribuintes, mas isso se deve a diversos fatores. A informalidade atinge mais as mulheres. Elas recebem salários mais baixos e benefícios previdenciários mais modestos. E ocupam postos de menos destaque no mundo do trabalho", disse.

Para resolver o problema do déficit do Regime Geral da Previdência, a magistrada propõe que sejam reveladas as origens da sonegação, que se busquem fontes extras de seguridade social e que seja feita a auditoria das contas da previdência, entre outras soluções.

"O tema do equilibro das contas no setor publico é sério e pertinente, mas apenas se considerar todas essas variantes que revelam a injustiça de retirada dos direitos das mulheres", declarou.

Condições diferentes de trabalho

Os argumentos da juíza foram reforçados pela apresentação da professora da Universidade de Campinas, Marilane Teixeira, e pela Técnica da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do IPEA, Joana Mostafá.

Ambas apresentaram diversos números e pesquisas que corroboram, segundo as pesquisadoras, a necessidade de diferenciar a idade das mulheres.

Para a professora Marilane, a diferenciação da idade de aposentadoria para as mulheres é um dos grandes méritos do regime previdenciário atual.

Ela argumenta que a diferença nas regras de acesso ao benefício da Previdência contribui para aumentar a inclusão de pessoas que têm condições diferentes de trabalho e, assim, compensar as desigualdades estruturais do mercado de trabalho.

"É um reconhecimento, através da lei, de que existe uma condição desigual entre os sexos no trabalho", disse Marilane.

A pesquisadora Joana, do IPEA, alertou para a dificuldade que as mulheres têm para comprovar o tempo de contribuição.

Ela classificou a reforma como uma tendência de "masculinização da previdência" e destacou que outras políticas devem ser adotadas para reduzir a desigualdade de gênero, e não para aprofundá-la.

"A diferença de cinco anos na idade de aposentadoria está de acordo com o sobretrabalho feminino e isso não tem apresentado tendência de mudar no Brasil", afirmou.

Já a Procuradora Regional da 3ª Região, Zélia Luiza Piedorná, defendeu o acúmulo da concessão da aposentadoria e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) sob o ponto de vista da coletividade.

Para Zélia, o acesso aos benefícios deve ser regido pela necessidade de garantia dos princípios democráticos e não por uma lógica "individual e privatista".

Sobre o "rombo" da Previdência alegado pelo governo, a procuradora alertou para a urgência de resolver o problema das fraudes no sistema de concessão de benefícios no Brasil, o que poderia servir como solução.

"Não se pode ter uma legislação que estimula mal comportamento", afirmou.

Aproximação de contextos

A Assessora Especial da Casa Civil da Presidência da República, Martha Seiller, defendeu o texto original apresentado pelo governo e justificou a necessidade de igualar a idade mínima de aposentadoria para as mulheres.

A assessora disse que dados demográficos mostram uma evolução da inserção da mulher no mercado de trabalho e uma tendência de aproximação do salário pago às mulheres ao que é pago aos homens.

Martha argumentou que as justificativas para manutenção da diferença de cinco anos na idade de aposentadoria entre homens e mulheres já não se sustentam como antigamente.

A assessora explicou ainda que a pirâmide demográfica brasileira está cada vez mais desfavorável para manter o sistema previdenciário equilibrado, já que a base jovem tem diminuído, devido à queda na taxa de natalidade, topo de idosos está crescente, com o avanço da expectativa de vida, "Como é que esse sistema previdenciário sobrevive com uma mudança tão brusca na taxa de natalidade e expectativa de vida sem passar por mudanças?", questionou.

Martha afirmou que as regras de transição previstas na reforma para vigorar em 20 anos podem compensar as desigualdades que ainda vigoram.

A assessora afirmou ainda que a diferença de cinco anos é a maior entre os regimes de outros países que ainda consideram a necessidade de diferenciação.

Para a assessora, também não são suficientes os argumentos das debatedoras sobre a dupla jornada feminina, uma vez que os homens hoje também executam as tarefas domésticas.

Martha disse que esta ideia não deve ser usada com naturalidade, como se fosse uma realidade imutável, sob o risco de favorecer o que definiu como "constitucionalização do machismo".

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