Economia

É possível ter juros reais de 2% no Brasil?

Com as mudanças na poupança, o governo abriu caminho para uma redução nos juros, mas outros fatores, como a inflação e o incentivo à indústria, pesarão na conta

Dilma quer juros reais a 2%, mas há obstáculos no caminho (©AFP / Brendan Smialowski)

Dilma quer juros reais a 2%, mas há obstáculos no caminho (©AFP / Brendan Smialowski)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2012 às 19h37.

São Paulo – A presidente Dilma Rousseff estabeleceu como meta atingir o patamar de juros reais de 2% até o final de seu mandato e vem tomando as providências necessárias para chegar lá.

Com a mudança nas regras da poupança, o Banco Central fica com o caminho aberto para continuar cortando a Selic e o governo poderá aproximar-se cada vez mais do objetivo.

Mas é possível ter juros reais de 2% no Brasil? A resposta de Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (Ipea), em um evento nesta manhã, foi curta e grossa: “Em outros países é, por que não aqui? Não somos uma jabuticaba”.

Na prática, o caminho para chegar aos jutos reais de 2% passa por alguns obstáculos.

Até a mudança nas regras da poupança, os juros reais do Brasil – calculados pela diferença entre a Selic e a inflação – estavam na casa de 3,4%, a segunda maior taxa do mundo, perdendo apenas para a Rússia. 

“Historicamente, a taxa sempre foi elevada porque o país sempre dependeu muito de capital externo. Como o risco era elevado, era necessária uma taxa de juros mais alta para compensar, além de controlar a inflação, que era galopante. Hoje o momento é diferente”, pondera Felipe Queiroz, analista da Austin Rating, agência classificadora de risco.

Após o anúncio das mudanças na poupança, o mercado já está precificando a Selic em 8,25% ao ano, o que, considerando uma inflação de 5,5%, projeta uma taxa de juro real de 2,7%. Se o Copom derrubar a Selic a 8% ou menos até o final do ano, como apostam alguns analistas, será possível chegar a uma taxa de juro real de 2,5%. Para chegar à meta de 2%, mantendo-se a inflação constante, seria necessária uma taxa Selic de 7,5%.

A dúvida é: a inflação continuará mesmo constante ou, com abundância de crédito barato no mercado, o aumento no consumo fará o índice disparar? A indústria tem capacidade para atender o aumento na demanda interna? E, com preços mais elevados, o consumidor brasileiro, que já apresenta alto nível de endividamento e taxas crescentes de inadimplência, terá fôlego para alimentar o crescimento econômico almejado pelo governo? 


Alguns analistas olham para estas questões com preocupação. Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e sócio fundador da Quest Investimentos, a volta da inflação a patamares como os registrados no ano passado, de 7,5%, pode ter efeitos perigosos para a economia.

“Hoje, pela primeira vez em décadas, o consumidor brasileiro está endividado. Mais de 20% da renda já é gasta com dívida. O consumidor, nessa situação, fica muito sensível a mudanças de preço. Há uma queda no poder aquisitivo dos salários, que leva a aumento da inadimplência imediato. E a visibilidade do inadimplente no Brasil é muito alta. Corta-se crédito, empréstimos e compras a prazo“, argumenta o economista.

A capacidade da indústria para suprir a demanda decorrente de um aquecimento ainda maior no mercado interno também preocupa os analistas. “Não adianta reduzir a taxa de juros e o spread bancário sem ter capacidade para atender a demanda domestica. É preciso desonerar a indústria, estimular o investimento e melhorar a infraestrutura, que ainda impõe muitos gargalos ao produto nacional”, aponta Queiroz, da Austin Rating.

Para Mendonça de Barros, além da desoneração de impostos, são necessário investimentos em mudanças estruturais para que a indústria nacional tenha fôlego para competir com os produtos estrangeiros. “É preciso desonerar os insumos. O gás natural custa seis vezes mais do que custa em outros países, a energia elétrica duas ou três vezes. São causas estruturais que levam ao chamado custo Brasil, que talvez seja o conceito mais usado nos últimos 16 anos, mas muito pouco se fez no sentido de tentar reduzi-lo”, diz.

Questões como o câmbio e o cenário externo também terão influência na equação do juro real menor, que é composta por muitas variáveis. “Tudo vai depender de uma confluência bastante complexa de fatores”, conclui Queiroz.

Acompanhe tudo sobre:aplicacoes-financeirasDilma RousseffInflaçãoJurosPersonalidadesPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileirosPoupançaPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Economia

Governo sobe previsão de déficit de 2024 para R$ 28,8 bi, com gastos de INSS e BPC acima do previsto

Lula afirma ter interesse em conversar com China sobre projeto Novas Rotas da Seda

Lula diz que ainda vai decidir nome de sucessor de Campos Neto para o BC

Banco Central aprimora regras de segurança do Pix; veja o que muda

Mais na Exame