Ditaduras manipulam números de crescimento econômico, diz estudo
Autor compara medidas do PIB com luzes em imagens de satélite e conclui: não dá para confiar nas estatísticas de regimes autoritários
João Pedro Caleiro
Publicado em 15 de maio de 2018 às 13h29.
Última atualização em 15 de maio de 2018 às 13h37.
São Paulo - Devemos desconfiar das estatísticas econômicas produzidas por ditaduras ? A resposta é sim.
É o que aponta um novo estudo de Luis R. Martinez, economista da Universidade de Chicago, que analisou 179 países entre 1992 e 2008 com duas fontes de dados.
A primeira são as estatísticas oficias de crescimento do Produto Interno Bruto ( PIB ), teoricamente sujeitas a manipulação.
A segunda são imagens noturnas de satélites, imunes a essas tentativas, retiradas de um estudo pioneiro de J. Vernon Henderson em 2012.
“É intuitivo que as luzes noturnas devem refletir a atividade econômica em algum grau, já que a luz é um insumo crítico em vários processos de produção e consumo”, escrevem os autores Maxim Pinkovskiy e Xavier Sala-i-Martin, do Federal Reserve Bank de Nova York, que também usam este tipo de medição.
Outra vantagem das imagens de satélite é que elas são impessoais (ao contrário das pesquisas de campo) e tem um critério único que ultrapassa fronteiras (ao contrário das contas nacionais).
O novo estudo de Martinez cruzou os dois dados, PIB e luzes noturnas, com outra variável: o nível de democracia ou autoritarismo, medido pela organização Freedom House.
A hipótese é que se não houvesse manipulação, as luzes noturnas não iriam ter mais ou menos variação do que os números de PIB. Mas não foi o que ele encontrou.
"A mesma proporção de crescimento em luzes noturnas se traduz em um crescimento reportado do PIB mais alto em autocracias do que em democracias, o que eu interpreto como evidência de uma manipulação maior nas estatísticas oficiais das primeiras", diz o estudo de Martinez.
As taxas de crescimento são infladas na maior parte dos regimes autoritários por um fator 1,15 a 1,3 acima do que seria esperado.
Martinez reconhece que pode haver outras explicações para o fenômeno. Uma delas é que a próprio economia dos países autoritários talvez tenha uma composição estrutural que distorce a medida das luzes: se eles forem na média menos industrializados, por exemplo.
Mas o estudo não encontrou evidências dessa relação ao incluir outras variáveis de controle, como acesso a eletricidade ou nível de urbanização.
Ele também não encontrou relação estatística com a qualidade dos satélites ou capacidade de cada país de produzir suas estatísticas.
O que Martinez achou foram mais razões para crer que as diferenças são mesmo fruto de manipulação deliberada, já que as diferenças foram maiores em anos de crescimento relativamente baixo e nos anos anteriores a eleições (há regimes autoritários que tem eleições, ainda que manipuladas).
E as distorções nos dados são mais verificadas em itens como investimento e gasto público, medidos internamente, do que em consumo, exportações ou importações, sujeitos à verificação independente por terceiros.
O que importa é mesmo o nível de democracia: as distorções não estão relacionadas com índices de corrupção e transparência e não desaparecem na medida em que o PIB é revisado e corrigido nos anos seguintes, um procedimento comum.
Um fator que a neutraliza a possibilidade de manipulação, segundo o estudo, é a adesão aos padrões de qualidade e transparência de estatísticas definidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em um guia de 1996; não surpreende, portanto, que poucos regimes autoritários tenham aderido a ele.
O incentivo para falsificar é óbvio: o crescimento do PIB é o dado econômico mais visível, e uma boa performance econômica costuma aumentar a popularidade dos governos.
Mas além de ser desonesta com a população, a manipulação causa distorções, já que os números errados são usados por órgãos nacionais e internacionais para orientar políticas públicas.
Tudo isso mostra a importância de "instituições judiciais, econômicas e políticas" para "conter o impulso do Executivo de exagerar a performance econômica", diz o estudo.
China
A China é geralmente citada como exemplo de um país que manipula seus dados para passar a ideia de uma economia melhor do que a real, e as próprias autoridades já admitiram que o problema existe.
"Os números principais não são nem um pouco confiáveis, mas há muitos outros, divulgados por uma multiplicidade de fontes. Elas não são perfeitas, e somando umas com as outras você não chega ao número principal, mas elas fazem sentido", disse o economista Christopher Balding, especialista no país, em entrevista para EXAME em 2017.
A literatura econômica recente se divide sobre a relevância disso: há estudos que encontraram evidências de manipulação maciça e outros que apontam até um crescimento maior do que o divulgado.
O estudo de Martinez está no primeiro grupo, já que a China apresentou uma das maiores diferenças entre os números de PIB e as imagens noturnas.
"Ajustar as estimativas de crescimento econômico pela manipulação muda substancialmente nosso entendimento das histórias de sucesso econômico do início do século XXI", escreve ele no estudo, o que deve servir como "sinal de alerta" para todos que usam as estatísticas de países autoritários ou de democracia fraca.