Economia

Economia mundial corre risco de lenta asfixia em meio a crises sociais

Para o ano que vem, a OCDE prevê que o crescimento mundial se limitará a 2,9%, como em 2019, seu nível mais baixo desde a crise mundial de 2009

Guerras comerciais: embate entre Estados Unidos e China é apontado como uma das razões para o crescimento econômico mundial mais lento (Catherine Falls Commercial/Getty Images)

Guerras comerciais: embate entre Estados Unidos e China é apontado como uma das razões para o crescimento econômico mundial mais lento (Catherine Falls Commercial/Getty Images)

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AFP

Publicado em 26 de dezembro de 2019 às 17h36.

Última atualização em 27 de dezembro de 2019 às 10h32.

Uma lenta asfixia do crescimento mundial, sob efeito dos conflitos comerciais, da digitalização e das mudanças climáticas, com risco de despertar conflitos sociais: o cenário de sufocamento de 2019 corre o risco de se manter em 2020, alertam os economistas.

A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que o crescimento mundial se limitará a 2,9%, como em 2019, seu nível mais baixo desde a crise mundial de 2009.

"Estamos em uma época inquietante", afirmou a economista-chefe do órgão, Laurence Boone.

O Fundo Monetário Internacional prevê uma expansão de 3,4% em 2020, mas esta recuperação "ainda é precária", para sua economista-chefe, Gita Gopinath.

Fim de uma era

O ritmo de crescimento mundial no ano que vem vai depender, em grande parte, da disputa comercial entre o presidente americano Donald Trump e a China.

Os dois gigantes alcançaram, em dezembro, uma trégua na escalada das tarifas aduaneiras, à espera da assinatura de um acordo preliminar. Isso não resolve as queixas substantivas no momento, particularmente no que diz respeito ao aumento da força tecnológica chinesa.

Para além desta incerteza a curto prazo, a economia globalizada não se encontra apenas no fim de um ciclo, mas no fim de uma era - a do aumento das trocas comerciais e da ascensão industrial dos países emergentes.

O consenso diplomático em torno do livre-comércio se desfez com a chegada do presidente americano Donald Trump ao poder. Ansioso por preservar a saúde econômica americana, no momento em que luta contra um processo de impeachment, acalmou a disputa com a China recentemente. Mas ele abriu frentes com muitos outros parceiros econômicos, incluindo os europeus.

 

Os europeus também enfrentarão o prazo do Brexit, após a vitória de Boris Johnson nas eleições legislativas, outro teste para o multilateralismo.

As finanças mundiais estão de cabeça para baixo após anos de abundância dos grandes bancos centrais, que estão lutando para desmamar os mercados, alguns dos quais, como Wall Street, saltam de recorde em recorde.

O fenômeno a princípio absurdo das taxas de juros "negativas" se generalizou em alguns países, comprimindo a rentabilidade dos bancos e fazendo a dívida privada crescer.

Steve Eisman é categórico: "Nós não teremos uma crise sistêmica" à la Lehman Brothers, garante à AFP o investidor conhecido por ter previsto a quebra do sistema financeiro americano, há uma década.

Para Eismen - cuja história inspirou o filme "A Grande Aposta", a economia pode continuar a crescer a ritmo lentou ou entrar em "uma recessão típica com uma economia que desacelera e pessoas perdendo dinheiro. "Já será doloroso o suficiente".

Ludovic Subran, economista-chefe da seguradora Allianz, prevê um "purgatório de crescimento" mundial. Se houver um, "o próximo choque sistêmico sem dúvidas não vai nascer nas finanças, mas será exógeno. Por exemplo, um grande choque regulatório dos dados pessoais, ou ligado ao clima".

Eleições americanas

Também deve-se observar, segundo ele, a eleição americana e seu impacto na maior economia do mundo, até agora muito resistente. Elizabeth Warren, que busca a indicação democrata, pretende tributar mais os ricos, dar uma guinada na economia verde e desmantelar os gigantes digitais, para desgosto de Wall Street.

Donald Trump também pode acabar reeleito. "Ou ele faz um segundo mandato à americana, ou seja, não faz nada, ou dobra a aposta contra a China", correndo o risco de uma escalada militar, teme Subran.

Tensões geopolíticas, compartilhamento de receita, digitalização, clima: essas questões vão dominar a economia global muito além dos Estados Unidos e muito além de 2020.

A ascensão de gigantes tecnológicos que detêm montanhas de dados desafia a distribuição de riqueza e reformula os empregos.

Diante das mudanças climáticas, industriais e investidores estão corrigindo suas estratégias.

"Superando uma crise cíclica, não temos medo, sabemos como fazê-lo", disse à AFP Ingo Kübler, representante da equipe da Mahle. Esse fornecedor automotivo alemão está eliminando empregos, principalmente por causa do descontentamento com o diesel.

Revolta social

"O grande assunto é a transformação, a digitalização, a mobilidade elétrica. Tememos (...) a perda de muitos empregos ", afirmou.

Se a Alemanha ainda próspera se preocupa com o futuro, outros países - como Chile, Colômbia e Líbano, mas também a França, com os "coletes amarelos" - já conhecem os efeitos da revolta social.

Nicolas Achondo, um cozinheiro chileno de 33 anos, teve que fechar seu restaurante, estrangulado pelas despesas médicas após um acidente.

"Não pude pagar, fui colocado na lista de endividados (...) Como (empresário) independente, não pude acessar o crédito e meu negócio começou a gerar dívidas. É muito injusto", disse ele à AFP.

Em um mundo de crescimento lento, em que, segundo a ONG Oxfam, 26 bilionários tinham tanto dinheiro em 2018 quanto a metade mais pobre do planeta, a questão da distribuição da riqueza será cada vez mais aguda, inclusive nos países desenvolvidos.

"Mesmo quando as pessoas parecem desfrutar de conforto material básico, elas podem experimentar o mesmo nível de miséria e infelicidade que os mais pobres", alertou Esther Duflo, especialista em questões de desenvolvimento, logo após saber, em 14 de outubro, que tinha ganhado o Nobel de Economia.

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